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Stardust, a estrela da cena musical paulistana nos anos 60 e 70

Fundada por um russo, a lendária casa de shows serviu de palco a talentos como Hermeto Paschoal, Jair Rodrigues e Lanny Gordin, o Hendrix da Tropicália

Por Redação VEJA São Paulo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 8 dez 2017, 15h55 - Publicado em 8 dez 2017, 14h57

MEMÓRIAS DA BOEMIA

Em 1957, o pianista russo Alan Gordin chegou ao Brasil com a mulher polonesa, o filho chinês e algum, mas não muito, dinheiro no bolso. Ele trazia também uma ideia fixa: apaixonado por jazz, sonhava abrir uma boate com shows de música ao vivo. Aventureiro, Gordin havia tentado estabelecer um negócio do tipo em Israel, mas o projeto não prosperou.

Alan Gordin, dono do Stardust: piano bar para a nata da sociedade (Samuel Iavelberg)

Depois de uma rápida temporada morando no Rio de Janeiro, estabeleceu-se em São Paulo, onde conheceu outro músico, o baterista Hugo Landwer, tão visionário e audacioso quanto ele. Não se sabe como, nem com quem, os dois arranjaram os recursos suficientes para fundar uma casa voltada à “nata da sociedade”, com um pequeno palco, um bar com piano e mesas para não mais do que 200 pessoas. Nascia assim, no começo dos anos 60, a Stardust, lendária boate que ajudou a germinar alguns dos principais movimentos musicais do país, como a Jovem Guarda e a Tropicália.

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Boate Stardust: casais, samba e jazz na pista (Ana Luiza de Oliveira/Veja SP)

A Stardust surgiu no então coração musical de São Paulo: a efervescente Praça Roosevelt. Ali funcionavam endereços que mais tarde se tornariam históricos, como a Baiúca, Bon Soir, Farney’s (que pertencia ao cantor Dick Farney) e o boteco Chicote. Nenhum deles fez tanta fama quanta o estabelecimento de Gordin. “O badaladíssimo Jair Rodrigues, com seu gingado de samba, embalou ali os romances de muitos casais”, escreveu o jornalista Zuza Homem de Mello no livro A Era dos Festivais.

Apesar da presença assídua no palco de grandes nomes da época, um jovem acabou tomando conta da cena. Alexander Gordin, o filho de Alan nascido em Xangai, revelou-se um prodígio da guitarra a ponto de ser chamado de “Jimi Hendrix brasileiro” por pessoas como Caetano Veloso e Gilberto Gil. Lanny, como ele era mais conhecido, passou parte da infância em Israel e chegou ao Brasil com 6 anos. Aos 16, já subia ao palco da Stardust para exibir-se em performances endiabradas. O som era “alto, vibrante, mágico, um assombro mesmo”, disse, anos depois, o maestro Rogério Duprat, um dos artífices da Tropicália.

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Lanny Gordin: herdeiro e destaque no palco (Iugo Koyama)

Hermeto Pascoal, ainda de cabelos curtos e apelidado de Coalhada, acompanhou Lanny em diversos shows e impressionou-se a ponto de convidá-lo para gravar um disco. Não demorou para Lanny virar mito e ser convidado para gravar com Elis Regina, Erasmo Carlos, Rita Lee, Tom Zé e por aí vai. Músicos aspirantes ao estrelato, como o carioca Tim Maia, vinham a São Paulo para ver aquele garoto nascido na China e dotado de talento extraordinário tocar na Stardust.

Lanny, ao lado de Arnaldo Baptista e o maestro Rogério Duprat: bastidores da música (Reprodução/Veja SP)

E então Lanny viajou de verdade. Descobriu o ácido e os efeitos revelaram-se perversos. Segundo o próprio músico, o LSD agravou os sintomas da esquizofrenia que começava a se manifestar. O guitarrista ficou fora do circuito de shows e gravações por décadas, tentando se recuperar. Enfrentou longos períodos de depressão e de internações em sanatórios, onde sofreu tratamentos à base de eletrochoque.

Sem a sua principal estrela, a Stardust murchou até desaparecer, em meados dos anos 80. O nome foi usado depois para batizar outras casas, em novos endereços, mas o mito da velha boate da Praça Roosevelt jamais seria recuperado. Alan Gordin morreu em 2009. Lanny completou 66 anos em 28 de novembro. Mora em São Paulo, voltou a tocar e ainda hoje é venerado por artistas de todas as gerações.

Boate Stardust: atividades encerradas nos anos 80 (Samuel Iavelberg)

7 de novembro de 2001
Assim começou o pesadelo esquizofrênico de Lanny, torturado por longos períodos de depressão e internações em sanatórios, onde sofreu tratamentos à base de eletrochoque. Chegou a dormir nas ruas. E, segundo uma antiga lenda, teria mesmo ateado fogo à própria mão, no auge do delírio.

Lanny: ao 66 anos, retomada na carreira musical (Enrico Porro)

Riffs no banheiro
O som de Lanny Gordin era cheio de fúria e energia e algumas vezes os clientes mais sensíveis reclamavam com o dono da casa, que por acaso era o pai do guitarrista. Para não desagradar os frequentadores, Alan Gordin pedia para o filho dar uma aliviada. Contrariado, o jovem refugiava-se no banheiro da boate e ali mesmo ensaiava novos riffs.

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Lanny ao lado de Rita Lee: convidado concorrido (Reprodução)

Botão de emergência
Como menores de idade não podiam frequentar casas que serviam bebidas alcoólicas, a Stardust elaborou uma estratégia engenhosa para driblar os fiscais e permitir que Lanny Gordin, de apenas 16 anos, não fosse flagrado dentro da boate. Assim que o inspetor chegava na portaria, o segurança apertava um botão que acendia uma luz vermelha no palco. O garoto, então, tinha tempo para se esconder.

Lanny com a guitarra e Hermeto Pascoal, de costas à direita: primeiro emprego para Pacoal (Reprodução/Veja SP)

O primeiro emprego de Hermeto Pascoal
Em meados dos anos 60, ninguém conhecia o multi-instrumentista Hermeto Pascoal, mas o pianista Alan Gordin, dono do Stardust, percebeu de cara seu enorme talento. “O Hermeto veio lá de Lagoa da Canoa, em Alagoas, e a Stardust foi a primeira casa a dar emprego para ele”, disse Lanny, anos depois, em uma entrevista.

Kennedy na plateia
Em 1965, Bob Kennedy, senador democrata por Nova York, veio ao Brasil e visitou a Stardust. Ele viu o show de Lanny Gordin e disse que ele era o Pelé da música.

Fora de cena
No período de ocaso, o guitarrista teria morado nas ruas de São Paulo. Segundo outra lenda a seu respeito, chegou a atear fogo à própria mão no auge de um surto psicótico.

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