O passarinho caminhava alerta pelo gramado, na manhã ensolarada. Estávamos os dois hospedados no mesmo resort, na Bahia. Na verdade éramos muitos os hóspedes, humanos, alados, rastejantes, grimpantes: aves várias, dos miúdos beija-flores aos valentões carcarás, lagartões iguanos, micos atrevidos. Da minha varanda térrea eu observava o passarinho, e não sei dizer o que o tornava tão atraente, se a rara cor, se a desenvoltura. Bem próximo de mim, uns 3 metros, ele caminhava cauteloso, menos atento à comidinha que com toda certeza encontraria pelo chão do que ao perigo que poderia vir dos ares ou da vida rasteira – no entanto, era para comer que estava ali, momentaneamente renunciando à segurança da sua condição alada. Bichos pequenos praticam a ousadia da necessidade.
O que tornava rara a sua plumagem era talvez a minha ignorância. Conhecia os bem-te-vis, sabiás, canários, pardais, rolinhas, joões-de-barro e periquitos, comuns em São Paulo, e os canários-da-terra, sanhaços, saíras, pica-paus, cardeais, curiós, tizius, cambaxirras, trinca-ferros e pintassilgos que pousaram nos galhos da minha infância ou comeram alpiste nas gaiolas do meu pai, mas as cores deles nada informavam sobre a desse que caminhava diante da minha varanda.
Era de um amarronzado alegre, não esse marrom fechado à luz, opaco, de certas pedras ou paus, um marronzinho alegrado pelo amarelo, ou laranja, como se um pintor tivesse misturado tons para obter outro de mais graça, quase aurora, ocre comprometido com o dourado, o que lhe dava ares de simpatia discreta, nada que lembrasse as cores festivas de alguns de seus primos passarinhos.
O seu caminhar rivalizava, em graça, com sua cor, ou esta combinava com aquele para torná-lo mais prazeroso de se olhar. Seria esse o estilo dos seus iguais ou ele encenava aquilo? Não era pequenino, regulava seu tamanho com o das rolinhas, mas era mais alto de pernas e porte, elegante. Andava de cabeça empinada, nem uma vez a abaixou antes de ter a certeza de que era seguro distrair-se uma fração de segundo para apanhar no bico alguma miudeza do seu cardápio, quem sabe um grão minúsculo, uma atarefada formiga. Avançava cauteloso, nem por isso deseleganteou vacilante; alerta, já disse. Tinha mesmo o ar garboso de um porta-bandeira militar, peito para a frente, passinhos largos, como se uma banda determinasse o ritmo da passada. Parecia ter prazer na caminhada, cabecinha impulsionando o corpo com pequenos arrancos. Encantado, fantasio que ele estava desfilando, mostrando-se para mim.
Tudo ajudava: a manhã, a inclinação do sol, o céu limpo de nuvens exagerando no azul, o mar em frente a rolar sobre si mesmo capturando cores, barcos ao longe criando horizontes, a mata ao lado harmonizando sons em surdina. De lá vinham os bandos de micos que aplicavam pequenos sustos nos hóspedes, as borboletas e abelhas que escolhiam adocicados sabores pelas flores, os pássaros músicos, todos à cata da refeição matinal nos jardins bem cuidados do resort. Avisos por toda parte recomendavam que não déssemos alimentos processados aos animais silvestres, eles saberiam o que lhes convinha na natureza. Resisti ao impulso de atirar migalhas de pão ao meu passarinho, ele poderia se assustar, fugir.
Mais confiante, andou uma boa distância a catar petiscos, talvez uns 5 metros imprudentes, e então um carcará surgiu em mergulho fulminante, apanhou-o com as garras e o levou.