Passeio noturno no Cantareira é mergulho sensorial na Mata Atlântica
Conheça detalhes da caminhada íngreme até ao mirante da Pedra Grande feita só com lanternas; topo oferece vista privilegiada de parte da metrópole à noite
Um dos passeios que mais têm feito sucesso entre os frequentadores da Floresta Cantareira, nome pelo qual passou a ser chamado o Parque Estadual da Canteira após a concessão para a Urbia Parques, é a caminhada noturna rumo ao Mirante da Pedra Grande, que oferece uma das mais belas vistas panorâmicas da cidade de São Paulo a partir da Zona Norte. Se ver a cidade a 1 010 metros acima do nível do mar já é um espetáculo durante o dia, à noite é uma experiência única.
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A atração já teve um total de cinco edições. A próxima está prevista para o dia 24 de junho e os ingressos, que custam de 60 a 120 reais já estão disponíveis no site florestacantareira.urbiapass.com.br
O passeio é feito pela estrada da Pedra Grande, um trecho asfaltado que dá acesso a uma das principais e mais requisitadas atrações do parque, o mirante. Como o acesso não possui luz elétrica, os visitantes é que ficam encarregados de levarem as suas próprias lanternas para não se virem obrigados a andar no escuro.
No total são 7 km de trajeto, que podem se transformar em oito se o visitante optar por ir ao passeio de transporte público ou carro de aplicativo, que param no portão principal. De lá até o Centro de Visitantes do Horto Florestal, ao lado da estação Vida, o ponto de encontro do grupo, são cerca de 500 metros. Já é bom conferir na entrada se a lanterna está realmente funcionando, uma vez que vários trechos até o ponto de encontro estão no breu completo já perto das 19h, horário previsto da saída. Se a opção for ir de carro, é possível estacionar ao lado do ponto de encontro, que conta com uma lojinha onde os visitantes podem comprar snacks, salgados ou bebidas. No dia 20 de maio, quando ocorreu o quinto encontro em que contou com a presença da Vejinha, o campeão de vendas ali era o café.
Os termômetros marcavam 12 graus, temperatura que parecia bem menor com o ventinho gelado proporcionado pela grande quantidade de vegetação do entorno. Alguns mais precavidos estavam munidos de gorros, tocas, luvas e até bastão de caminhada. A “balada noturna” rumo ao cume do Cantareira tem um dress code obrigatório que inclui calçados fechados, preferencialmente botas específicas ou tênis, calça, agasalho, garrafa de água e lanterna de mão. Levar uma capa de chuva não é uma má ideia, nem pilhas reserva (vai que). Alguns preferiram não levar água, e as lanternas eram as mais variada possíveis, incluindo aqueles que usavam as headlamps (espécie de viseira com luz na testa), lanternas de mão, do celular ou mesmo aquelas potentes de bicicleta (caso do repórter que não é lá muito chegado a andar no escuro).
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Antes da saída, o gerente de operações da Urbia, Gustavo Ferraz, reúne o grupo e passa as instruções. Ele recomenda que as pessoas não fiquem distantes uma das outras e que todos sigam as orientações do simpático casal de biólogos instrutores que vai à frente. Um carro de apoio com uma maca de remoção para alguma emergência –já dizia o ditado que prevenir é melhor do que remediar– é o último da fila.
Após a reunião, a saída. Alguns se mostram bem animados e já colam na frente, outros ficam no meio e há quem fique no seu ritmo, lá no fundo. É o caso do casal de taiwaneses Liao Kao Tan Kuei, de 73, e seu marido, Liao Sheng Hsiung, de 80 anos. Devidamente paramentados com gorros, luvas e bastões de caminhada, eles estão juntos há mais de meio século (53 anos) e praticam caminhadas há 20 anos. “Faz bem para a saúde”, diz Hsiung.
Não há uma obrigatoriedade de tempo a cumprir, embora a visita esteja programada para durar três horas. Antes de entrar no trajeto, os biólogos param em um exemplar de pau-brasil, um dos raros por lá. Ao entrar no meio das árvores e iniciar a subida, as copas das árvores bloqueiam a passagem do vento gelado e a sensação de frio diminui com o início da caminhada. Alguns animam e até tiram alguns casacos. Dá até para ficar suado mesmo com o frio. Apesar de ser um passeio possível de ser feito para todos os públicos, a subida até o mirante da Pedra Grande não é um trajeto fácil. Pelo contrário. O ganho de elevação é de mais de 300 metros, equivalente a um prédio de 70 andares. Só para se ter uma ideia, o Platina 220, prédio localizado na Zona Leste de São Paulo e o mais alto da capital, conta com 172 metros (46 andares). Cheio de subidas e subidas, alguns trechos são mais fáceis, já que contam com espécie de platô, e outros são mais íngremes e exigem mais dos pulmões e sobretudo das pernas. Apesar do caminho ser todo feito em trecho asfaltado, em vários momentos a sensação é de ser estar literalmente dentro da floresta, uma vez que muitas copas das árvores “abraçam” o visitante não sendo possível sequer ver o céu e as estrelas. Também é possível ouvir bichos na mata, e o movimento de alguns deles. As paradas são feitas apenas para os biólogos mostrarem exemplares raros de árvores, explicar aspectos do bioma e reagrupar o grupo, que fica mais disperso a medida em que o topo fica mais próximo. Uma das últimas paradas convida os visitantes a desligarem as suas lanternas e ficarem completamente em silêncio, numa experiência imersiva única.
Conforme revelou reportagem da Vejinha em abril último, o Cantareira conta com uma nova trilha, feita em meio às árvores e em caminho de terra. Quase no final do passeio os guias permitem que o grupo acesse um pequeno trecho de cerca de cem metros dessa nova trilha. Antes disso, porém, eles vestem espécies de caneleiras de proteção para evitar eventuais ataques de cobras que podem estar à espreita ou picadas de animais peçonhentos. Impossível não lembrar de filmes de terror e pessoas em situação de perigo ao entrar no trajeto, embora tudo seja feito para evitar qualquer tipo de risco e todos são sãos e salvos de lá.
Ao sair da trilha, volta-se a estrada de asfalto e logo o grupo atinge a Pedra Grande. Se todo o trajeto até agora foi praticamente às escuras, iluminados apenas pelas lanternas, as luzes da cidade ao fundo clareiam um pouco na medida de garantir uma vista cinematográfica. Ali cada um aproveita do seu jeito durante uma hora, que é o período permitido para ficar por lá. Alguns sentam e descansam na pedra e admiram a paisagem, outros abrem as mochilas para procurar um lanche (sim, dá fome a subida) e beber água, e quase todos começam a quebrar a cabeça para saber como vão tirar uma bela imagem para guardar de recordação.
“Eu já conhecia o parque há alguns anos, mas só vim durante o dia. Foi uma surpresa vir à noite. É incrível, principalmente quando se desliga o celular e ouve-se o barulho da mata”, afirma a psicanalista Tania Aparecida Pachione, 62. Para o designer e artista plástico Victor Marcelo Franco Regis dos Passos, 31, a visita serviu de inspiração e pode vir a ser retratada em uma futura tela. “Eu preciso de inspiração e uma vivência diferente acaba me abrindo mais os olhos. Os problemas se tornam minúsculos quando se vê tudo de cima. É uma forma de fugir da correria da cidade”, afirma.
Ao lado do Mirante da Pedra Grande funciona um charmoso café num espaço que antes era subutilizado. A energia que alimenta os freezeres, luzes do banheiro, micro-ondas e máquina de café é gerada a partir de placas fotovoltaicas instaladas ali, já que não existem postes de energia elétrica no meio da floresta. As mesas do espaço são iluminadas com pequenas velas, criando um clima romântico e, claro, instagramável.
Após uma saraivada de fotos (postar nem sempre é possível, já que o sinal de internet ali em cima é instável), o grupo retorna. Na descida não são feitas paradas. Ao final, muitos relatam que querem repetir a experiência.