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SP ganha novos murais em empenas de edifícios no Centro e na periferia

Obras fazem parte do museu a céu aberto da capital, financiado pela Secretaria Municipal de Cultura

Por Mattheus Goto
Atualizado em 23 jan 2023, 20h36 - Publicado em 20 jan 2023, 06h00

Um grafite não é só tinta na parede, é um diálogo com a sociedade. Essa é a definição da produtora cultural Vera Nunes, fundadora da Gentilização, para a nova série de obras do museu a céu aberto de São Paulo, inaugurada no início deste ano. Trata-se de oito artes produzidas ao longo do último mês sobre empenas de edifícios espalhados por toda a capital paulista.

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O projeto foi financiado pelo Edital MAR (Museu de Arte de Rua) de 2022, da Secretaria Municipal de Cultura, que ao todo destinou 2,1 milhões de reais para 77 obras no ano passado. Um dos critérios para a seleção era o tema, que deveria abordar assuntos do universo da infância e juventude, maturidade, comunidade LGBTQIAP+, mulheres, negritude, povos originários ou trabalhadores.

Foto mustra mural laranja com duas mulheres negras na lateral de prédio
Mural da artista argentina Leila Monségur, no CEU Butantã (Valmir Rodrigues/Divulgação)

Os oito autores dos novos desenhos coloridos, elaborados em parceria com a Gentilização, têm diversas origens, de Manaus à Argentina — mas todas elas convergem para São Paulo.

Um deles é o baiano Ógbá, nascido em Ipiaú, que se mudou para a capital paulista em meados dos anos 1980. “Na minha história em São Paulo, não tem como desvincular a arte”, conta. O artista plástico e professor de educação física começou a grafitar as ruas do Grajaú no fim da década de 90. O que começou de maneira casual, com um retrato de “brincadeiras populares do cotidiano periférico”, tornou-se sua maior forma de expressão, a ponto de evoluir os temas abordados para a esfera social. “Senti uma cobrança ancestral”, relata.

Seu mural, chamado A Trabalhadora, localizado no CEU Parque Novo Mundo, Zona Leste, mostra uma catadora de lixo levando dezenas de casas em seu carrinho. “É uma profissão marginalizada, que ajuda a sociedade e deveria ser exaltada, mas muitas pessoas nem sabem que existe”, afirma.

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Foto mostra grafite na empena de prédio com senhora vestida de branco, levando carrinho com pequenas casas
“A Trabalhadora”, de Ógbá, no CEU Parque Novo Mundo (Valmir Rodrigues/Divulgação)

Ele conta que, durante o processo de produção da obra, muitos catadores que moram na região passavam na frente parabenizando o artista pelo trabalho e comemorando o retrato da classe — esse é o diálogo proposto pela Gentilização, produtora especializada em artes de grandes proporções.

“As pessoas ficam emocionadíssimas de se verem presentes na cidade”, comenta Vera. “Ver a si mesmo em uma obra é um diálogo, e gostamos muito que ele aconteça nesse contexto.” Para a produtora cultural, as empenas são uma ferramenta de impacto. “É muito próspera a discussão realizada pelo MAR, ainda mais por se tratar de um lugar acessado por meio de políticas públicas e de temas sobre os quais São Paulo precisa refletir.”

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Os outros sete artistas são Carolina Itzá, Leila Monsegur, Flip, Mimura, Pegge, Nazura e Auá Mendes. Os temas seguem o recorte de inclusão, ancestralidade e acolhimento. “Reunimos artistas pretos, mulheres e LGBTQIA+ com esse propósito de ir além das artes nas empenas de prédios em volta do Minhocão e descentralizar o roteiro óbvio no centro da cidade. Não fazemos trabalho que não tenha pensamento crítico”, explica. “A ideia é ser o contraponto da gentrificação.”

Foto mostra grafite em uma empena com uma criatura rosa com tentáculos azuis e uma criatura semelhante menor, colorida
Mural do paulistano Felipe Yung (conhecido como Flip), elaborado com seu filho autista, localizado no CEU São Pedro — José Bonifácio (Chu Juke/Divulgação)

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Para atingir esse objetivo, não basta o incentivo do edital, é necessária a adesão da população. As empenas dos edifícios só são disponibilizadas após uma assembleia dos moradores e a autorização do síndico. Esse processo de convencimento, que fica a cargo do inscrito, envolve não só uma argumentação sobre a importância da arte de rua, mas também dos assuntos abordados. “Nas reuniões, muitas pessoas sugeriram outros artistas para realizar as obras. Isso demandou um trabalho de letramento racial, para explicar sobre o nosso contexto e o edital”, conta Vera.

Com autoria e retratos de minorias sociais, a mensagem que a produtora quer passar para a cidade é o conceito de “esperançar” do educador e filósofo brasileiro Paulo Freire (1921-1997): se levantar, ir atrás, construir e não desistir.

Foto mostra mulher negra segurando copo e sorrindo, sentada em um sofá com almofadas
Vera Nunes, fundadora da Gentilização (Arquivo pessoal/Divulgação)
Foto mostra homem negro usando óculos escuro, chapéu e camisa colorida, fazendo sinal de luta com a mão
Artista Ógbá (Arquivo pessoal/Divulgação)

Arte ativista
Em seu trabalho, a produtora Vera Nunes vê uma evolução na valorização da arte urbana, levando como exemplo a existência do próprio edital. “Outras cidades do Brasil ainda não estão nesse patamar”, avalia. “O grafite foi estigmatizado por muito tempo. Agora, São Paulo é a grande vitrine da arte urbana.” Um dos nomes pioneiros da cena no Grajaú, Ógbá tira inspiração de suas origens para criar. Seu sonho é levar sua arte para outros países

Publicado em VEJA São Paulo de 25 de janeiro de 2023, edição nº 2825

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