Peça retrata romance “proibido” de Lya Luft na década de 80

Denise Del Vecchio vive a escritora em adaptação do livro de poemas 'O Lado Fatal'

Por Júlia Rodrigues
Atualizado em 15 ago 2023, 12h51 - Publicado em 4 ago 2023, 06h00
a atriz em cima de um divã com um longo vestido que se espalha pelo divã e pelo chão
A atriz Denise Del Vecchio (Danilo Apoena/Divulgação)
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“O meu amado morreu (…) Morreu sem que se instalasse entre nós cansaço e banalidade. Talvez tenha morrido na medida certa para nada se desgastar.” Esse é um trecho de um dos quarenta poemas que compõem O Lado Fatal, livro no qual a escritora gaúcha Lya Luft (1938- 2021) expõe a dor da perda do psicanalista e intelectual Hélio Pellegrino, com quem teve um relacionamento curto e intenso na década de 80. A partir da próxima quinta (10), a atriz paulistana Denise Del Vecchio encarna a autora em um monólogo homônimo no palco do Sesc Belenzinho.

A produção começou a ser pensada pelo ator e diretor Darson Ribeiro em 2014, quando conheceu Lya em um festival de teatro em Porto Alegre. Na época, ele só havia lido Perdas & Ganhos (2003), best-seller da autora com cerca de 1 milhão de exemplares vendidos, mas passou a estudar o trabalho dela com maior profundidade, até sugerir uma montagem de O Lado Fatal. “Ela me disse que poderia montar qualquer livro, menos esse”, conta.

A resistência de Lya tinha um motivo. A obra, sua única autobiográfica, foi escrita nos meses que se seguiram à morte de Hélio Pellegrino, vítima de um infarto no dia 23 de março de 1988, e publicada no mesmo ano. O final do relacionamento, que durou pouco mais de dois anos, foi tão abrupto quanto o início: apresentados pela escritora carioca Nélida Piñon em um congresso em São Paulo, em 1985, os dois se interessaram um pelo outro na primeira conversa. Após alguns meses de trocas de cartas e telefonemas, Lya pegou um avião para o Rio de Janeiro para morar com o amado, deixando para trás um casamento de mais de duas décadas com o filólogo Celso Luft e três filhos, na capital gaúcha. Na época, ela tinha 47 e ele, 61.

lya luft helio pellegrino
Raro registro de Lya e Hélio juntos: amor intenso (Edição e tratamento por Giuliano Scandiuzzi/Divulgação)
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Foi só na década de 90, quando o vazio pela partida do ex-companheiro diminuiu, que ela retornou para o seio da família no Rio Grande do Sul, permanecendo casada com Celso até a morte dele, em 1995. O livro, entretanto, foi tirado de circulação pela escritora pouco tempo depois do lançamento, só voltando às bancas e lojas em 2011, pela Record, editora até hoje responsável pela publicação de seus trabalhos.

A obstinação de Darson fez com que, em março de 2021, nove meses antes de morrer, ela finalmente cedesse. “Levei um susto. Além de liberar a peça, Lya não quis mexer em praticamente nada do texto”, lembra.

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O diretor, que também assina a adaptação, a trilha sonora e o cenário, adicionou outros poemas de Lya ao texto, que ganhou o formato de uma sessão de psicanálise, em referência à profissão de Pellegrino. Em cena, por vezes deitada e sentada em um divã fabricado especialmente para a peça, Denise Del Vecchio expõe as emoções, os pensamentos e as neuroses de Lya. Em alguns momentos, chora, grita, arrasta-se no chão e quebra objetos do cenário. “Com esse solo, estou reencontrando o amor pela língua portuguesa que descobri quando vivi Florbela Espanca (poetisa portuguesa), em 1991”, diz a atriz paulistana nascida na Mooca. Sozinha no palco, ela contracena com a voz em off do ator José Rubens Chachá, que dá vida a Pellegrino.

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Capa do livro: fora de circulação por mais de vinte anos (Record/Divulgação)

Com o espetáculo, a artista, que estreou nos palcos do Teatro de Arena, comemora 52 anos de carreira, que lhe renderam também papéis relevantes na televisão e no cinema, como na novela da TV Globo Chocolate com Pimenta (2003). No auge dos 72 anos, Denise diz não se importar em interpretar o papel de uma mulher mais de vinte anos mais nova. “A idade e a experiência me trouxeram a fragilidade necessária para compreender a coragem da Lya de, em meio ao machismo e ao conservadorismo ainda piores da época, abandonar a estrutura familiar para seguir seu sonho”, diz. “Mostramos uma faceta oculta da Lya, o que está por trás daquela figura impoluta e sóbria das palestras e dos livros”, conta Darson.

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Para acentuar a mescla entre o real e o simbólico presente no espetáculo, o diretor adicionou projeções à encenação. Além do divã, a cenografia tem também a cadeira original que Hélio usava em seu consultório no Rio, cedida por um de seus filhos para a temporada. Depois de viajar com O Lado Fatal para outras cidades, Darson cultiva o desejo de montar mais dois espetáculos inspirados na vida e obra da escritora gaúcha, um sobre a própria história de Hélio Pellegrino e outro baseado no livro de contos O Silêncio dos Amantes (2008).

O Lado Fatal (55 min). Livre. Sesc Belenzinho. Rua Padre Adelino, 1000, Belenzinho, ☎ 2076-9700. Qui. a sáb., 20h. Dom., 17h. R$ 30,00. sescsp.org.br. Estreia prometida para quinta (10).

Publicado em VEJA São Paulo de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853

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