“O New Order foi injusto comigo”, afirma Peter Hook
O ex-baixista da banda vem a São Paulo tocar os discos <em>Movement</em> e <em>Power Corruption & Lies</em> na íntegra
Assim como outros artistas que viveram sua fase de ouro nos anos 80, Peter Hook, o ex-baixista do Joy Division e do New Order, já virou um habitué da cidade. Depois de um show no antigo Estúdio Emme em 2011 no qual tocou o disco Unknown Pleasures (1979), do Joy Division, e de uma apresentação como DJ no Na Mata Café, no ano passado, o músico inglês se apresenta no Cine Joia na sexta-feira (4/10). Junto da banda The Light, ele faz uma nostálgica performance com a íntegra dos álbuns Movement (1981) e Power Corruption & Lies (1983) os dois primeiros lançamentos do New Order — grupo que formou com Bernard Sumner, Stephen Morris e Gillian Gilbert, após o repentino suicídio de Ian Curtis, em 1980, no auge do sucesso.
Em 2007, após diversos atritos, o New Order se esfacelou com a saída do baixista, que decidiu investir em outros projetos. No ano passado, a rusga voltou a público, já que Sumner e os demais membros do New Order tentaram “ressuscitar” a banda, segundo Hook, sem o seu consentimento. Dos jornais, a briga foi parar nos tribunais.
Na entrevista abaixo, feita por e-mail, o multi-instrumentista fala da apresentação no Cine Joia, sua complicada relação com os antigos companheiros de banda – com os quais só conversa através de advogados – e afirma que, na opinião dele, Ian Curtis estaria muito satisfeito com a drástica mudança de rumo que o finado Joy Division tomou após sua morte.
VEJA SÃO PAULO — Por que você escolheu os dois primeiros álbuns do New Order para tocar ao vivo?
Peter Hook — Tive a ideia depois que ouvi do Bobby Gillespie, do Primal Scream, que a banda planejava tocar o álbum Screamadelica [1991] ao vivo. Decidi que iria tocar a íntegra do Unknown Pleasures do Joy Division ao vivo. Era para ser apenas um show para celebrar os trinta anos de morte de Ian Curtis, mas recebemos o convite para uma segunda noite e, logo em seguida, para uma turnê. Depois fizemos o mesmo com o segundo disco do Joy Division, Closer [1980]. Acho que foi natural apresentar, em seguida, os dois primeiros discos do New Order.
Quais são as diferenças do show que você fez em 2011 para a apresentação de sexta-feira? Agora vamos conseguir mostrar a transição do Joy Division para o New Order. Abrimos com Ceremony e In a Lonely Place, as duas primeiras faixas que gravamos sem Ian, depois executamos todas as faixas de Movement, as canções que gravamos logo depois, como Mesh ou Everything’s Gone Green, e então o álbum seguinte, Power, Corruption & Lies. Além dos álbuns, também vamos apresentar alguns b-sides que são muito queridos do público. Para mim, são tão boas quanto os grandes hits. Eu acho Thieves Like Us uma faixa muito melhor do que Blue Monday, por exemplo. Quando você ouve músicas como Love Vigilantes ou Leave Me Alone, percebe que são muito melhores do que muitos dos singles do New Order. Em resumo, será um show longo, com 25 ou 26 faixas.
Quais são as grandes diferenças entre Movement e Power, Corruption & Lies? O primeiro é quase um disco do Joy Division sem os vocais de Ian. Logo depois da morte dele, foi muito difícil continuar. Especialmente porque o produtor Martin Hannett reprovava o fato de estarmos tentando continuar sem Ian. Por isso, foi o último disco que fizemos com ele. Já com Power, Corruption & Lies, conseguimos nos expressar melhor, com nossas influências da música eletrônica que estava surgindo naquela época. Foi uma mudança gradual.
Como foi gravar Movement, logo após a morte de Ian Curtis? Foram sessões muito difíceis. Não tínhamos apoio do produtor e estávamos procurando um novo estilo. Fizemos aquele álbum sem qualquer confiança, e acho que isso está explícito no resultado final, sobretudo nos vocais. Todos nós tentamos cantar naquele disco.
Quais são as melhores lembranças que você tem de Ian Curtis e do início da banda em Manchester? Ao contrário dos mitos perpetuados sobre Ian, ele era um rapaz muito normal. Muito talentoso, mas muito jovem para ser casado e ter uma filha. Ele era muito responsável, ao contrário de nós. Foi ele quem manteve a banda musicalmente unida por muito tempo. Enquanto grupo, tínhamos muita química e trabalhávamos muito bem em equipe. Lembro da primeira vez que tocamos Transmission para um público, que foi ao delírio. Naquela época, escrevemos algumas canções fantásticas que com sorte, resistiram ao teste do tempo e ainda soam muito boas, o que é recompensador.
Como é a sua relação com Sumner, Morris e Gilbert hoje? Nós apenas nos falamos por meio dos advogados, o que é um grande problema. Talvez se conversássemos pessoalmente, tudo seria mais fácil. Eu os processei por usarem o nome da banda sem o meu consentimento. Em setembro de 2011, eles afirmaram que fariam alguns shows para a caridade como pretexto para reunir a banda e reduziram minha parte dos royalties a uma porcentagem ridícula e injusta. É por isso que recorri à justiça, pois estou recebendo um tratamento injusto da parte deles.
Por que você deixou o New Order? Eu nunca saí do New Order. O grupo é que acabou. O acordo era que se um dos membros saísse, o nome deixaria de existir. Depois do fim, eu criei o Freebass e então o The Light, e Sumner e Morris formaram o Bad Liutenant. Eu estou convencido de que se a nova banda deles tivesse obtido sucesso, eles teriam seguido em frente e não precisariam se apresentar como New Order novamente. Eu não os considero como New Order. Para mim, assim como o The Light, são uma banda tributo da formação original.
Você acha que Ian aprovaria a mudança drástica de musicalidade que o New Order sofreu após suas morte? Eu daria qualquer coisa para saber. Eu realmente acho que com Ian, teríamos seguido o caminho eletrônico que o New Order trilhou após o fim do Joy Division. Ian gostava muito do Kraftwerk e da música tecno que estava surgindo. Eu consigo ouvi-lo cantar Blue Monday, Bizarre Love Triangle ou True Faith.