Arthur Nestrovski, o solista dos bastidores
O diretor artístico da Osesp cuida do repertório à administração de egos entre os músicos e é um dos principais responsáveis pela grande fase da orquestra
Na noite de 15 de agosto, cerca de 6.000 pessoas aplaudiram efusivamente — e de pé, o que não é comum na Europa— a apresentação de noventa intérpretes da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), no Royal Albert Hall, em Londres. O grupo acabara de tocar no imponente teatro, inaugurado pela rainha Vitória em 1871, a Nona Sinfonia de Antonín Dvorák, dentro da programação do BBC Proms, tradicional evento de música erudita. A récita marcou o início de uma turnê que ainda passaria por Aldeburgh, no litoral da Inglaterra, e Wiesbaden, na Alemanha, culminando em um concerto no Concertgebouw, de Amsterdã, na Holanda, casa da Royal Concertgebouw, eleita o melhor conjunto sinfônico do mundo pela prestigiada revista inglesa Gramophone. Nessa vitoriosa excursão, a apresentação londrina entrou para os anais como uma das mais importantes da história da Osesp desde sua fundação, nos idos de 1954.
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Uma das pessoas que mais saborearam aquele instante glorioso não estava no centro dos holofotes. Acomodado de pé em um camarote lateral forrado de veludo vermelho, com visão parcial do palco, Arthur Nestrovski, diretor artístico da Osesp, fazia esforço para segurar as lágrimas de emoção. “Além do orgulho de fazer parte daquele grande momento da orquestra, estar ali era muito comovente”, lembra ele. “Eu estudei na Inglaterra, frequentei aquele auditório, era parte integrante daquele público aos 21 anos de idade. Voltar nesta condição foi uma das situações mais emocionantes da minha vida.” Esse gaúcho de 52 anos, radicado em São Paulo desde1991, tinha outros bons motivos para celebrar a ocasião. Ele assumiu o cargo no início de 2010 com um desafio considerável: provar que o conjunto poderia seguir adiante (e com louvor) após a traumática saída do maestro carioca John Neschling, considerado um dos maiores regentes brasileiros de todos os tempos, em 2009. Passados mais de três anos do vendaval, como demonstrou o recente giro internacional, a orquestra não apenas sobreviveu como experimenta hoje seu melhor momento. “Tive a vantagem de pegar uma coisa que estava muito bem encaminhada”, diz Nestrovski. “Meu objetivo é melhorar ainda mais o negócio, transformando a Osesp numa das melhores orquestras do mundo. Estamos no rumo certo”.
Todos os dias, por volta das 9h30, Nestrovski chega à sua sala no 2º andar do antigo edifício da Estação da Luz, no centro de São Paulo. Ali, entre uma prateleira recheada de CDs, uma grande caixa de som e uma tela da artista plástica Célia Euvaldo (“Um presente que me dei”), ele passa cerca de dez horas por dia respondendo aos cerca de oitenta e-mails que chegam à sua caixa postal, fazendo contato com músicos no mundo inteiro, negociando cachês, montando repertórios e recebendo pessoas com as mais diversas demandas. Na prática, ele é o motor encarregado de movimentar as pesadas engrenagens da Osesp, instituição que consome um orçamento anual de 87 milhões de reais — dos quais 53 milhões saem dos cofres do governo do estado. “O planejamento de uma orquestra é algo muito complexo”, define o diretor. “É preciso lidar inclusive com as questões pessoais e a administração de egos dos nossos artistas”, observa. “Em uma formação erudita, a maior parte dos talentos individuais está a serviço do todo. Só os solistas sobressaem. Com isso, aquele sujeito que é um craque no seu instrumento e passou décadas se aperfeiçoando fica sempre em segundo plano. Só vai ser notado pelo público se cometer uma falha.” Segundo Nestrovski, essa característica gera seguidas crises de carência afetiva. “Qualquer probleminha parece um problemão”, explica, com seu tom de voz sereno. “Muitas vezes, no fim, você descobre que os músicos só querem um pouco de sua atenção.” Recentemente, ele precisou parar tudo para mexer na escala e poder dar folga a uma instrumentista que queria viajar imediatamente para ajudar a filha que tinha dado à luz gêmeos no exterior. Também demorou para conseguir se aproximar de alguns músicos convidados. “Por exemplo, com o pianista András Schiff, um fanático por futebol, a liga que encontrei foi falar da seleção húngara de 1954. Hoje estamos bem próximos: eu o chamo de Puskás, o grande craque daquele time, e ele me chama de Ronaldinho.”
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Uma das atribuições mais importantes do diretor é definir a programação da Osesp. Isso inclui decidir o repertório, as datas de concertos e o nome dos solistas convidados. No mês passado, Nestrovski mal havia anunciado a temporada de 2013 da orquestra (que prevê, novamente, uma turnê internacional por seis países europeus) e, ansioso, já estudava algumas possibilidadesde espetáculos para 2014, ano em que a orquestra comemorará sessenta anos. Após almoçar um atum com chutney de amoras e espuma de gengibre em um restaurante de Pinheiros, aproveitou o papel do jogo americano para rascunhar um repertório pensando na possível vinda de duas grandes estrelas paraa ocasião, o violinista Christian Tetzlaff e o pianista Lars Vogt, ambos alemães. “Tudo o que a gente faz é numa escala detempo muito longa”, explicava ele. “Eu estou aqui hoje, mas minha cabeça está lá na frente.”
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Neto de uma família de judeus ucranianos que emigrou para o Brasil no início do século passado, ele trabalhou durante catorze anos como professor, dando aula no curso de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC-SP. Foi editor de livros e crítico de música clássica na Folha de S.Paulo. Em paralelo, virou escritor (lançou até agora treze títulos, a maioria de ficção para crianças) e iniciou uma carreira musical, compondo canções de MPB e tocando violão. Antes da chegada de Nestrovski à Osesp, o maestro Neschling acumulou por doze anos os cargos de regente e diretor artístico. Mas seu temperamento intempestivo, aliado a um salário de 100.000 reais, frequentemente criticado, e a um relacionamento político nada amistoso com o governo de São Paulo, grande responsável pelo sustento da orquestra, culminou com uma demissão (por e-mail) dramática e explosiva como as últimas sinfonias de Tchaikovsky e momentos de incerteza quanto aos rumos da Osesp, que pareciam ter como trilha sonora um movimento lento e melancólico de Mahler — afinal, ele tivera participação expressiva no avanço técnico do conjunto a partir do fim da década de 90.
Um maestro interino e longos meses de negociação depois, Nestrovski assumia o cargo de diretor artístico, com um salário declarado de 30.000 reais por mês, dentro de uma proposta de descentralização das decisões. “O modelo de governança compartilhada é uma tendência nos melhores conjuntos do mundo”, diz Luiz Schwarcz, sócio da editora Companhia das Letras e ex-membro do conselho da Fundação Osesp, organização social sem fins lucrativos que mantém contrato com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo para a gestão da orquestra. Schwarcz, que publicou algumas das obras infantis de Nestrovski, foi um dos responsáveis por sua escolha para o cargo. “Era fundamental termos um diretor com uma visão bem brasileira”, explica ele. “Arthur tinha o melhor perfil para exercer esse papel.”
Desde sua chegada, a orquestra voltou a colecionar vitórias. Além de mais duas turnês europeias (em 2010 e 2012 — a Osesp já havia feito excursões internacionais com Neschling), nas quais voltou a tocar em algumas das salas mais importantes do mundo, o conjunto ganhou uma regente titular, a maestrina americana Marin Alsop, que fez sua estreia oficial em março passado. Por ano de contrato, ela embolsará cerca de 1,5 milhão de reais. Marin, que continua morando nos Estados Unidos e viaja para cá nas temporadas, tem uma boa relação com Nestrovski e os dois não ficam mais de um dia sem manter contato, seja por telefone, seja por e-mail ou Skype. A maestrina o compara a um “homem da Renascença”, devido ao seu interesse por diversos assuntos. “Além de ser um músico talentoso, Arthur é atencioso, um cidadão do mundo”, define. Sob a gestão de Nestrovski, a Osesp deu início também a uma parceria com o prestigioso selo Naxos, de Hong Kong (responsável recentemente pelo lançamento do primeiro CD de uma série com gravações da orquestra para as sinfonias de Villa-Lobos), passou a organizar o Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão e a participar de eventos populares como a Virada Cultural. O público respondeu de imediato. Uma pesquisa feita pelo instituto MC 15 com os espectadores da Sala São Paulo revelou que as notas de aprovação da plateia cresceram de 8,9 para 9,1 entre os assinantes (exatos 4.936 atualmente, o dobro do número de 2009, que desembolsam anuidades de 266 a 1.548 reais) e de 9,2 para 9,3 entre os não assinantes, em um máximo de 10 pontos, de 2011 para 2012. Outro diferencial é a procura dos concertos por um público mais jovem. Entre os não assinantes, 53% têm menos de 40 anos e, entre os novos assinantes, 23% têm entre 18 e 29 anos (no ano passado, eram 12%).
Além de ampliar os tentáculos da Osesp, o diretor imprimiu sua marca registrada na programação, hoje considerada uma das mais ousadas do mundo. Entre outros feitos, ele é responsável pela inserção de generosas doses de música contemporânea no repertório — incluindo encomendas feitas a compositores brasileiros, casos de André Mehmari, João Guilherme Ripper e Clarice Assad —, numa proporção maior que a habitual no universo dos grandes conjuntos eruditos. Aportaram na Sala São Paulo nos últimos dois anos grandes instrumentistas, nomes do quilate da violinista americana Hilary Hahn, jovem revelação que já venceu duas vezes o Prêmio Grammy, do maestro francês Louis Langrée, diretor artístico do festival nova-iorquino Mostly Mozart desde 2002, e do trompista Stefan Dohr, integrante da prestigiadíssima Filarmônica de Berlim. A repercussão atravessou o Atlântico. O jornalista inglês James Jolly, editor-chefe da revista Gramophone, veio a São Paulo na abertura da temporada deste ano, em março, como convidado da Osesp e ficou admirado com o que viu. “O padrão musical é impressionante”, diz ele. “Eu já tinha ouvido várias gravações, mas ao vivo é ainda melhor. Porém há espaço para melhorar.” Críticos costumam apontar o desempenho do naipe de metais como um dos pontos fracos da Osesp.
Manter uma locomotiva composta de 158 músicos nos trilhos não é tarefa fácil. Os desafios vão muito além das questões técnicas. O que acontece quando um solista fica doente no dia do concerto? Ou simplesmente desaparece minutos antes de entrar no palco? E quando nada menos do que seis musicistas grávidas dão à luz às vésperas de uma turnê importantíssima, como aconteceu em 2010? Para administrar os imprevistos do dia a dia, Nestrovski conta com a ajuda de profissionais como Xisto Alves Pinto, inspetor da Osesp desde 1997. Todo dia, como um bedel, ele monta guarda na entrada do palco da Sala São Paulo com uma lista de todos os músicos para controlar a presença, os atrasos e os deslizes de guarda-roupa. Bermudas e chinelos, por exemplo, são itens terminantemente proibidos nos ensaios. Durante os concertos, os sapatos devem brilhar e as casacas dos homens, como os longos vestidos pretos das mulheres, precisam estar impecáveis. Vez ou outra, é preciso dar um puxão de orelha nos músicos. “Tivemos problemas sérios com a chegada em massa dos estrangeiros no fim dos anos 90”, lembra Xisto. “Eles não tinham o hábito de lavar as roupas e apareciam com o colarinho imundo. Já precisei mandar gente tomar banho!” A lista de situações delicadas enfrentadas por ele inclui desde ordenar a desafetos que se deem bom-dia em público até convencer um delegado a liberar um músico que havia atropelado um motoqueiro minutos antes de solar em um concerto. “Ele chegou esbaforido, apresentou-se e voltou para prestar depoimento”, ele recorda. “É uma operação de guerra todo dia.”
Xisto trabalha em parceria com Joel Galmacci, gerente da Osesp há oito anos. Sua função, além de organizar a distribuição dos trabalhos e montar os elencos, inclui apaziguar os ânimos. “Há aqueles artistas que criam antipatias e se recusam a dividir a mesma estante no palco com um colega, os que brigam publicamente, os que desabafam problemas pessoais… Já ouvi uma musicista berrar a plenos pulmões durante vinte minutos no corredor.” Durante as viagens em turnê, a tensão é ainda maior. “Acordamos, almoçamos, jantamos e dormimos juntos. Nessas horas, meu quarto vira um consultório psicológico”, diz Galmacci, que certa vez passou a noite conversando com um músico com crise de pânico. Também já apartou brigas entre marido e mulher, até por experiência própria (ele mesmo é casado com uma das integrantes da Osesp).
Nestrovski foi pego de surpresa para assumir o cargo de maquinista dessa locomotiva. O primeiro vislumbre de possibilidade veio em 2009, quando estava em turnê em Portugal ao lado do amigo e parceiro José Miguel Wisnik e recebeu uma mensagem de Luiz Schwarcz pelo celular. “Ele me convidava para um almoço na volta e acrescentava: ‘estou planejando muita maldade’”, conta. Até que a proposta se concretizasse, passaram-se seis meses e dezenas de reuniões. No fim daquele ano, uma conversa com Fernando Henrique Cardoso, presidente da Fundação Osesp, selou a contratação. “Ficou claro que o grau de comprometimento dele era enorme. Acertamos na escolha”, diz o ex-presidente da República.
Para cumprir sua agenda, Nestrovski tem uma rotina que permite poucas brechas. Acorda entre 7 e 7h30 para praticar violão por uma hora, antes de ir para o trabalho. No fim da tarde, repete o ritual antes de voltar à Sala São Paulo para assistir a praticamente todos os concertos noturnos. Tem subido cada vez menos ao palco para tocar suas próprias músicas com parceiros como a cantora Zélia Duncan — a rotina de setenta shows por ano, até 2009, hoje se resume a dez ou doze, no máximo. No carro, ele ouve muita música clássica. Quando sobram alguns minutos, faz alongamento e caminha pelas ruas de Higienópolis, bairro onde mora. Na única noite da semana que costuma ter livre, gosta de ficar em casa lendo (o livro de cabeceira atualmente é Carcereiros, de Drauzio Varella), vendo TV ou sem fazer nada na companhia da mulher, Inês Bogéa, ex-bailarina do Grupo Corpo e diretora artística da São Paulo Companhia de Dança, com quem está casado há catorze anos.
O perfil de Nestrovski, com trânsito fácil entre os universos erudito e popular, foi fundamental na sua escolha para o cargo, mas o tornou alvo de críticas por parte de alguns dos músicos. A ousada temporada da Osesp é considerada, muitas vezes, excessivamente exaustiva por eles. “Chegamos a tocar na mesma semana três peças complexas, que exigem muito fisicamente dos intérpretes”, queixa-se um dos integrantes. “Como não tem a prática de músico erudito, nosso diretor desconhece esse tipo de dificuldade.” Em pequenas rodas nas coxias da Sala São Paulo, Nestrovski é chamado de “the guitar player” (ou “o violonista”, em português). No universo dos concertos, tocar violão é visto como algo menor entre certos profissionais que nunca ouviram o espanhol Andrés Segovia (nem o brasileiro Yamandu Costa). As línguas mordazes da Osesp lembram a semelhança entre o som do sobrenome do chefe e o de uma das marcas de cristal mais conhecidas do mundo, a Swarovski. “Ele brilha, mas não vale nada”, costumam tripudiar os integrantes do naipe mais ferino da orquestra. Nestrovski não dá ouvidos a esse tipo de comentário e segue adiante com uma ideia fixa: “Quero fazer da Osesp uma orquestra brasileira do século XXI, e não voltar à Viena de 1850”.
ARTHUR NESTROVSKI
Entre livros, partituras e o inseparável violão
■ Idade: 52 anos
■ Natural de: Porto Alegre, mas mora em São Paulo desde 1991, em Higienópolis
■ Estado civil: casado com a ex-bailarina inês Bogéa
■ Família: é pai de Sofia, 21 anos, estudante de letras, e de Lívia, 24 anos, cantora (ambas do primeiro casamento, com Silvana Scarinci, professora de música na Universidade Federal do Paraná)
■ Idiomas: inglês, espanhol e francês
■ Formação: músico pela Universidade de York, na Inglaterra, e doutor em literatura e música pela Universidade de Iowa, nos Estados Unidos
■ Salário na Osesp: 30.000 reais
■ Livros publicados: treze, dos quais nove infantis, incluindo Bichos que Existem e Bichos que Não Existem (Cosac naify, 2002), vencedor do prêmio Jabuti de livro do ano/Ficção
■ CDs lançados: seis, de MPB
■ Rotina musical: pratica duas horas de violão por dia, em casa, pela manhã e no fim da tarde
■ O que está lendo: Carcereiros, de Drauzio varella (“ele me lembra Tchecov e os grandes autores russos do século XIX”)
■ O que está ouvindo: o álbum duplo Live in Marciac, do pianista de jazz Brad Mehldau (“Fica no meu carro, ouço várias vezes”)
Gilberto Siqueira, há quarenta anos no trompete
Um dos mais antigos músicos da Osesp, o trompetista Gilberto Siqueira, de 62 anos, faz parte da orquestra desde 1973. Nesse tempo, passou por todos os altos e baixos. “Houve época em que ensaiávamos no antigo Cine Copan, no centro da cidade, sem ar condicionado. Na sequência, ensaiamos até no restaurante e na sala de espelhos de balé do Memorial da América Latina, onde não cabia nem metade dos músicos. Era deprimente”, recorda, referindo-se à época das vacas magras dos anos 80 e 90. “Chegamos a fazer concertos para seis pessoas.” Naquela altura, a reestruturação da orquestra e a construção da Sala São Paulo pareciam algo impossível. “Eu brinco que um dia, no céu, Deus parou e disse: ‘Vamos todos lá embaixo resolver o problema da Osesp’. O que aconteceu foi um milagre!”.
Marcelo Lopes, de olho nos números
Integrante da Osesp desde o início da década de 80, Marcelo Lopes assumiu em 2005 o cargo de diretor executivo. Formado em direito e economia, ele ajuda a carregar o piano das questões administrativas e logísticas. Lopes reafirma o sucesso da gestão compartilhada da orquestra (“Um instrumento tocado a várias mãos”), mas acredita que, sem a chegada da maestrina Marin Alsop, nada disso teria adiantado. “Os músicos precisam de uma forte referência de palco”, diz. Vez ou outra, ele mata a saudade do seu instrumento, o trompete, como na recente excursão europeia. “Até fiz uma preparação psicológica, foi um momento indescritível”, lembra.
Emmanuele Baldini: palmeirense, mas não sofredor
Nascido em uma família de músicos de Trieste, no norte da Itália, Emmanuele Baldini, um dos spallas (primeiro violino), junto com o brasileiro Cláudio Cruz, aportou no Brasil em 2005, a convite do maestro John Neschling. Ao chegar, ficou impressionado com a simpatia das pessoas e com a qualidade da Sala São Paulo. “Nestes oito anos de Brasil, não tive um segundo sequer de arrependimento da mudança. Hoje posso dizer sem sombra de dúvida que não troco a capital por nenhuma outra cidade do mundo”, afirma ele, que tem 40 anos, se tornou palmeirense de coração e virou um profundo conhecedor do país. “Na Europa, as oportunidades são muito raras. Aqui a música clássica vive um momento de grande entusiasmo”, afirma.
Olga Kopylova, a única pianista da turma
Natural do Uzbequistão, Olga Kopylova decidiu fazer o teste para entrar na Osesp em 2000, por indicação de um amigo brasileiro do Conservatório de Moscou. De imediato, sofreu a resistência do pai. “Você vai trocar sua vida por algo que não conhece”, protestou ele. A adaptação foi, de fato, complicada, inclusive por ela ser a única pianista de toda a orquestra. “Tive dificuldade de me entrosar”, diz Olga. Hoje com 33 anos, ela é casada com um artista gráfico brasileiro e tem dois filhos nascidos aqui. Reclama da poluição e do trânsito de São Paulo, mas guarda uma doce lembrança de sua chegada à cidade. “Era fevereiro e havia ipês floridos por toda parte. Estava lindo.”
Xisto Pinto, o bedel dos músicos
Ex-trombonista da Banda Militar, Xisto Pinto é um misto de bedel e zelador da Osesp. Ocupa há quinze anos o cargo de inspetor do conjunto. Sua principal função: cuidar da disciplina dos músicos. “Todos precisam estar no palco quinze minutos antes de os concertos começarem”, diz Xisto, que fiscaliza também os detalhes das roupas e dos sapatos de cada um. Apesar de ser linha-dura e de dar frequentes puxões de orelha, o funcionário de 52 anos é querido por todos e virou o ombro amigo nas mais diversas circunstâncias. “Já tive de mandar gente lavar a casaca, mas também consolei pais com saudade dos filhos durante as turnês”, conta.
Joel Galmacci, psicólogo nas horas vagas
Violinista clássico e gerente da Osesp há oito anos, Joel Galmacci é casado e tem duas filhas com uma violoncelista da orquestra, mas jura que os assuntos do trabalho não entram em casa. “Faço o papel de padre-psicólogo”, define Joel, de 38 anos. O que seria isso? Na prática, ele dá conselhos a respeito de problemas de relacionamento entre os colegas, ouve as mais pesadas reclamações e mantém a casa em ordem. Jamais desgruda de seu celular: quando está no banho, deixa o aparelho ligado na pia e sai correndo do chuveiro para atender ao primeiro toque. É ele quem cuida da agenda dos músicos e computa suas faltas. “Três podem levar à demissão por justa causa.”