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“Estou tanto na universidade como em Parelheiros”, diz Djamila Ribeiro

A autora vai inaugurar um espaço em Moema para dar cursos inspirados na série "Feminismos Plurais", que vendeu mais de 200 000 livros

Por Pedro Carvalho
14 abr 2022, 06h00

A cruzada antirracista de Djamila Ribeiro, 41, vai ganhar uma casa. No dia 5 de maio, a filósofa e autora inaugura o Espaço Feminismos Plurais, em Moema. É uma extensão da série de livros (também chamada Feminismos Plurais) criada por Djamila em 2017, que tem mais de 200 000 exemplares vendidos. Na pandemia, a iniciativa deu origem a uma plataforma virtual de cursos (de mesmo nome). “É nosso streaming de educação antirracista”, ela diz. A inauguração é aberta ao público.

Como vai funcionar o Espaço Feminismos Plurais?

Será em uma casa na Alameda dos Tupiniquins, em Moema. Terá cursos de formação filosófica, empresarial e jurídica. Haverá biblioteca, sala de pesquisa, espaço para lançamento de livros. Também terá serviços de atendimento para grupos vulnerabilizados, com psicóloga, suporte jurídico e dentista. Muitos espaços ou são só culturais, ou só fazem atendimentos, mas vamos trabalhar nos dois eixos.

Por que fazê-lo em Moema, um bairro de classe média alta?

Na verdade, não foi uma escolha. Nosso parceiro, o empresário Maurício Rocha, que apoia diversos projetos meus, tem imóveis na região e cedeu a casa para a gente. Eu gostei de ser em Moema, porque fica perto do metrô da Linha Lilás, que contempla as regiões do Capão Redondo e do Campo Limpo. Muita gente que trabalha em Moema mora nesses bairros. Vamos tentar atingir essas pessoas. É uma área estratégica, um metrô que chega ao território periférico. Vamos fazer um espaço bem bonito, pintamos a casa, pensamos a decoração.

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Por que ter um espaço físico para cursos em tempos de vida on-line?

Era um sonho antigo. Eu venho de organizações que tinham esses espaços. A experiência me mostrou quanto é importante o olho no olho, a relação presencial. A gente vai continuar os cursos on-line na plataforma (Feminismos Plurais), nosso streaming de educação antirracista. Mas vamos poder fazer outras coisas, como abrir as portas para pessoas e coletivos que queiram o espaço para lançar livros ou dar cursos.

A série de livros que dá nome ao espaço começou em 2017, com sua obra Lugar de Fala. Desde então, mudou algo na questão do racismo? Que influência os livros tiveram?

No sentido institucional, infelizmente a gente teve retrocessos, sobretudo em políticas públicas e ampliação de direitos. A gente vive um momento em que não há muito a comemorar. Por outro lado, é inegável que o debate avançou. As pessoas estão falando sobre isso. O mercado editorial foi muito afetado (pela coleção). Nas três últimas edições da Flip antes da pandemia, os livros mais vendidos foram de autores negros (inclusive Quem Tem Medo do Feminismo Negro?, de Djamila). As grandes editoras foram forçadas a olhar para nós.

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Como fazer o debate do racismo estrutural chegar às periferias?

Isso (a ausência parcial do debate) é fruto de toda a história do país, o último das Américas a abolir a escravidão. Há uma falta de políticas para que o debate se amplie. Nós fazemos a nossa parte, mas não podemos fazer o papel do estado. Mas, tendo viajado a todas as regiões do Brasil, vejo que as discussões estão presentes, sim, nos territórios periféricos. Tem muitas bibliotecas comunitárias, projetos sociais… Já doamos mais de 30 000 livros da coleção a instituições. A gente está presente tanto na universidade como na biblioteca de Parelheiros.

Você comentou sobre um caso recente de racismo em um prédio da Oscar Freire (o vídeo mostra uma moradora agredindo uma cozinheira na portaria). Qual o significado de o crime ter acontecido na rua do luxo?

É muito significativo. Para aquela senhora, a presença da funcionária ali era incômoda. Era um corpo fora do lugar. O caso mexeu muito comigo, pela naturalidade com que a agressora se sentiu autorizada a fazer aquilo. Acontece em muitos espaços privilegiados essa sensação de que outras pessoas acham que nós não pertencemos ao lugar.

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Você ainda vive situações do tipo?

Sim. Depois da Flip de 2018, fui ao Rio de Janeiro para o prêmio Off-Flip. A organização reservou um hotel na Zona Sul. A recepcionista veio falar comigo em francês. Para ela, uma mulher como eu só poderia estar no hotel se fosse estrangeira. Homens achavam que eu era garota de programa. Eu descia para tomar um drinque e não conseguia porque homens, sobretudo estrangeiros, se sentiam no direito de me incomodar.

Acha que o termo “lugar de fala” foi mal compreendido, inclusive por pessoas que apoiam essas causas?

Com certeza. Houve um esvaziamento. O conceito se popularizou e sofreu uma série de distorções, até mesmo pessoas que tentavam defender a ideia, mas a partir de uma visão distorcida, de que só pessoas negras poderiam falar de racismo, ou só mulheres poderiam falar de machismo.

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Na briga do Oscar, você escreveu que entendia a reação de Will Smith. É possível alguma reflexão sobre racismo nesse episódio?

Acho que principalmente sobre sexismo. Eram dois homens negros, sim, mas dois homens. A vítima da agressão verbal era uma mulher. Nas redes sociais, o grupo que mais sofre discurso de ódio são as mulheres negras. Existe uma naturalização em desrespeitar essas mulheres. Dentro da comunidade negra, obviamente, como em qualquer outra, existe o machismo.

Você foi sondada para concorrer nestas eleições?

Sim. Como fui secretária adjunta de Direitos Humanos do município, em 2016, as pessoas sondam, perguntam… A resposta é: não digo “nunca’”, mas no momento estou focada em outros projetos. Não vou deixar de me posicionar, mas agora não me interessa (entrar para a política).

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Qual erro a militância progressista não deveria cometer nas redes sociais nas próximas eleições?

Não pode ficar o tempo todo respondendo aos absurdos criados diariamente pelo chefe do Executivo. A gente acaba reagindo, e não pautando o debate. Não é que não tenha de responder. Mas não pode ficar no vício de só fazer isso. Enquanto se poderia divulgar, por exemplo, o trabalho da Escola Feminista de Heliópolis, onde mulheres de periferia se uniram para fazer cursos.

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Publicado em VEJA São Paulo de 20 de abril de 2022, edição nº 2785

 

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