“Reinventar a vida é o que estou fazendo”, conta Walcyr Carrasco
No Diário da Quarentena, o escritor, novelista e colunista da VEJA aproveita o tempo de isolamento para ver e produzir lives
“Quando começou o isolamento social, falei para mim mesmo: ‘A única coisa que vai me fazer não pirar é ter uma disciplina diária’. Para a maioria das pessoas pode parecer impossível só porque acordo tarde. A vida toda foi assim. Desde que trabalho em televisão, ficou mais fácil. Trabalho em casa e sou eu que faço meu horário. Costumo levantar entre 13 e 14 horas. Poderia ficar de pijama, mas sigo o ritual de me trocar — sempre uso roupas confortáveis, como moletom. Aí, tomo o café da manhã e olho o celular. Pelo menos dou um ‘oi’ a quem me manda mensagem. É a forma de dizer às pessoas que estou preocupado com elas, e vice-versa. Também deixo programada uma frase para postar no Instagram. Subo ainda posts variados, à tarde, e quase sempre um pensamento, à noite. Religiosamente, às 15h30, vou malhar. Começo com alongamento e faço de quarenta a 45 minutos de esteira. Sempre há demanda para não treinar. Mas reservo esse horário para mim e não dou atenção a ninguém — não atendo telefone, não olho o celular. Aproveito e assisto a Êta Mundo Bom, que está sendo reprisada (a novela de sucesso escrita por ele foi ao ar em 2016 e voltou novamente como recorde de audiência para o horário, com 22 pontos em média). Acabo a esteira, tomo o segundo banho do dia e fico pronto para almoçar por volta das 18 horas.
Depois que começou a quarentena, comprei vários equipamentos culinários: máquinas de fazer pão, massa, iogurte… Tive também várias tragédias culinárias. Fazia pão e não crescia. A lista de ingredientes pedia fermento biológico, e eu usava fermento químico. Todas as receitas indicam menos fermento do que precisam, ponho sempre um pouco a mais e dá certo. Também tenho um galinheiro. Comecei dez dias antes da quarentena. Aí fui conhecendo as galinhas, dei nomes a elas, como Tangerina e Cinderela, e não tive coragem de colocá-las na panela. Estão gordíssimas. São conhecidas, minhas amigas. Vou lá e pego os ovos. Cuido ainda da horta de temperos, onde há ervas frescas como manjericão e alecrim. De vez em quando faço um risoto. Sou bom nisso. Em alguns dias, vou pintar. É mais para me divertir. Noutros, fico lendo a série de livros que Joseph Campbell escreveu sobre os mitos.
Estou viciado em lives, mas só vejo um pouco de cada uma, quando dá e sem horário fixo. Gosto tanto que comecei minhas próprias lives, sempre às quintas, às 19 horas. A primeira delas, três semanas atrás, foi com a Flávia Alessandra (atriz e protagonista de várias obras televisivas do novelista). Acho bom para voltar a exercitar meu lado jornalista. Mas são tantos os convites para participar de lives que, se aceitasse, não faria outra coisa. A preguiça não faz parte do meu vocabulário. Sempre trabalhei muito. Sento para escrever umas 8 da noite. Só saio do computador para tomar um café e, por volta das 10, como alguma coisa, mas não janto pesado, sempre uma salada e uma carne. Vou escrevendo até umas 2 da manhã. Estou preparando Verdades Secretas 2(a primeira versão foi premiada com o Emmy em 2016), Visita às galinhas e horas dedicadas à pintura: parte da rotina para relaxar uma continuação com os mesmos personagens, mas um projeto um pouco diferente. A partir desse horário, o que estou fazendo, e adorando, é ler e reler toda a obra de Dostoiévski. Estou no finzinho de Crime e Castigo. Estou lendo um livro atrás do outro. Sinto o mesmo prazer de quem lê um best-seller. Por volta das 3 da manhã, fumo um charuto para relaxar e vou dormir. Reinventar a vida é o que estou fazendo. Voltei a estudar, ler livros que ia ler algum dia, e a me dedicar a novos projetos, que estão sendo escritos. Às segundas, tenho aula de inglês pela internet para melhorar meu sotaque. Comecei o francês depois de fazer testes na Aliança Francesa. Vivo em um condomínio superarborizado com um lago do lado de São Paulo. Não sou encanado com segurança, mas aqui sinto uma sensação de liberdade e consigo até dar caminhadas. Até agora, não precisei do auxílio de ninguém. Mas acho muito bonito as pessoas me escrevendo se oferecendo para ajudar. E é bom saber que posso contar com elas. As relações são importantes.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 27 de maio de 2020, edição nº 2688.