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“Juiz viu 4 pretos contra 1 branco e falou que somos traidores”, diz Brown

Líder dos Racionais Mc´s fala sobre política, família e um processo na Justiça que o grupo perdeu e pode custar uma indenização milionária

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 15h48 - Publicado em 18 jul 2019, 16h58
 (Divulgação/Veja SP)
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Vestindo camiseta branca da marca Puma e calça laranja com a cueca (bem) à mostra, o líder do maior grupo de rap do Brasil chega à sede da produtora Boogie Naipe, no Capão Redondo, no dia 4 de julho, mascando um palito de dente. Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown, carrega na mão esquerda uma bolsa com whey protein, alimento favorito de dez em cada dez marombados. Brown é marombado. Frequenta a academia do bairro e costuma pedalar pelo parque Villa-Lobos. Na companhia dos demais integrantes do grupo (KL Jay, Ice Blue e Edi Rock), a estrela da trupe está lá para falar de um assunto que custa caro ao discurso combativo do quarteto que prepara uma turnê comemorativa pelos trinta anos de estrada: uma condenação na Justiça por má-fé após o ingresso de um processo contra o produtor cultural Milton Sales, de 62 anos, um dos responsáveis pela formação da banda no fim dos anos 80. Na segunda entrevista, mais descontraída, realizada em um estúdio alugado no Campo Belo, na última quinta-feira (11), Brown fala de outros assuntos, esses sim ligados a sua personalidade forte. À beira dos 50 anos, a principal voz da periferia para rasgar o verbo em questões sociais, raciais, policiais e políticas fala também de dinheiro, política e da família.

A história da banda e das tretas é contada na matéria de capa desta semana. 

Os Racionais farão shows grandes na turnê dos trinta anos. Vocês se afastaram da quebrada?
Quem falou que ao tocar no Credicard Hall a gente está longe da quebrada? A gente toca onde a quebrada pode chegar de forma segura, ser respeitada e ir embora sem apanhar do segurança. Um lugar onde o dono pagou a conta da água e o banheiro tem descarga. A quebrada tem carro. Carro pra caralho, tio. E quer guardá-lo no estacionamento.

No passado, vocês se apresentavam armados ou isso é lenda?
Era microfone na mão e arma na cintura, morou? Precisava ser assim. A gente nunca contou com segurança. Era complicado sair de casa e ir para a rua, encontrar estranhos que você não sabe o que acham de você.

E hoje, como é?
Hoje sou famoso pra caralho e não preciso andar armado. É só entrar na favela e abrir o vidro. Eles veem o meu nariz e me cumprimentam.

Como é a sua relação com a polícia atualmente?
No imaginário, as pessoas veem o Mano Brown diferente do que eu sou, que fala duro, é mal encarado, inclusive a polícia. Mas deixa eles para lá, Racionais contra polícia virou Fla-Flu. Essas histórias de gângster, de polícia contra ladrão, são mais clichê para cinema. Muitos têm fetiche por essas ideias, mas não vou alimentar mais isso, não.

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A chegada aos 50 anos tem te deixado mais tranquilo?
Eu era um incendiário e hoje sou um bombeiro. [interrompido por KL Jay: “O Mano era o Garoto Enxaqueca e hoje é um diplomata”].

O Pedro Paulo de hoje é um homem maduro?
Com certeza agora existe uma inteligência de convívio. Você pode ser o gênio da lâmpada e inventar o telefone de novo, mas se você não souber conviver, entender o meio onde vive, você é burro. Eu procuro sobreviver, conviver e interagir. Essas são as regras? Vocês estabeleceram isso? Então tá. Qual é a fita? Fazer a minha? Então é isso. (Chegando aos 50) Você para de querer resolver o mundo.

Recentemente você postou uma foto dentro de uma lancha. Muita gente criticou sua “mudança de lado”.
É uma caça às bruxas constante, no rap isso não para. Isso sempre vai existir. Eu estava na (represa de) Guarapiranga, a dez minutos de casa, no meio de Santo Amaro.

A lancha era sua?
Não, era de um amigo. Mas se der para eu dar um rolê de lancha, eu vou. Se aparecer uma piscina, talvez eu vá. Vivo na piscina? Não vivo. Essa cobrança existe, mas quem decide o que eu vou fazer sou eu, não as redes sociais. Não faço nada do que não queira.

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Você frequenta restaurantes caros? Já foi ao Fasano, por exemplo?
Uma coisa é já ter ido, outra coisa é gostar. Outra coisa é viver isso. Eu não lembro se fui. Acho que não fui. Se fui, não lembro. Isso já diz muita coisa do que eu acho.

Se arrependeu do discurso feito durante evento do PT na campanha de Fernando Haddad?
Sim, um pouco, não totalmente. Posso dizer que tem 10% de arrependimento. Já é arrependimento. E 90% de neurose, raiva e descrença total no futuro. Caetano Veloso estava do meu lado e concordou quando eu disse que perdemos a eleição. Eu não queria falar, mas me chamaram duas vezes ao palco. Colocaram uma granada sem pino na minha mão. Passado aquele pessimismo, eu estou tentando entender o novo Brasil, para eu ver onde me encaixo, onde posso ser útil. Mas não quero ser pedra no sapato da sociedade, da favela. Encheu o saco. Enchedor de saco oficial, não sou esse cara. Quero ficar de boa, deixar os outro de boa. O povo escolheu o que quer.

Até hoje o PT não fez autocrítica sobre mensalão, petrolão.
O PT é um partido grande, cara. Você imagina uma crise em um clube grande como Corinthians, Flamengo? É igual. Você acha que as pessoas têm orgulho de levar fama de corrupto? As pessoas têm vergonha, tem gente que chora quando ouve isso. Não é um partido de gente corrupta. Isso ofende. Eu não sou corrupto. Eu sou de uma ideia. E naquele momento quem defendia a minha ideia era o PT. Não tenho direito de botar o dedo na cara de quem votou no outro. Isso eu cansei. Encheu o saco.

Tem acompanhado os vazamentos das conversas privadas do procurador Daltan Dellagnol, entre as quais algumas com o ex-juiz Sérgio Moro?
Está claro que tinha um time para prender o Lula e o Moro fazia parte dele. Um juiz não pode ser do time da acusação. O Moro não agiu como juiz, mas como um pivô que escora para o centroavante mandar a bola no ângulo. Me lembrou a dupla Edmundo e Romário. O Moro é o Edmundo, só fez o pivô

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Como você avalia os primeiros meses do presidente Jair Bolsonaro?
O mesmo de antes: sabe nada. Mas votaram nesse cara? Vamos respeitar. Pode discordar, mas tem que saber respeitar. Não sou daqueles que acham que o povo não sabe o que faz. Pelo contrário. O voto fala, opinião pública fala, internet fala, rede social fala. Ignora quem quer, tá ligado?. Ficar quatro anos sabotando o governo desse cara? Não. O povo escolheu, o povo cuida disso.

E o governador João Doria em São Paulo?
Ele vai ser presidente do Brasil. Para isso que o país está caminhando.

Você é a favor ou contrário ao porte de arma?
Sou contra. O povo não tem estrutura para ter arma na rua, não. Tem que investir em escola, faculdade, campo de futebol na periferia para os caras, para a molecada, área de esporte e lazer, internet onde não tem rede, fibra óptica lá longe, para levar informação para o povo. Não investir em armas. A gente vive num modo de vida autodestrutivo.

Sua esposa é empresária da banda e administra sua carreira solo. Como é a relação casa-trabalho?
Não é fácil cuidar de um grupo como o Racionais, com quatro cabeças, mas apenas uma boca: a minha. A Eliane (Dias) é a força do trabalho, da organização e da logística. Tudo o que a gente odeia fazer ela ama fazer. Em casa ela manda também.

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Seus filhos também estão por perto?
A Domênica estuda artes cênicas e quer aprender a cantar. Não quer facilidade, nem atalhos. Quer lutar com outras meninas negras pelo que ela acredita. Lembra muito eu, quando tinha a idade dela. O Jorge é como a mãe, prático. Trabalha comigo na parte burocrática, de relações públicas e no que eu não quero fazer.

Você nunca conheceu seu pai. Ele está vivo? Fez falta na sua vida?
Não sei se está vivo. Na infância, eu morava em um bairro de branco e lá todo mundo tinha pai, menos eu. Depois mudei para um bairro de preto e vi que ninguém tinha pai. Me encaixei na sociedade certa.

Como lidou com a morte de sua mãe, ocorrida em 2017?
Ela estava doente, precisava descansar. Sofri com a sua morte, mas entendi que ela precisava descansar. Ela morreu na minha frente, eu vi. E lógico, como filho, sofri. Eu superei, sinto saudade, mas estou aqui. Na fase em que ela ficou doente eu trabalhei muito, participei do disco dos Racionais e do Boogie Naipe. Foram dois discos em dois anos para suportar, entendeu?

O streaming mudou o conceito de se ouvir música. Dá para ganhar dinheiro com a música on line?
Sim, todo mundo ganha. Não há outro jeito. Seja 10 centavos ou 10 milhões. Todo mundo ganha. Se você está tocando na internet, vai ganhar. Mas não tem como comparar com a época do CD.

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Após a condenação dos quatro Racionais na Justiça por fraude contra o produtor cultural Milton Sales, o que os fãs vão achar de vocês?
Vão achar que somos negligentes, uns trouxas. O que nos salva é a verdade, mas o juiz é um semideus, né? Esse cara deve ter visto a foto desses quatro pretos e do Milton Sales, que é branco, e falou que nós traímos o branco.

Como se deu a saída dele em 1998?
Foi uma saída conturbada. O Miltão era um cara enrolado, com a vida irregular, que sumia três dias e reaparecia arrogante. A gente teve que tomar uma decisão. Não tinha mais como ele continuar. Ele já tinha falido uma empresa de confecção de roupa em sociedade com a gente. A ideia toda era dele, mas não pagou nenhum centavo da dívida. Nessa parada eu perdi um carro, um Diplomata novinho. O Kleber também. Deixamos a chave do carro no banco e saímos comemorando. Eu nem dormia. Depois recomeçamos do zero. Mas foi complicado afastar ele. Um ano depois a gente parou com as apresentações ao vivo. Ficamos quase anos sem fazer show.

E depois, vocês nunca tentaram a destituição da empresa?
A gente nunca pensou nisso. Ele sempre estava por perto e nos ameaçava com “questões jurídicas”. Só dizia isso. Mesmo assim continuava ajudando ele. Ele pegava nossos discos para vender, mas não repassava nossa parte. Ele acabava de gastar o dinheiro e voltava com tom ameaçador. Começou essa ameaça em 1999. Quando ele chegava e ameaçava, o Kleber dava 3 000, 4 000 CD´s na mão dele. Tudo sem papel, só na confiança. Hoje, quem deve para quem?

Quem teve a ideia do processo e por que a alegação de que ele estava desaparecido há quase duas décadas?
Não sei disso. Partiu de quem? Nenhum de nós falou isso para a advogada. Até porque o Milton vivia cruzando o nosso caminho. Chegava e batia uma foto. Sempre pedia uma foto. Não lembro nem da cara dessa advogada. Sempre fui preocupado com música, não com essas coisas.

Nota: procurada, a advogada Renata Vizioli não respondeu aos pedidos de entrevista.

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