Pedro Andrade estreia série na HBO e fala sobre paternidade: “A gente precisa normalizar escolhas diferentes”
O jornalista e apresentador, pai da pequena Isabel, de 2 anos, aborda estruturas familiares diversas em nova série

Acostumado a viver em aviões — já viajou por quase noventa países apresentando programas como Pedro pelo Mundo, do GNT, e Entre Mundos, da CNN —, o jornalista carioca Pedro Andrade, 46, adquiriu um receio recente por turbulências. A mudança tem um motivo: a paternidade. Pelo processo de barriga de aluguel, ele e o marido, o americano Benjamin Thigpen, tiveram a filha Isabel, hoje com 2 anos. “O amor que eu sinto por ela é um divisor de águas, me transformou de formas que eu nunca imaginei.” Vivendo em Nova York, Pedro estreia em 21 de outubro Um Tanto Familiar, série da HBO em oito episódios, em que compartilha histórias de famílias diversas ao redor do mundo, do sul dos Estados Unidos a países como Coreia do Sul e Tibete, sempre passando pela sua jornada pessoal como pai depois dos 40. Confira a seguir a entrevista concedida à Vejinha por video-chamada de sua casa, no bairro nova- iorquino de West Village.
Como nasceu a ideia da série?
Um projeto é o programa, o outro, a paternidade, que sempre existiu nos meus planos. Mas para um casal gay tudo tem que ser muito programado. O processo demanda espera, paciência, dinheiro. E a série vem de uma vontade antiga de suprir a minha curiosidade.
Quais temas pretende abordar?
A gente precisa normalizar escolhas. São muitas opções de como criar uma família. Quando a gente fala com naturalidade e transparência, normaliza o que pode inicial mente parecer estranho. Pais mais velhos, mulheres solteiras, famílias temporárias, adoção, barriga de aluguel. Meu processo emocional é muito parecido com o de qual quer pessoa que queira ter uma família.
Que histórias contam os episódios?
Cada um vai me levar para uma realidade diferente, mas todos os gatilhos começam na minha história. Na dedicação ao nasci mento da minha filha, Isabel, antes, durante e depois do parto. Então, a gente começa sempre o episódio comigo. Eu tinha uma série de inseguranças com relação a ser pai mais velho e conto como isso impactou minha escolha. Vou para Nashville conversar com mulheres que tiveram filhos depois dos 50, um homem que foi pai aos 65… São três pilares: a minha vida pessoal, as famílias que compartilharam suas experiências comigo e o que eu chamo de sessão de terapia. Olho para a câmera e descrevo o que estou sentindo, escancaro meus medos. Acho que é uma faceta minha que talvez o público ainda não conheça.
Que lições você tirou do programa?
Ouso dizer que sou um pai diferente do que achei que seria por causa da série. O episódio da Itália, por exemplo, é muito forte porque o país passou por uma grande transformação. A primeira-ministra Giorgia Meloni e o Vaticano transformaram barrigas de aluguel e casais gays em grandes vilões da sociedade. Vou até lá entender como seria a nossa realidade se morássemos num país tão conservador. Exemplo: o Ben e eu poderíamos ter que pagar 2 milhões de euros de multa ou passar cinco anos na cadeia por usar uma barriga de aluguel. Foi muito chocante. Hoje, 97% dos países não permitem barriga de aluguel.
Qual episódio mais te emocionou?
Sobre pais mais velhos. Meus pais me tiveram aos 20, 21 anos. E hoje são muito amigos meus, ouvem as mesmas músicas e curtem os mesmos livros. Talvez isso não aconteça comigo e com a Isabel. É muito louco pensar que, quando nasci, meu avô tinha 46, a minha idade hoje. Talvez eu não ande com ela até o altar quando ela se casar, talvez eu não seja avô, mas será que isso tira a beleza da experiência da minha paternidade?
“Meu propósito deixou de ser a minha vida. Não sou mais a minha prioridade”
Como foi o processo da barriga de aluguel para a sua família?
Venho de uma família com a cabeça muito aberta. Mas o processo traz uma série de opiniões equivocadas. Muita gente não sabe que a barriga de aluguel não é a mãe biológica. São duas mulheres envolvidas: uma é a doadora de óvulos, que não tem contato nem sabe quem recebe, e a outra é a barriga de aluguel. Menos de 3% das mulheres que querem ser barriga de aluguel são aceitas porque precisam ser financeiramente independentes, passar por cinco exames psicológicos, já ter tido duas gestações bem-sucedidas e, preferencialmente, ter uma família estruturada.
O que faz no tempo livre?
O tempo livre que tenho, passo com a Isabel. Virei o prefeito dos parquinhos. Conheço todas as babás do West Village pelo nome. Genuinamente gosto de passar tempo com ela. É um bebê absolutamente adorável. Dorme onze horas por noite, come de tudo, é curiosa. Mas é um bebê. E agora está andando, mas ainda meio bamba: você pisca e ela cai de cara no chão. É uma delícia, mas cansativo.
Como você e o Benjamin se conheceram?
Estamos juntos há dezessete anos. A gente tinha amigos em comum e não é uma história nem muito romântica, nem inusitada. Vou parecer muito velho (risos), mas isso é pré-aplicativo de relacionamento. Eu tinha passado por um término muito complicado e ficamos amigos. Estava meio traumatizado de outros namoros, tudo sempre muito dramático e pesado. Acho que nunca soube o valor da leveza e do humor até encontrar o Ben.
Com Trump no poder, vocês sentiram alguma mudança no clima, algum desafio como casal gay?
Não, porque a gente mora em Nova York, onde somos só mais um casal gay com uma filha. Mas, claro, a gente vê esse retrocesso gigantesco. Na Flórida você entra nos supermercados e as pessoas estão armadas. Existe um receio da perda de direitos conquistados a muito custo por pessoas que vieram antes da gente. Muitas ideias reacionárias vergonhosas já não vivem mais dentro do armário.
Quais outros projetos ou formatos ainda estão na sua mira?
A internet e as redes sociais trouxeram uma liberdade de escolha do público. Tem um lado decadente, mas me traz muito entusiasmo, porque vejo um mundo no qual a transparência e a verdade são fundamentais. Gosto da ideia de ter mais controle da minha narrativa, do meu olhar, da minha linguagem. De que eu posso falar com o meu público diretamente. Então, tenho alguns projetos que não posso falar ainda, mas essa é a minha meta.
E que lugar do mundo ainda gostaria de conhecer?
Adoraria ir à Mongólia, estou louco para ir a San Sebastián e acabei de voltar da Namíbia, que não conhecia. Tem os lugares que mudaram a minha vida, mas aos quais não preciso voltar, tipo Mianmar, Irã, Botsuana. A outros quero voltar sempre, como Tóquio, Londres, Cidade do México. Tenho uma paixão singular por São Paulo, onde me sinto em casa.
Publicado em VEJA São Paulo de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965