Provocações visuais: a trajetória e o universo criativo de Tadeu Jungle
Um dos maiores videomakers do país revela sua obra múltipla no Centro Cultural Fiesp, na exposição 'TUDO PODE (perder-se)', que já atraiu mais de 30 000 pessoas

Ao chegar no apartamento de Tadeu Jungle, 69, no 15o andar de um edifício no Jardim Paulista, um adesivo vermelho na porta afirma: “Você está aqui”. É óbvio, deve-se pensar — mas, ao seguir o rastro desta ideia aparentemente simples de três palavras de quatro letras, pode nascer uma dúvida, um insight, um conforto, um anseio e tudo mais que as criações desse artista paulistano podem provocar. E isso se repete com todos os poemas visuais, vídeos, músicas, esculturas e instalações da exposição TUDO PODE (perder-se), em cartaz até 20 de julho, com entrada gratuita e curadoria de Daniel Rangel, no Centro Cultural Fiesp.
É a primeira mostra que se debruça sobre a obra múltipla do videomaker, diretor, roteirista, fotógrafo e poeta visual em sua plenitude — e a oportunidade perfeita para se aproximar de um artista singular. Ali, no espaço de cultura na Avenida Paulista, uma cortina colorida separa a cidade do universo de Tadeu. São quase cinquenta anos de uma produção situada na linhagem da poesia concreta e também na história da videoarte no Brasil.

Mais de 30 000 pessoas já visitaram o local com cerca de 150 obras, datadas desde o fim dos anos 70. As linguagens são diversas, mas o protagonismo é da poesia visual, exibida em diferentes suportes e texturas. “Me interessa muito o indizível, o invisível, o outro lado, a sombra, aquilo que não é mostrado, o que é proibido. Isso faz parte do meu pensamento artístico: sempre tem um outro lado”, define Tadeu.
A paisagem da janela dessa mente inquieta foi, desde o início, São Paulo. Filho de uma professora com um caixeiro-viajante, Tadeu cresceu em Pinheiros, em uma casa de vila. Na universidade, encontrou seu caminho artístico. “Na ECA-USP conheci Walter Silveira (poeta e parceiro de longa data), que sugeriu cursarmos televisão — rádio e TV tinha apenas seis alunos, em jornalismo eram 100. Decidimos ‘apostar no bandido’, com uma meta: revolucionar a televisão do terceiro milênio (risos).”

Foi na faculdade que Jungle encontrou a poesia — suas primeiras aventuras foram o poema Ora H e o adesivo Fure fila, faça figa e fuja do faro da fera, ambos de 1978. Depois, a descoberta do vídeo, ao lado dos colegas Walter Silveira, Ney Marcondes e Paulo Priolli. O quarteto formou o grupo TVDO, que estreou na televisão em 1981, trabalhando no programa Mocidade Independente, na TV Bandeirantes, após convite de Nelson Motta.
Tadeu ainda apresentaria a Fábrica do Som, na TV Cultura, programa de auditório transmitido entre 1983 e 1984 por onde passaram bandas como Ira! e Titãs. Naqueles anos 80, o artista também começou uma parceria duradoura com Zé Celso (1937-2023). “Augusto de Campos e Zé Celso são dois faróis para mim, um com o rigor e os gestos milimétricos, o outro com gestos atlânticos e muita emoção (respectivamente)”, resume o diretor, que filmou diversas peças do Teatro Oficina e lançou, em 2011, um documentário sobre o encenador, Evoé! Retrato de um Antropófago.





Os olhos, ouvidos (todos os sentidos) de Tadeu são como câmeras sempre ligadas, atentas para o que acontece ao redor, prontas para gravar uma nova inspiração. “Eu crio, vivo, sobrevivo, luto, tudo é a mesma coisa. Sinto que as ideias estão aí, e você precisa fazer essa sintonia, estar sensível o tempo todo”, pensa.
Para Daniel Rangel, curador da mostra, a multiplicidade da obra de Jungle dialoga com toda uma linhagem de artistas brasileiros. “A arte contemporânea vem rompendo fronteiras e dando espaço a esses multiartistas, como Tadeu”, diz, além de citar José Roberto Aguilar e Ivald Granato (1949-2016) como referências da arte múltipla, livre e performática em que Tadeu se enquadra. “Ele é uma obra por si só. Tem um poder de comunicação e uma capacidade de atração. São trabalhos muito pessoais, que têm uma plasticidade — assim como a presença dele, que é hipérbole”, define Daniel.

Ao longo de quatro décadas de produção, o grande hit de Tadeu é o poema Você está aqui. “Viajei pela primeira vez para a Europa em 1982, tinha que trocar de trem na estação, e, quando olhei o mapa, o símbolo que dizia onde eu estava tinha descolado. Pensei: ‘Se você não sabe onde está, fica muito difícil saber para onde ir’”, recorda. Em 1997, a ideia virou adesivo, depois exposição, cartaz, fotografia, faixa de avião… e até empena de 30 metros de altura, em 2020, no MAC-USP.
“Para mim, é como se o tempo parasse. É um poema afirmativo, que está sempre correto e traz uma certa calma”, diz — em TUDO PODE (perder-se), uma seção inteira é dedicada a essa obra. Com o sucesso da atual exposição, Tadeu já pensa na próxima. “Gostaria de, em 2026, fazer uma mostra de poesia visual, com obras em grande escala”, compartilha.
“Tenho certeza que a inteligência artificial será uma transformação mais importante que a Revolução Industrial e a internet”
Entre outras novidades, neste domingo (1o) sairá nas plataformas digitais um álbum com 29 músicas compostas pelo maestro Luiz Macedo para trabalhos audiovisuais de Jungle, e, ainda neste ano, ele também lança um livro só de poemas visuais, pela editora Laranja Original. O
acaso foi guia dos maiores movimentos da vida de Tadeu. É o caso da publicidade, que surgiu a partir de um trabalho para a Folha de S.Paulo, em parceria com a W/Brasil, de Washington Olivetto (1951-2024). “Desenvolvi uma carreira de mais de dez anos em que realmente ganhei dinheiro. O humor era um toque, e acabei me especializando em direção de atores.” A decisão de interromper esse caminho profissional foi consciente. “Hoje em dia eu jamais faria, porque a publicidade tem esse lado de incentivar o consumismo, que é uma das coisas mais idiotas que você pode fazer”, reflete.




Nos últimos anos, Jungle seguiu seu trabalho com vídeo, mas com foco nas novas tecnologias, em especial a realidade virtual. “Sou um apaixonado por RV, que é, como diz Chris Milk (artista visual americano), a maior máquina de empatia jamais inventada. Você põe um óculos e está no lugar do outro”, comenta. Com a sua própria produtora, a Junglebee, o diretor lançou trabalhos como Ocupação Mauá (2018), que retrata o cotidiano de moradores de uma ocupação em São Paulo. “Os meus filmes de realidade virtual são de impacto social positivo: eles tentam mudar o mundo.”
Entre os seus próximos projetos está um novo documentário em RV, chamado Rios Invisíveis, que será gravado em junho e irá jogar luz sobre os mais de 300 rios soterrados em São Paulo, com a ideia de abrir trechos de água corrente para criar espaços de lazer. Para o diretor, em um futuro sintético, conteúdos ancorados no “real”, como os seus filmes, vão se valorizar. “Com tantas experiências artificiais fantásticas, você imagina o valor de um documentário, ainda mais em RV. Se o audiovisual não te transforma ou emociona, é uma ilustração”, defende.

Mas, no mundo regido pela inteligência artificial, a máquina vai conseguir emocionar? “Teremos coisas incríveis com a IA. Tenho certeza que a inteligência artificial será uma transformação mais importante que a Revolução Industrial e a internet. Estamos entre o medo e o fascínio com essa tecnologia — qualquer que seja o seu caminho, não tenha dúvida de que você vai usar”, responde.
Nesse cenário, mensagens como a do poema Você está aqui, um manifesto de presença, serão cada vez mais necessárias. “Haverá uma aceleração de produção de caos, guerra, ciberataques, arte, cinema, ciência. Tudo será hiper. A gente sempre tem que voltar ao mapa para não sucumbir ao maravilhamento ou ao terror de um futuro que estará aqui em dois, cinco anos”, prevê Tadeu.

Mas como manter esse pé no chão e o olhar atento para o que está acontecendo agora, sem se perder nos anseios do futuro ou do passado? “É uma loucura o que tem de som, imagem e beleza no cotidiano mais banal. Por isso é que tudo dá caldo: está tudo aí, você só precisa, como diz Zé (Celso), levantar a antena e receber.” Talvez o exercício seja perguntar para si: onde você está? A resposta pode ser o ponto de partida. ■
Centro Cultural Fiesp. Avenida Paulista, 1313, ☎ 3322-0050. ♿ Ter. a dom., 10h/20h. Até 20/7. Grátis.
Publicado em VEJA São Paulo de 30 de maio de 2025, edição nº 2946