Mostra gratuita na Paulista relembra a trajetória de Alceu Valença
O músico pernambucano segue prolífico e celebrado aos 73 anos
A mente inquieta do criativo cantor e compositor pernambucano Alceu Valença passa por uma revisão poética no Itaú Cultural. A mostra gratuita em homenagem ao artista de 73 anos deve abrir ao público no sábado (14). A organização teve como norte o filme A Luneta do Tempo, musical de 2016 dirigido por ele. No longa, no qual também atuou, Alceu relembra a infância e trata da influência do circo em sua trajetória.
A escolha para guiar a exibição reflete a importância da linguagem cinematográfica na biografia do intérprete. “Minha vida parece um filme, como se eu estivesse fazendo um documentário de tudo. As músicas guardam minha memória visual, são HDs de lembranças”, explica Alceu, que, na adolescência, se apaixonou pelas fitas francesas da nouvelle vague no cinema São Luiz, no Recife.
Nascido na cidadezinha de São Bento do Una, que dista cerca de 200 quilômetros da capital de Pernambuco, ele morou até os 5 anos em uma fazenda batizada de Riachão, que aparece em uma das fotos no início da mostra.“A entrada circular funciona como um portal. Ao ultrapassá-lo, o visitante vê Alceu quando era bebê. Conhece também seu pai e sua mãe. Temos aí pouca luz”, explica o designer Leopoldo Nóbrega, responsável pela expografia.
O profissional, que criou a alegoria do gigantesco bloco de Carnaval recifense Galo da Madrugada em 2019 e se prepara para repetir a dose no ano que vem, adianta como se desenvolve o percurso: “Aos poucos, os ambientes ficam mais solares e coloridos”.
São Bento do Una volta a aparecer em outro núcleo, dedicado à investigação do agreste pernambucano, faixa entre o litoral e o sertão nordestinos. Um dos assuntos aqui consiste na gestação da verve literária de Alceu, que deságua no livro de sua autoria O Poeta da Madrugada (2015). Nos saraus em sua casa durante a infância, promovidos pelo avô Orestes Valença, o compositor conhece o martelo agalopado, tipo de poema decassílabo, usado em duelos de violeiros.
Mais tarde, combina o estilo com frevo, maracatu, bateria e guitarra, o que dá a impressão de que a sua trajetória é um panorama de sons e territórios. A ideia se vê reforçada por um vídeo em 360 graus, que inclui lugares importantes para o artista, como Olinda (PE), onde possui uma casa, e Paris, cidade na qual compôs a famosa faixa Coração Bobo.
O jeito de o cantor vivenciar a música e construir sua discografia também se desenrolou por meio de parcerias. Elas figuram na exposição em depoimentos de artistas como Geraldo Azevedo, seu companheiro desde o primeiro álbum, Quadrafônico (1972), e Elba Ramalho, uma das integrantes ilustres do projeto Grande Encontro. Se fosse possível uma viagem no tempo, um bom testemunho seria dado por Luiz Gonzaga, falecido em 1989, que surpreendeu o astro nos anos 80. “Ele apareceu em um show em Juazeiro do Norte. Quando desci do palco, me chamou para tomar um café e disse: ‘Rapaz, te entendi, o que seu conjunto faz é um pife elétrico’.”
QUATRO ÁLBUNS ESSENCIAIS
Vivo! (1976)
É seu segundo álbum-solo. Gravado ao vivo, resume sua produção setentista, com experimentos da música do sertão e elementos do rock.
Cavalo de Pau (1982)
Aqui, Alceu finalmente se consagrou nacionalmente. Morena Tropicana e Como Dois Animais voltam a explorar a arte nordestina, muito presente também em Coração Bobo (1980). Na mesma década, destaca-se ainda o álbum Anjo Avesso (1983), com a faixa Anunciação.
7 Desejos (1992)
O disco o colocou de novo nas paradas, com La Belle de Jour, depois de um período de escanteio da MPB.
Valencianas (2014)
O maestro Rodrigo Toffolo e o arranjador Mateus Freire orquestraram faixas de Alceu. Logo, deve surgir a segunda parte deste projeto em álbum.
> Ocupação Alceu Valença. Itaú Cultural. Avenida Paulista, 149, 2168-177. Ter. a sex., 9h às 20h; sáb. e dom., 11h às 20h. Grátis. Abertura prevista para sábado (14). Até 2 de fevereiro.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664.