Jornada de jornalista que teve filhas por meio de barriga de aluguel pode virar filme
Há oito anos a paulistana Teté Ribeiro fazia uma incursão à Índia; agora, a história de sua maternidade deve ir para as telonas
Desde que a jornalista paulistana Teté Ribeiro, 54, lançou Minhas Duas Meninas (Companhia das Letras), em que detalha sua incursão à Índia em busca de uma barriga de aluguel para gestar suas filhas, já se foram oito anos. As meninas, Rita e Cecília, gêmeas de 10, são hoje pré-adolescentes.
Na tarde de terça-feira em que Teté recebeu a reportagem de VEJA SÃO PAULO para contar sua experiência, a casa parecia calma demais. As crianças ainda estavam na escola. No dia seguinte, feriado de 1º de maio, ela, o marido, o jornalista Sérgio Dávila, e as filhas embarcariam para o Rio de Janeiro para assistir ao show da Madonna na Praia de Copacabana. A ideia era que as garotas, estando lá, sentindo o clima de celebração e liberdade que se espalhou pela cidade na semana que antecedeu a apresentação, começassem a compreender o que a diva pop significou para a geração de sua mãe.
“Desde que tive minhas filhas, o treino de criá-las é diário. E acredito que isso faz diferença. Espero mostrar para elas que a vida vale a pena, especialmente para quem passa por ela de olhos bem abertos”, diz.
Quando decidiu esmiuçar seu périplo de sete anos até finalmente se tornar mãe de Rita e Cecília, a jornalista imaginou que sua experiência poderia ser útil às tantas mulheres que passam anos tentando engravidar, mas demoram a enxergar a barriga de aluguel como um caminho viável para a maternidade. Aliás, foi esse seu caso.
Casada desde 2000 com Dávila, ela só passou a pensar de verdade em expandir a família aos 36 anos, idade em que as taxas de fertilidade feminina começam a despencar. “Eu não cresci ouvindo que a fertilidade se tornava um problema depois dos 35 anos. Não era óbvio. E tinha um monte de coisas que queria fazer antes de ter um filho”, conta.
O problema, como ela mesma diz, é que a biologia não está nem aí para a evolução dos costumes e, a cada ano, em meio a uma via-crúcis por consultórios de renomados especialistas em fertilidade, o resultado para os testes de gravidez era sempre o mesmo: negativo. Foram necessários sete anos de doses cavalares de hormônio, estimulações ovarianas, fertilizações in vitro, abortos em série e até alguns acessos de fúria para que Teté chegasse à conclusão de que aquele não era o caminho. “Os hormônios me tornaram uma pessoa violenta”, lembra ela no livro.
Segundo dados de empresas de consultoria internacionais, aproximadamente 20 000 crianças nascem por ano no mundo por meio de barrigas de aluguel, um mercado que deve alcançar os 27,8 bilhões de dólares até 2025. Já no Brasil, o único tipo de procedimento permitido é a doação temporária de útero, que só pode ser realizada de maneira altruísta (sem nenhuma compensação monetária) e com gestantes que sejam parentes de até segundo grau dos pais biológicos.
Na Índia, onde fica o Akanksha Hospital & Research Institute, conceituada clínica de fertilização humana dirigida pela obstetra Nayana Patel, a contratação de um útero de substituição por estrangeiros ainda era legal em 2013, quando Teté e o marido decidiram que seria dessa forma que iriam tentar, pela última vez, um filho biológico, antes de partirem para a adoção. Logo depois que as meninas nasceram, a legislação no país começou a mudar e hoje também só permite barrigas de aluguel altruístas — e exclusivamente para casais de nacionalidade indiana.
Após a publicação de Minhas Duas Meninas, a jornalista conta que foi procurada por dezenas de mulheres, a maioria com questões práticas sobre o método que a ajudou ser mãe, outras com considerações éticas, mas todas tentando a mesma coisa: uma forma de sair do purgatório da infertilidade. “Até hoje digo o mesmo. A única coisa que mudaria? Teria decidido antes pela barriga de aluguel. Não dá nem para lembrar do tormento que foram aqueles sete anos”, afirma.
As memórias de Teté também atraíram o produtor de cinema carioca Rodrigo Teixeira, à frente de filmes como A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, vencedor do prêmio principal da mostra Un Certain Regard, em Cannes, e Me Chame pelo Seu Nome, do diretor italiano Luca Guadagnino. Teixeira comprou os direitos da obra literária antes mesmo do lançamento.
“As meninas e eu não temos nenhum problema com a nossa história real. O meu medo, agora que elas são maiores, é que para dar um bom filme eles vão ter que acrescentar conflitos e reviravoltas no roteiro que nunca existiram. Me preocupo com a reação”, explica. Realidade e ficção de uma história fantástica de vida.
Publicado em VEJA São Paulo de 10 de maio de 2024, edição nº 2892.