“Testar positivo para HIV não me impediu de ter uma família”
Thais Renovatto contraiu o vírus do ex-namorado, que morreu de aids. Anos depois, apaixonou-se por Rodrigo Delbianco, com quem teve dois filhos
“Conheci meu ex-companheiro em uma festa na Rua Augusta, em 2013. Depois de um ano de namoro, ele foi parar no hospital por causa de uma pneumonia. Como era fumante, achei que fosse normal. Ele emagreceu muito e eu o visitava todos os dias. Quando o intubaram, nunca mais acordou. Nos últimos dias de vida, a mãe dele me puxou para um canto e me contou que ele tinha aids. Fiquei em choque porque na hora soube que também estaria infectada. Não sei se ele não sabia da doença ou escondeu e não aceitou fazer o tratamento. Tínhamos uma relação fechada e meu critério para parar com o uso do preservativo foi somente a confiança.
Quando fiz o teste rápido para HIV, claro, deu positivo. Tive um turbilhão de pensamentos. Achei que nunca mais poderia me relacionar e que iria morrer da mesma forma que ele. A imagem que se tinha de um paciente soropositivo era do Cazuza em estágio terminal. Voltei ao hospital para me despedir. Eu o perdoei e desejei que ele fosse em paz para a outra vida. No dia seguinte, ele faleceu.
Segui a orientação de um psicólogo, tirei um tempo para digerir a informação e depois me consultei com um médico para saber o que evoluiu no tratamento dos anos 80 para cá. Passei a tomar um comprimido — que equivale a três — por dia e depois de três meses o vírus se tornou indetectável e parou de evoluir.
Conheci meu atual marido, Rodrigo, 39, no trabalho, em 2016. além de trabalhar com marketing, sou DJ, então chamava ele e amigos para as festas. Nos aproximamos e começamos a namorar, mas minha insegurança me dizia que ele merecia uma mulher ‘saudável’. Por lei, ninguém é obrigado a contar que é soropositivo, mas sentia que, se não contasse, estaria enganando ele.
Depois de um mês de relacionamento, ensaiava um discurso para quando me sentisse pronta para contar, mas, em uma viagem a dois, o preservativo estourou. Mesmo sem riscos, entrei em desespero. Ele quis me acalmar dizendo que não ‘tinha nada’, então expliquei que era eu quem tinha. Contei toda a história com meu falecido namorado e choramos juntos. Ele disse: ‘Que tipo de homem eu seria se eu não ficasse contigo no momento que você mais precisa? Não vou embora’.
Ele foi comigo ao médico para entender melhor como funcionaria nossa relação, porque queríamos ter filhos. Planejávamos uma celebração íntima de casamento no quintal de casa, mas descobri que estava grávida do João, hoje com 3 anos, e a Olívia, 2, veio logo depois. Ao contrário do que muitos pensam, mulheres soropositivas podem ser mães, se houver acompanhamento médico. Fiz testes de HIV em intervalos mais curtos e durante o parto — cesariana, para que o recém-nascido não entrasse em contato com muito sangue — tomei AZT (antirretroviral), que também foi dado em forma de xarope aos bebês, por prevenção. Mesmo com a carga viral indetectável, a amamentação não é recomendada. Meus filhos estão saudáveis e minha família é negativa para HIV.
Admiro a coragem que Rodrigo teve para assumir nossa relação. Durante meu processo, percebi que as pessoas acham que quem se infecta está vinculado à prostituição ou é marginalizado. Escrevi o livro 5 Anos Comigo para contar minha história, enfrentar os estereótipos sobre a doença e mostrar que mulheres soropositivas podem ter uma vida normal e realizar o sonho de ser mãe.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720