Aos 70 anos, Wanderléa estrela musical e prepara autobiografia
A cantora ainda produz um disco de inéditas
Por trás da Ternurinha, ela garante que sempre existiu um furacão. Aos 70 anos, a cantora Wanderléa tornou-se especialista em confirmar que o apelido recebido na jovem guarda não passou de um eufemismo diante da garota de saias curtíssimas, botas de cano alto e uma postura, digamos, rock’n’roll.
A mineira Wanderléa Salim mudou-se para o Rio de Janeiro aos 6 anos e, antes dos 10, desafiava a voz infantil e a rigidez do pai libanês entoando sucessos de Dalva de Oliveira e Linda Batista nas rádios Mayrink Veiga e Nacional. “Eu nunca fui a loirinha pura e obediente escondida atrás de uma personagem”, afirma.
“De um jeito natural, participei de uma revolução de costumes, aplicando meu discurso na prática e na defesa das minhas posições, do direito de cantar o que bem entendesse.” No papel de si mesma, Wanderléa é a estrela de 60! Década de Arromba — Doc. Musical, que, depois de contabilizar 37 000 espectadores em quatro meses no Rio de Janeiro, chegou ao Theatro Net, no Shopping Vila Olímpia, na cidade em que a cantora mora desde 1965.
O espetáculo, roteirizado por Marcos Nauer e dirigido por Frederico Reder, dispensa a biografia da artista, mas a eleva ao status de ícone de uma geração em meio a fatos comportamentais, políticos e culturais dos anos 60. “A Wanderléa é o maior símbolo do empoderamento feminino do seu tempo em alcance, popularidade e influência nas diferentes classes sociais brasileiras”, justifica Reder.
Entre 24 atores e dez músicos, Wandeca faz oito aparições e interpreta, entre outros hits de seu repertório, Prova de Fogo, Pare o Casamento, Foi Assim e É Preciso Saber Viver.
Na equipe ainda figuram o guitarrista Lalo Califórnia, com quem ela vive desde 1980, e Jadde Salim, de 29 anos, a filha caçula dos dois, que também canta e toca guitarra; a mais velha, Yasmin Flores, de 30, preferiu as artes plásticas, morou um tempo em Paris e trabalha com educação.
“Eu saí da minha zona de conforto de fazer só meus shows nos fins de semana e entrei numa rotina que, de início, estranhei, mas agora vejo que me fez bem”, afirma ela, que participa de cinco sessões semanais, sendo duas no sábado. “No dia seguinte, acordo como se tivesse enfrentado uma noitada daquelas, mas é só voltar ao palco que recupero o fôlego”, completa Wanderléa.
A artista adaptou-se muito bem, obrigada, aos novos tempos e manteve nos últimos anos uma média de cinco shows por mês. Ela também concebeu e produziu, ao lado do marido, o disco Vida de Artista, lançado em dezembro, que revisita a obra da compositora Sueli Costa. “Eu montei um repertório, ensaiamos com a nossa banda e registramos no estúdio do Lalo para depois negociar com as gravadoras”, conta.
O próximo álbum, com direção artística de Marcus Preto e musical de Pupillo, talvez fique para o ano que vem por causa da turnê do musical. Marina Lima, Guilherme Arantes, Erasmo Carlos e Jorge Mautner mandaram canções inéditas. Desafiada por amigos, ela também tirou da gaveta os diários que alimenta há trinta anos.
Nas folgas de 60! Década de Arromba — Doc. Musical, a cantora revisa os capítulos da sua biografia, que chega às livrarias até o fim de 2017 e contou com a colaboração do jornalista Renato Vieira na redação. Com uma caneta na mão, ela encontrou uma forma de desabafar seus dramas pessoais, como a morte do primeiro filho, Leonardo, então com 2 anos, afogado na piscina da casa em que eles moravam, na Granja Viana, em 1984.
“Comecei a escrever sem trégua, dia após dia, para vivenciar o luto e tentar entender por que meu filho teve uma vida tão breve”, afirma, com a voz serena. Em meio às histórias da jovem guarda, da parceria com Erasmo e Roberto Carlos e até de encontros com o cineasta Glauber Rocha, a cantora traz à tona outros episódios que testaram suas forças, como a morte de Bill, seu irmão mais próximo, em 1994.
“Várias vezes me peguei no palco feito boba, surpresa diante das reações do público, e me dou conta de que nunca tive a real noção da repercussão das coisas em minha vida”, diz. “Talvez essa tenha sido a minha salvação.”