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Natalia Timerman: “Publicar um livro é uma exposição avassaladora”

Psiquiatra e escritora aguarda a estreia da adaptação teatral de seu best-seller, 'Copo Vazio', enquanto trabalha em novo livro com tintas autobiográficas

Por Laura Pereira Lima
Atualizado em 24 Maio 2024, 10h13 - Publicado em 24 Maio 2024, 06h30

Natalia Timerman, 43, recebeu a reportagem de Vejinha em sua casa, no Alto de Pinheiros, na manhã da última sexta-feira (17), depois de uma corrida matinal no Parque VillaLobos. Longe de ser um momento de pura fruição, a atividade também é trabalho. “Eu escrevo o tempo todo. Escrevo mentalmente enquanto corro ou caminho pela cidade”, conta a psiquiatra e escritora.

Ela ganhou destaque no mundo literário em 2021, com o lançamento de seu primeiro romance, Copo Vazio, pela editora Todavia. A trama, que acompanha uma mulher adulta vítima de ghosting (termo que vem da palavra ghost, fantasma em inglês, e tem sido usado para definir o sumiço repentino de uma pessoa após trocas de mensagens na internet), é inspirada em uma experiência semelhante vivida pela autora e acaba de ganhar uma adaptação para os palcos sob direção de Bruno Perillo, que estreia na sexta (31), no Sesc Belenzinho.

Publicado em 2023, o segundo romance, As Pequenas Chances (Todavia), também parte de uma experiência pessoal, o luto pela morte do pai, para criar uma ficção com toques de realidade. Natalia planeja repetir o modelo em seu novo livro, em que aborda a vida da mãe, portadora de Alzheimer, como ela conta na entrevista a seguir.

Quais são suas expectativas para a adaptação teatral de Copo Vazio?

Estou feliz e apreensiva. É difícil para um autor ver que sua obra deu origem a uma outra. Estou me preparando para o impacto que vai ser ver meu livro transformado em outro trabalho, com articulações próprias, com reverberações para outros temas. Mas não vai ser uma adaptação ao pé da letra. É uma obra que vai se questionar, e acho isso muito legal. É muito impressionante para mim ver até onde chegou esse livro.

Seus dois romances agregam elementos da sua vida pessoal. Como é trabalhar com essas memórias?

É um dilema, mas a posteriori. Depois que eu já escrevi é que me vêm várias crises. Tenho medo de magoar os outros, de que achem o livro ruim. E me sinto culpada, acho que estou expondo as pessoas. E me pego em dilemas éticos. Se a escrita pode machucar alguém, o que vale mais, a vida ou a literatura?

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Outro aspecto, que é bom e ruim ao mesmo tempo, é que a escrita fixa lembranças. Como quando a gente fotografa uma viagem. Depois, a memória passa a ser a da fotografia, e não da viagem. Eu mesma, quando escrevo, às vezes perco o acesso ao que era real e ao que não era. Meu livro As Pequenas Chances é uma combinação de coisas que vivi e outras que inventei, e às vezes nem eu sei mais o que foi invenção. Mas também ganho com isso, porque tem muita coisa que eu esqueceria se não tivesse escrito.

Qualquer obra, mesmo de não ficção, tem aspectos ficcionais?

Acho que sim. A não ficção sempre tem uma voz. Mesmo alguém que escreve uma autobiografia está inventando, de certa forma. A mediação das palavras sempre instaura um elemento ficcional. Nada é autobiográfico. Mas, ao mesmo tempo, tudo é. Tudo que a gente escreve, mesmo que não seja sobre nós, é o nosso avesso, tem algo nosso. Por isso, publicar um livro traz uma sensação de exposição avassaladora. É um momento de muita alegria, mas também de muita angústia.

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Você classificaria sua escrita como autoficção?

Acho que As Pequenas Chances pode ser tida como autoficção, porque tem uma ambiguidade no pacto com o leitor. Sou eu, mas ao mesmo tempo não sou eu. Mas, se pudesse escolher, preferiria que meu livro fosse chamado de narrativa de filiação. É um conceito que não pegou muito no Brasil, mas, quando o conheci, fiquei encantada. Depois me liguei que gostei tanto porque parecia descrever o que eu fazia. É uma forma de narrar que parte dos antepassados para chegar à própria história. É uma escrita lacunar, que, mais do que preencher as lacunas, as aponta. O termo autoficção foi muito apropriado pela mídia, pela crítica, pelos leitores e acabou se tornando muito fugidio e amplo. Hoje chamam tudo de autoficção.

Em As Pequenas Chances, a protagonista segue os rituais judaicos após a morte do pai. Qual é a sua relação com o judaísmo?

A minha relação com o judaísmo tem se transformado muito. Os últimos eventos me têm feito questionar o que é ser judeu. Minha família inteira é judia e eu tinha uma relação próxima com a religião quando era pequena. Na adolescência me afastei do judaísmo, quando minha mãe começou a ficar mais ortodoxa. Quando meu pai morreu, eu me senti profundamente acolhida pelos rituais judaicos, por meus ancestrais, mais do que por Deus. Percebi que o judaísmo não é só uma religião, é também uma identidade.

Sua formação de médica e a atuação na psiquiatria contribuem para sua produção literária?

Acho que a gente escreve com tudo que somos. Não tenho como deixar de ser psiquiatra enquanto escrevo. Como médica, entro em contato com o sofrimento, os segredos e as inseguranças das pessoas, e isso acaba afetando minha literatura também, faz parte da forma como escrevo.

São Paulo é o pano de fundo de seus dois romances. De que forma a cidade a inspira?

A escrita foi minha conciliação com a cidade. Sempre quis morar fora de São Paulo, e quando comecei a escrever minha vontade arrefeceu. Por mais que a minha literatura parta de dentro, ela também acontece a partir do lugar onde eu vivo, e isso está muito entranhado em meus livros. Gosto muito de caminhar pela cidade, correr, andar de ônibus. Esses são os momentos em que eu escrevo mentalmente. Quando a gente anda pela cidade, se abre para ela. Ela nos transforma, enquanto nós a transformamos.

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E os próximos projetos?

Será uma publicação sobre a minha mãe. Pretendo falar sobre a questão do Alzheimer e da família dela. Também estou escrevendo um livrinho curto, mas não sei se vou publicar. Acho importante para um escritor ter textos que não publica, um diário, um caderno, porque você preserva algo dessa escrita para sua intimidade.

Publicado em VEJA São Paulo de 24 de maio de 2024, edição nº 2894.

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