Alexandre Herchcovitch: um rebelde com causa
Como o estilista conseguiu fazer de sua imagem de esquisitão um negócio que fatura pelo menos 6 milhões de reais por ano
Existe um microssegundo de silêncio que antecede o início de um desfile da São Paulo Fashion Week. É quando, terminada a vinheta dos patrocinadores, apagam-se as luzes da sala. Devidamente acomodados na fila A, celebridades e editores de moda esperam com diferentes níveis de ansiedade – da sonolência à excitação – pelo primeiro modelo. O instante em que todos se calam, no escuro, pode ser sucedido por uma leva de roupas pobrinhas, bobas, às vezes até copiadas de grifes estrangeiras. Ou por um desfile de Alexandre Herchcovitch, capaz de colocar na passarela coleções com temas como bóias-frias, brinquedos, bonecas russas… Quem sabe um bando de metaleiros, como na coleção masculina mostrada na edição do evento que terminou na última terça. “Inspiração pode vir de absolutamente qualquer coisa”, afirma o astro da moda nacional, que, como de costume, terminou a apresentação aplaudido efusivamente pela platéia.
Um final feliz tão doce que parece a antítese do início sombrio, macabro, esquisitão mesmo. Era essa a impressão de quem cruzava com Herchcovitch lá pelos idos de 1993, aos 22 anos, quando ele concluiu o curso de moda na Faculdade Santa Marcelina e fundou sua marca. Como interpretar alguém que colecionava caveiras e tinha como ícone de beleza a Mortícia, de A Família Addams? Cujo desfile de formatura mostrou modelos carregando bonecos que pingavam sangue (tinta vermelha, na verdade) na passarela? Até então, sua clientela eram drag queens, hostesses e outras figuras do underground paulistano. Chocada com imagens da apresentação, a papisa fashion Costanza Pascolato quis conhecê-lo. “Senti a mesma surpresa que tive ao ver os primeiros trabalhos de John Galliano”, lembra ela, referindo-se ao atual estilista da grife francesa Christian Dior.
Inteligente, Herchcovitch capitalizou a imagem dark, mas só até perceber que ela poderia assustar bons negócios. “Ele é centrado, verdadeiro e determinado”, avalia a editora de moda Lilian Pacce, do jornal O Estado de S. Paulo. “Sem isso, mesmo com sua enorme criatividade, não chegaria tão longe.” Em 1998, posou deitado num caixão, com atestado de óbito e tudo. “Naquela brincadeira-manifesto, morria o estilista maldito, muitas vezes sem grande tino comercial”, conta ele no livro Cartas a um Jovem Estilista, lançado no mês passado. Das cinzas do Herchcovitch alternativo, moldou-se o empresário que hoje, aos 35 anos (completa 36 em 21 de julho), ocupa o topo da pirâmide, digamos, fashion. Mais do que ser um queridinho da imprensa especializada, está entre os poucos estilistas que faturam alto – em geral, na indústria da moda, as contas no vermelho são proporcionais às caras e bocas com que se posa para fotos. Hoje tem duas lojas em São Paulo, além de filiais em Brasília, Porto Alegre e Recife.
Se na passarela conquista com apresentações ousadas, ganha os consumidores com adaptações criativas e bem-acabadas do que mostra nos desfiles. Os hits são as camisetas, que custam, em média, 100 reais, e as peças de alfaiataria. Como os vestidos, de caimento impecável, que chegam a 2 000 reais. Em março, abriu uma loja em Tóquio, no Japão, franquia do grupo japonês HP France. “Foi um investimento de 1 milhão de dólares”, afirma ele, que, no mais, se recusa a revelar números. Entre os 65 funcionários de seu quartel-general, um galpão de 1 300 metros quadrados nos Campos Elíseos, estão seu único irmão, Artur, 32 anos, e sua mãe, Regina. Responsável pela produção, ela diz que sobram, no máximo, 15% do que é fabricado. “E olha que produzimos 50.000 peças por ano”, afirma, orgulhosa. Num cálculo rápido, levando-se em conta o valor médio de 150 reais por unidade no atacado, chega-se a um faturamento anual superior a 6 milhões de reais. Achou pouco? Então acrescente à conta 5% a 10% do valor de venda de cada produto licenciado por ele – são 138 artigos, que Herchcovitch cria para sete empresas. Em 2003, ele bolou uma linha de cama e banho para a rede de lojas Zêlo, que vende 240.000 peças por ano a um valor médio de 120 reais. Durante a São Paulo Fashion Week, fechou uma parceria com a gigante Unilever – vai desenvolver uma linha de produtos para cabelo da Seda, prevista para junho de 2008. Também reformulou os uniformes dos atendentes do McDonald’s, do tênis ao prendedor do cabelo.
Para dar conta de tantas atividades (ah, sim, ele também é diretor artístico do curso de moda do Centro Universitário Senac e responsável pelo estilo da grife Cori), Herchcovitch pula da cama às 6h30. Uma hora depois está no escritório. Disciplinado, segue à risca a agenda e, por segurança, tem mania de anotar lembretes na mão esquerda. Aliás, fez nela uma tatuagem em forma de etiqueta – ao todo, ele tem catorze. Nunca se atrasa e, claro, odeia quando o deixam esperando. É metódico a ponto de decidir que não quer mais nada anotado a mão na fábrica. Alterações em peças de roupa, por exemplo, têm de ser digitadas e impressas. Temperamental como toda estrela, muda de humor constantemente. “Mas não sou bipolar nem nada parecido”, frisa. Detalhista, arma uma tromba enorme se alguma coisa sai dos trilhos, como aconteceu em duas situações recentes. Na primeira, uma modelo caminhou só até a metade da passarela e, por algum problema com o sapato, voltou. Ah, pra quê!!! “Perguntei se ela era louca e mandei-a embora na mesma hora”, conta. Outro drama foi um atraso de mais de uma hora no desfile da coleção de inverno 2007, em janeiro deste ano, porque o cenário não estava pronto. O azedume era tamanho que ele nem recebeu os jornalistas depois da apresentação.
Atitudes como essa acabam interpretadas como antipatia por parte dos freqüentadores da semana de moda paulistana. Não é raro que, além de inspirar adjetivos como genial, brilhante e inteligente, Herchcovitch seja associado a termos nada elogiosos como metido ou arrogante. Quem convive com ele diz que é um baita exagero. “O Alê é extremamente tímido, e as pessoas confundem isso”, diz Johnny Luxo, seu inseparável amigo, com quem também ataca de DJ. Os dois têm uma noite fixa quinzenal no Glória, casa noturna no Bixiga. É das poucas badalações a que ele comparece, além de dar umas passadinhas na boate A Lôca em alguns domingos. De tão tímido, nunca vai a lugar algum desacompanhado – circula sempre com Johnny ou com a cantora Geanine Marques, presença garantida na passarela dos desfiles dele. “Acho a Gê linda”, conta. O estilista costuma cercar-se dos amigos no trabalho. Mauricio Ianês, que conheceu na faculdade, é o stylist de sua marca desde sempre. Marcelo Ferrari, a Marcelona, drag queen ilustre da noite, elabora algumas estampas.
Além dessa turma, pouca gente freqüenta a casa onde ele vive, no Pacaembuzinho, minibairro encravado entre o Cemitério do Araçá e a Avenida Sumaré. Lá, também, nunca está desacompanhado. “Namoro, sim, mas não falo sobre isso”, diz, irritado. O anfitrião prepara os jantares com que recebe os íntimos. “Gosto de comer, por isso adoro cozinhar”, define. Na última segunda, começou uma dieta para perder 5 quilos e voltar aos 80, peso que considera ideal para seu 1,78 metro de altura. Já chegou aos 94 quilos, em parte por causa da paixão por sorvete. Que gosta de comer misturado com sucrilhos e bolachas enquanto vê novelas (adora Paraíso Tropical), programas sobre animais e o bagaceiro Superpop, apresentado por Luciana Gimenez. “Se engordo muito, começo a sentir dor na coluna”, explica. Quando sobra tempo, ele pratica tênis. “Já paguei muita aula sem ir.”
Além das caveiras, hoje acomodadas numa caixa de acrílico que virou mesinha em sua casa, colecionava bolsas femininas, sapatos e bonecas. “Parei com todas as minhas coleções”, afirma. Tem paixão por montanhas-russas. Como só tira férias entre 25 de dezembro e 2 de janeiro, programa as viagens de trabalho para conseguir visitar parques de diversão nos arredores. É fanático por papelarias. “Eu seria uma ótima secretária”, diz, num tom de piada pouco comum. Fã declarado de Boy George, guarda dez pastas de recortes sobre o cantor inglês, todos os discos e CDs. Às vezes, compra um que já tem só porque o encarte está em outro idioma.
Seu maior ídolo, no entanto, ainda é Regina Herchcovitch. Foi a mãe quem o ensinou a costurar, a primeira para quem ele criou roupas e que, cúmplice, o ajudava a pintar o cabelo na adolescência. “Com 5 anos, o Alê já queria escolher as próprias roupas”, diz. Ela e o marido, Benjamin, contam que nunca questionaram as decisões do filho. Certa vez, foram chamados à escola onde ele estudava (o Iavne, colégio judaico, nos Jardins). A direção queixou-se dos penteados diferentões. “Ele é um ótimo aluno”, respondeu Benjamin. “O cabelo é só um detalhe.” Tanto Alexandre quanto o irmão ligam para a mãe antes de dormir, para desejar uma boa noite. Em breve, devem vir os netos. Artur casou-se há pouco e o mais velho, a estrela da família, pensa seriamente em adotar uma criança. “Vou precisar passar por essa experiência.”
Herchcovitch, que já apresentou suas coleções em Londres, Paris e, atualmente, desfila na semana de moda de Nova York, sonha alto quando alinhava o futuro profissional. Além desses três pólos da moda, imagina abrir, num prazo de vinte anos, lojas em Milão, Berlim e, aqui no Brasil, em mais oito capitais. “Ainda não estou no meu auge”, avisa. Não duvidem.
O nome dele ajuda a vender
Contratado há dois anos para elaborar os novos uniformes do McDonald’s, Herchcovitch criou uma coleção com noventa peças, como os tênis da foto. “Quase 100% dos nossos atendentes têm entre 18 e 21 anos, por isso buscamos um nome com identificação com os jovens”, diz Flávia Vigio, vice-presidente de comunicação da rede na América Latina
A divisão de licenciamentos da Warner Bros. contratou o estilista para fazer uma releitura do personagem de desenhos animados Tweety, o popular Piu-Piu, em camisetas, lençóis e canecas
As coleções de lençóis, edredons e toalhas da Zêlo somam dezenas de modelos distintos e resultam em 240 000 peças vendidas por ano. Herchcovitch fica com uma participação que varia entre 5% e 10% do faturamento estimado de 28 milhões de reais
A Tok&Stok tem 26 produtos licenciados, de cortina de banheiro a caneca com a tradicional estampa de caveira. Lançada há dois anos, a coleção já vendeu 60 000 peças, com faturamento estimado em 850 000 reais, apenas no ano passado
Em quatro anos, sua linha Melissa vendeu 1 milhão de pares e virou produto de exportação da Grendene. As sandálias estão em mais de 1 000 pontos-de-venda no exterior. “Todos os nossos clientes na Europa conhecem o Herchcovitch”, afirma Paulo Pedó, gerente de marketing. “Ele é hoje o embaixador da moda do Brasil”