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As lições da tragédia de Santa Maria para São Paulo

Com boates sem alvará e segurança precária, a capital precisa avançar muito no tema

Por Carolina Giovanelli
Atualizado em 5 dez 2016, 16h21 - Publicado em 31 jan 2013, 18h53

A tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que até a última quarta (30) havia deixado um saldo de 235 mortos, foi provocada por uma sucessão de erros. Com documentação vencida, a casa noturna Kiss estava superlotada e tinha apenas uma saída de emergência, não sinalizada, insuficiente para o escoamento da multidão. Quando o fogo começou, a equipe de seguranças se mostrou despreparada para lidar com a situação. Parte da brigada bloqueou a porta, exigindo o pagamento da comanda de consumo dos que tentavam sair. Nos dias que se seguiram ao incêndio, autoridades de várias outras cidades do país passaram a tomar medidas para evitar catástrofes semelhantes, como o fechamento de casas noturnas e a ameaça de aperto na fiscalização. É fundamental que essas iniciativas sejam realmente implementadas e que o discurso não fique no campo daquelas promessas oportunistas, feitas apenas para dar uma rápida satisfação à opinião pública. A situação de segurança é precária em vários locais, a começar por São Paulo.

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Na segunda-feira, o prefeito Fernando Haddad determinou uma revisão das leis municipais e do esquema de fiscalização. Hoje, antes de conseguir o alvará, a casa precisa do auto de vistoria do Corpo de Bombeiros, liberado após a análise de quantidade de extintores, rotas de fuga e brigada de incêndio, entre outras exigências. As subprefeituras são responsáveis pelos estabelecimentos com capacidade para menos de 500 pessoas e o Contru pelos que reúnem público acima desse número. Nos dois casos, a licença deve ser renovada anualmente. Em comunicado oficial, a secretária especial de Licenciamentos da prefeitura, Paula Motta, afirmou que a legislação de São Paulo está entre as mais rigorosas do Brasil e que um lugar como a Kiss jamais funcionaria aqui.

+ Casas noturnas anunciam fechamento após tragédia no RS

Não é preciso ser especialista, entretanto, para perceber que muitas das mais de 180 boates da cidade não apresentam condições ideais de segurança. Nos últimos dois anos, o Corpo de Bombeiros recebeu 636 pedidos de vistoria para discotecas, bufês, casas de show e afins, mas só 194 desses estabelecimentos puderam iniciar as operações. “É evidente que muitos não tomam as precauções necessárias para evitar acidentes”, afirma Marcos Vargas Valentin, arquiteto especialista em segurança contra incêndio. Há vários locais que operam sem autorização ou com documentação vencida. É o caso da Wood’s, na Vila Olímpia, que funciona com alvará expirado, enquanto aguarda a renovação. A casa recebe até 900 pessoas por noite. “Atendemos a todas as normas de segurança e só não temos o documento atualizado por causa da burocracia da prefeitura”, diz um dos sócios, Rafael Setrak.

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A Wood’s está longe de ser a única nessa situação. Studio SP, Alberta #3, Lions e Cine Joia também aguardam a aprovação da prefeitura. A Neu, na Água Branca, ficou pelo menos um ano sem o alvará após sua abertura, em 2008. “Como ele demora a sair, poucos podem arcar com as despesas do imóvel sem que a casa funcione”, afirma um dos proprietários, Dago Donato. O processo para recebimento do alvará pode demorar até um ano. A dificuldade de conseguir o documento definitivo fomentaria a indústria da propina. Nos bastidores da noite, não faltam histórias de casas que pagariam aos fiscais para se manter abertas.

Há ainda as que contam com liminar da Justiça para funcionar. Como muitos negócios têm um ciclo de vida relativamente curto, existem empresários do ramo que entraram e saíram do mercado sem nunca ter o alvará. A fiscalização ineficiente só agrava o problema. São 95 fiscais do Contru e 700 da prefeitura, esses últimos responsáveis também por ficar de olho em diversas outras irregularidades da cidade. Para tranquilizar quem frequenta a noite paulistana, a prefeitura promete disponibilizar na internet a data de expedição da licença de funcionamento de todas as casas noturnas da cidade. No último dia 30, alguns empresários da área foram convidados a se reunir no Edifício Matarazzo, sede da prefeitura, para discutir modos de simplificar a expedição do documento. Há cerca de 600 processos em andamento na capital relacionados a pedidos de alvará e de renovação de licença protocolados por locais de reunião (casas noturnas, teatros e auditórios, entre outros). A prefeitura prometeu agilizar o trabalho para analisar esses casos em, no máximo, noventa dias, sem estipular prazo para atingir a meta.

Do lado dos empresários do circuito de boates, um dos presentes ao encontro era André Almada, dono da The Week, da Lapa, um bom exemplo de local que obedece às exigências legais. “Trinta minutos antes da abertura, nossa brigada se reúne para discutir as medidas de segurança da noite”, explica. Flávia Ceccato, sócia do Hot Hot, na Bela Vista, que também esteve na reunião, afirma que investiu para ficar dentro das normas. “Gastei, na abertura, há três anos, perto de 80.000 reais para me adequar”, conta. Seu empreendimento começou com o devido alvará de funcionamento, mas ele venceu e ainda não foi renovado. A casa diz ter providenciado tudo e espera desde fevereiro de 2012 o “o.k.” da lenta burocracia municipal.

DEPOIS DA KISS

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Alguns reflexos na capital do pavoroso incêndio

► A prefeitura promete disponibilizar via internet, ainda sem data definida, a situação de expedição de alvará das casas noturnas paulistanas

► O prefeito Fernando Haddad convocou uma reunião entre a Coordenação de Subprefeituras e o Contru para rever a legislação e o esquema de fiscalização, além de ter convidado donos de boates para um encontro a fim de discutir melhorias na área

► O governador Geraldo Alckmin anunciou o início da operação Prevenção Máxima. Trezentas equipes do Corpo de Bombeiros vão vistoriar as condições de segurança contra incêndios em todo o estado. O programa deve começar nas casas noturnas com mais de 1.000 metros quadrados 

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► Alegando respeito às vítimas de Santa Maria, os clubes Clash, LAB e Studio SP fecharam as portas na última terça, enquanto o Yacht e o Lions só voltam a funcionar neste início de mês 

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