Durante o dia, eu me comporto bem. Almoço uma salada, no jantar só um peixinho. Seria um magro de fazer inveja se não tivesse o hábito de escrever à noite. Teclo as primeiras linhas logo após o jantar e vou pela noite afora: infantojuvenis, romances, novelas… A inspiração só chega na madrugada. No período diurno sou vítima de uma entidade: o Exu Tranca Texto, que me impede de inventar histórias à luz do sol. Mas o que tem isso a ver com o peso? É simples: lá pelas 2, 3 da manhã, costumo sentir uma certa fome. Levanto do computador e prometo a mim mesmo:
— Vou comer só uma coisinha.
E desembesto até a geladeira. Vasculho as prateleiras, subitamente assediado por uma fome tirana. Já comi coxinhas e empadinhas geladas, potes de cogumelos em conserva, doce de casca de laranja, queijo e pão com manteiga, além de toda besteira que encontro pela frente. O pior: sem ordem lógica. Sou capaz de devorar bombons de chocolate e, em seguida, as almôndegas que sobraram do jantar! Nem precisaria de garfo, poderia comer com uma pá, tal a voracidade.
Eu me sinto feliz e realizado depois do assalto à geladeira. De madrugada, não importam as regras do regime e da civilidade. Como tudo que encontro! Recentemente, recebi maravilhosos potes de doces mineiros. Escondi num escritório separado de casa. Senão, comeria tudo na madrugada. Um amigo acorda com fome durante a noite.
— Quando tenho um sonho ruim, voo para a geladeira — confessa.
Entre outros recordes, já devorou um pote inteiro de batatinhas temperadas, feitas pela mãe, e uma travessa de lasanha fria. Outro dia comeu quatro pedaços gelados de pizza que sobraram do jantar.
— De noite a comida fica mais gostosa! — garante. Recentemente eu estava no Twitter. Contava sobre quando fiz codornas pela primeira vez. Um rapaz chamado Rodrigo entrou na história. “Fiquei com vontade de codornas” — escreveu. Morava longe, não sabia onde encontrar as preciosidades às 3 da manhã. “Vou fritar frango” — avisou antes de sumir. Na outra noite, confessou: descongelou peito e coxas e torrou no alho e óleo. “Pelo menos era ave. Foi a melhor refeição da minha vida!”
Esse é o caso. Há duas experiências gustativas de alta satisfação. A primeira é ir a um restaurante, deliciar-se com um cardápio elaborado, apreciar os paladares sutis. A segunda é quando o desejo de comer transforma qualquer porcaria em um banquete das “Mil e Uma Noites”. Garanto: o maior chef de cozinha é capaz de chupar os ossinhos de uma carcaça de frango assado, durante a madrugada. Garçons e maîtres são capazes de, após o expediente, montar um pratinho de arroz com feijão aquecido no micro-ondas. A madrugada é o reinado das comidas sem grife, das mortadelas, dos sanduíches de requeijão, das misturas improváveis entre doces e salgados, do exagero que é uma delícia.
Uma amiga do Twitter, Isabel, é capaz de comer sanduíche de pernil na madrugada. E vamos combinar: as redes sociais incentivam ainda mais os assaltos à geladeira, porque durante a conversa noturna sempre bate uma fominha. Vão acabar criando uma geração de gordos! Há poucas noites comi dois ovos fritos com pão às 4 da manhã!
Na manhã seguinte bate o remorso. Acordo com a cabeça martelando:
— O que fiz, o que fiz!?
Corro para a academia! Haja esteira! Sou incapaz de resistir a um ataque de fome noturna. Mas não sou o único! Falando francamente: quem nunca assaltou a geladeira que atire o primeiro osso!