Pina Contemporânea exibe panorama da arte pop brasileira, com 250 obras
Maior exposição da Pinacoteca em 2025 traz mais de 100 artistas e mostra como movimento foi além da pop art de Andy Warhol, também em cartaz na capital

“É somente requentar e usar, porque é made in Brazil.” A música Parque Industrial (1968), de Tom Zé, embala o corredor de abertura de Pop Brasil: Vanguarda e Nova Figuração, 1960-70, que abre neste sábado (31), na Grande Galeria da Pina Contemporânea. A canção, nas palavras da curadora Pollyana Quintella, sintetiza os dilemas enfrentados pelo Brasil nas décadas de 60 e 70: “Como conciliar o que seria o moderno e o arcaico, o analógico e o tecnológico?”. É com essas questões que os mais de 100 artistas da nova figuração — a arte pop brasileira — em cartaz lidam nas 250 obras expostas.

A maior exposição da Pinacoteca em 2025, quando completa 120 anos, faz um panorama considerável da produção do período, trazendo, em diálogo com os artistas pop, os populares como Waldomiro de Deus e Maria Auxiliadora. “Ajuda a entender que a cultura pop não é uma cultura nichada”, diz Yuri Quevedo, que divide a curadoria com Pollyana. Ela explica: “Essas linguagens trazem a imagem de volta para o campo das artes brasileiras, no qual predominava, nos anos 50, a abstração. São fruto da formação de uma cultura de massa, com a televisão, a indústria fonográfica, a publicidade e o processo de industrialização se ampliando. Os artistas estão buscando responder a isso, se apropriando de símbolos e intervindo neles. Num tempo como o nosso, mediado excessivamente pelas imagens, o que esses artistas estão discutindo criticamente torna-se ainda muito atual”.


Influenciados pela pop art americana de Andy Warhol, os artistas nacionais não se limitam a ela, explorando de maneira mais contundente temas sociais e políticos ligados ao Brasil, como a ditadura militar e a revolução sexual da década de 60. “Eles ironizam o próprio Warhol muitas vezes. Um brasileiro pintando a Marilyn Monroe (Maurício Nogueira Lima) é diferente de um norte-americano”, ressalta Yuri. “É um período que, por um lado, tem esse cerceamento de liberdade e, por outro, uma necessidade de explodir e ganhar a rua”, completa Pollyana. Ao som de Tom Zé, a exposição inicia com cerca de quinze bandeiras originais que estiveram no chamado Happening das Bandeiras, evento em que artistas como Flávio Motta, Carmela Gross e Pietrina Checcacci expuseram, em 1968, tecidos serigrafados com mensagens na Praça General Osório, no Rio de Janeiro, com a intenção de ocupar o espaço público e promover um acesso democrático às artes visuais.

Para além de Marilyn, os ícones pop brasileiros retratados na exposição são os astros da MPB, como Roberto Carlos — no altar Adoração (1966), de Nelson Leirner, que relaciona a figura do rei a santos católicos —, Caetano Veloso — em Lua de São Jorge (1976), de Flávio Império — e Chico Buarque, fotografado por Claudia Andujar em 1968. Ícones da TV, como Sonia Braga, em fotos de 1979 de Antonio Guerreiro, também têm vez, além dos icônicos astronautas de Claudio Tozzi, bem como outras obras do artista, como Guevara (1967) e Bob Dylan (1969).

A ditadura é contestada em desenhos de presos políticos da coleção Alípio Freire, pertencentes ao Memorial da Resistência, em fotos de Evandro Teixeira da emblemática Passeata dos Cem Mil, manifestação em 1968 contra a repressão, e em obras que ressignificam a criminalidade como estratégia subversiva. Há ainda trabalhos icônicos como Sobre a Arte-Burocracia (1978), de Anna Bella Geiger, Marlboro (1976), de Geraldo de Barros, Elevador Social e Elevador de Serviço, de Rubens Gerchman, pela primeira vez expostos lado a lado, a série Envolvimento (1968), de Wanda Pimentel, e a instalação Trapézio (1966), de Wesley Duke Lee, montada na 33ª Bienal de Veneza. Compõem a seleção ainda réplicas dos Parangolés, de Hélio Oiticica, as obras feitas para vestir expostas originalmente há sessenta anos, na emblemática Opinião 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que o público poderá “provar” na mostra. Destaque também para O Presente (1967), de Cybèle Varela, apreendida pelas autoridades durante a Bienal de São Paulo daquele ano e refeita pela artista em 2018.
Pina Contemporânea. Avenida Tiradentes, 273, Luz, ☎ 3335-4990. → Qua. a seg., 10h/18h. R$ 30,00 (sáb., grátis). Até 5/10.
Publicado em VEJA São Paulo de 30 de maio de 2025, edição nº 2946.