Produtor Roy Cicala prepara workshop e curso em São Paulo
Americano trabalhou com estrelas como John Lennon e Frank Sinatra
De uma caixa de papelão meio amarrotada, o produtor americano Roy Cicala vai retirando algumas de suas recordações: bilhetes de amigos, fotos de momentos prazerosos e recortes de revistas e jornais. Uma a uma, exibe reminiscências que a maioria das pessoas mantém em caixas mais ou menos como aquela. No caso de Cicala, os itens são bem mais do que suvenires de momentos pessoais. Trata-se de um pequeno tesouro da música. “Aqui sou eu e o Les Paul”, afirma, sobre o retrato em que aparece ao lado do lendário guitarrista e fabricante de seus próprios instrumentos, morto no ano passado.
Na esteira dessa imagem vêm outras preciosidades, uma foto do rolling stone Keith Richards e outra da ex-mulher, a atriz Kate Jackson, que interpretava Sabrina Duncan no seriado “As Panteras”. Em meio à coleção, um CD gravado. “Neste disco há uma apresentação de Frank Sinatra no Carnegie Hall, não sei mais de que data”, diz. “Nunca foi lançado porque ele estava completamente embriagado.” Quando o eterno Blue Eyes entoa a canção de Cole Porter “I Get a Kick Out of You”, é possível ouvi-lo errar a letra e perguntar ao público: “Onde diabos eu estou?”. Tem ainda memórias de outro registro inédito, sessões de Elis Regina com o saxofonista e arranjador Wayne Shorter para um disco que a projetaria internacionalmente. “Eu me lembro da filha dela correndo pelo estúdio”, conta, sobre a cantora Maria Rita, então com 4 anos.
Revirando seus guardados, o produtor pinça uma foto em que aparecem ele, John Lennon e Yoko Ono. Cicala criou o efeito que faz com que a voz do ex-beatle pareça ecoar em canções como “Imagine”, faixa-título do álbum em que participou da produção em 1971. Equipamentos empregados nessa gravação continuam sendo utilizados. Uma das máquinas permaneceu ligada de 1970 até 2000, para que não perdesse qualidade.
Tirá-la da tomada foi o pontapé inicial para uma série de mudanças que o trouxeram a São Paulo. A primeira delas, o encerramento das atividades em Nova York da Record Plant, estúdio em que atuou desde o fim da década de 60. A segunda, e definitiva, a saudade da filha Hannah, de 22 anos, cuja mãe é brasileira. “Vim apenas para passar duas semanas com ela. E isso já faz cinco anos.” Instalou-se na Vila Mariana e abriu seu próprio estúdio nas imediações, com cinco salas projetadas por ele. Viver na capital, porém, não fez com que aprendesse português nem que se acostumasse com a “profusão de feriados” nacionais. “Não me conformo de tudo parar até o Carnaval.”
O produtor, no entanto, conta ter aprendido macetes para sobreviver na metrópole. Cansado de ser enrolado por taxistas, que, segundo ele, ao perceberem tratar-se de um estrangeiro, faziam caminhos mais longos, decidiu trapacear também. Passou a carregar uma tabuleta com os dizeres “Surdo e mudo”, exibida ao sentar-se no banco do passageiro. O intuito é disfarçar sua origem e, assim, pagar um preço justo pela distância percorrida.
Cicala diz gostar de viver em São Paulo, que compara a Nova York como centro de negócios e de profissionalismo musical. Tais características o encorajaram a abrir, em março, uma escola na cidade, a The Record Plant School, voltada à formação de produtores. “Quero ensiná-los a usar corretamente o microfone durante as gravações.” Para ele, tanto brasileiros quanto americanos pecam por separar demais os sons emitidos pelos instrumentos, evitando que o barulho de um seja captado pelo microfone de outro. “Esse perfeccionismo faz com que a música soe artificial.”
A prática será tema de um workshop marcado para os próximos dias 11 e 12. Cicala ensinará o que começou a aprender graças ao Brasil. Em 1963, quando iniciava sua trajetória, como técnico de som, auxiliou o produtor Phil Ramone na gravação de “Girl from Ipanema”, com Astrud Gilberto e Stan Getz. Preparavam o álbum “Getz/Gilberto”, propulsor de uma onda de bossa nova no exterior. O LP incitou Cicala a querer atuar como engenheiro de som e, posteriormente, como produtor. “Senti a fascinação proporcionada pela música”, diz. “Ainda é a única coisa capaz de aliviar minha tensão quando fico parado no trânsito paulistano.”