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“A inteligência artificial não pode substituir a vida real”, diz Zeca Baleiro

Com livro de memórias, novos discos a caminho e a estreia de um talk show, o músico fala sobre tecnologia, música, política e sua relação com São Paulo

Por Tomás Novaes
4 ago 2023, 06h00
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Zeca, 57: maranhense e levemente paulistano. (Diego Ruahn/Divulgação)
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“Cheguei em São Paulo de carro, depois de vinte dias de viagem, em uma madrugada de março de 1991”, relembra Zeca Baleiro, 57.

O cantor e compositor maranhense, morador do Sumaré, brinca que já viveu em todos os bairros da cidade. “Perdizes, Sumarezinho, Aclimação, Alto da Lapa, no interior, sempre fui muito cigano. Já são 32 anos de São Paulo e me sinto levemente paulistano”, conta.

O artista acaba de lançar um disco de inéditas, Mambo Só (2023), e prepara a gravação do seu mais novo projeto, o talk show Evoé!, nos dias 8, 9 e 10, na Casa de Francisca.

Pensado como uma conversa de botequim, essa primeira temporada terá participação de Milton Leite, Maurício Noriega, Linn da Quebrada, Zezé Motta, Benito Di Paula, Rodrigo Vellozo, Alaíde Costa e Leandro Karnal.

“Gosto muito de música, mas sempre tive vontade de fazer outras coisas. Vou começar a me dedicar aos meus projetos paralelos”, conta o músico, que tem pelo menos cinco álbuns futuros na cabeça, além de um livro de memórias. “Projetos não faltam”, resume.

+ “Foi mais difícil fazer arte nos últimos anos”, diz Luiza Lian, que lança disco

Nos seus primeiros anos de carreira, como um músico recém-chegado do Maranhão, você enfrentou muita xenofobia?

Era mais uma ignorância geográfica do paulista em relação ao Brasil. As pessoas falavam assim: ‘Você é de Alagoas, né? São Luís?’. Tinha um desconhecimento, mas que a partir dos anos 90 se modificou. Um pouco por nossa geração ter aparecido no cenário, mas também pelo surgimento do manguebeat. A cidade foi ficando muito nordestina, e as pessoas foram conhecendo mais as culturas do Nordeste. E a gente, modéstia à parte, era um pouco culto, já tinha assistido Fellini, lido os poetas beats, ouvido vanguarda paulistana, tinha uma certa cultura que dialogava com quem íamos encontrando pelo caminho. Mas às vezes as pessoas nem reconhecem meu sotaque, acham que eu sou carioca (risos).

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Seu novo disco, Mambo Só (2023), traz letras que falam muito sobre os tempos atuais — como o uso das redes sociais e os avanços da tecnologia. Para você, o dever do artista é refletir o seu tempo?

Fala-se muito sobre esse lugar do artista, o papel, a missão, eu não creio muito nessas coisas. Acho tudo uma tentativa de agregar uma importância maior do que talvez nós tenhamos. O artista é meio que um cronista do seu tempo, que enxerga coisas tão óbvias a que o resto da humanidade, preocupado com a loucura cotidiana, não se atém. O artista às vezes é esse cara, não um oráculo ou um sábio. Estar presente no seu tempo com um olhar crítico, agudo, sem abraçar tudo que vem para parecer bacana, descolado, hippie, é o lugar que me agrada. Embora você não precise ser um ranzinza, um chato, porque tem coisas que são só divertidas. Mas, por exemplo, eu não vou ver Barbie, é contemporâneo mas não me interessa, não tenho tempo — vou continuar lendo Ferlinghetti e Bukowski, por mais presunçoso que isso pareça.

O álbum abre com a vinheta Mautneriana, em que você diz: “Como diria o sábio monge do Nepal/A inteligência artificial jamais superará a burrice natural”. Como você vê esse tema?

Com pessimismo. Eu adoraria dizer o contrário. Se a humanidade tivesse sabedoria, todas essas ferramentas que temos ao nosso alcance, que são maravilhosas em certo sentido, nos levariam a um lugar mais alto, psíquico, emocional, espiritual. Mas não somos assim, todas elas são usadas mais para o mal do que para o bem. A inteligência artificial não pode substituir a vida real, ela tem que nos ajudar a impulsionar o que há de mais humano em nós. Essa é a minha visão, talvez um pouco romântica e utópica. O que vai acabar acontecendo é uma troca, vamos buscar viver ainda mais em um plano irreal, fora dessa realidade que tem suas pequenezas, suas brutalidades, mas é o único lugar onde tem gozo, poesia e beleza.

“Não vou ver Barbie, é contemporâneo mas não me interessa, não tenho tempo — vou continuar lendo Ferlinghetti e Bukowski”

Você vê a IA como um risco para os artistas e compositores?

Outro dia um amigo fez uma simulação no ChatGPT de como seria uma música do Zeca sobre tal assunto, aí veio um negócio meio engraçadinho. Pô, sou só isso então? (risos) A arte nunca vai ser substituída, mas vai gerar muita confusão. Agora, o comercial da Maria Rita com a Elis Regina, que criou uma polêmica danada… eu não me sinto apto a criticar, porque cada um sabe o que faz com esse legado. Mas me preocupa um pouco, eu morrer e usarem erradamente a minha imagem. Se não tiver uma legislação logo, acho que vai virar uma terra de ninguém perigosa.

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Em maio, viralizou um vídeo em que você, durante um show, retruca alguém que o critica sobre a Lei Rouanet. Na estrada, nos últimos anos, momentos como esse ficaram mais comuns?

Esse negócio da Lei Rouanet virou um argumento tão estúpido que hoje, depois desse episódio, se você consultar meu nome no Google, a primeira coisa que aparece é “Quanto o Zeca recebeu da Lei Rouanet?”. Recebi zero, porque sempre me considerei um artista “de mercado”, então nunca achei justo entrar em leis de incentivo. As pessoas acham que você chega debaixo do Ministério da Cultura e alguém joga cédulas de dinheiro. Não é assim, é rigorosíssimo. A lei precisa de ajustes, mas artes como dança e teatro não sobreviveriam sem ela. Isso existe no mundo desde o mecenato, Mozart deve ter composto sob encomenda da Lei Rouanet do seu tempo. Normalmente resisto bem às provocações, mas naquele dia estava cansado. Não gostei de ter viralizado, porque me vi ali em um estado que não gosto de me ver.

O que podemos esperar do talk show Evoé!, seu novo projeto?

A pandemia lançou vários sinais para a gente. Que o mundo está muito conturbado, e as pessoas estão muito perdidas e desesperadas, precisando de luz, conversa, gurus, iluminação e tal. Então acho que uma conversa inteligente, ainda que também leve, descontraída — não queremos uma missa, é conversa de botequim, mas com gente pensadora do seu tempo —, vai arejar o pensamento. É papo com música, para não entediar a plateia que vai em busca de ouvir as minhas canções e dos convidados. Não é um Café Filosófico, embora eu adore. Mas acho que, além de tudo, precisamos conversar. Mostrar a humanidade das pessoas por trás do personagem público, o que elas fazem no domingo, ou quando falta luz. Chamei um elenco bem bacana para essa primeira temporada, e espero, nas próximas, conseguir alguma parceria para a gente seguir adiante.

Publicado em VEJA São Paulo de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853

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