Laura Cardoso ainda se lembra bem dos olhares atravessados dos vizinhos quando, aos 16 anos, lá por 1943, desfilava de calças compridas pelas ruas do Bixiga, o bairro onde nasceu e foi criada. “Eu não queria enfrentar nem tampouco chocar ninguém, só achava mais confortável me vestir assim”, conta.
Essa é apenas uma das tantas atitudes pioneiras que essa adorável paulistana, atriz emblemática da televisão, do teatro e do cinema nacional, ostenta em seus 91 anos de vida e 76 de carreira. “Tudo parece fácil para as meninas de hoje e, por isso, não valorizam as conquistas. Queria que vivessem em um tempo em que ser artista era o mesmo que ser prostituta”, afirma ela, que deu os primeiros passos na Rádio Cosmos, na década de 40, e logo se transferiu para a Tupi, uma das principais emissoras da época.
Precursora também no vídeo, Laura estrelou teleteatros, seriados — muitos deles, ao vivo — e telenovelas no canal e só cedeu aos convites da Globo para trabalhar no Rio de Janeiro em 1981, depois da falência da Tupi e da morte do marido, o ator e roteirista Fernando Baleroni. “Faço parte de uma geração de mulheres da pesada, que derrubou muitas barreiras, mas sempre valorizei meu casamento e minha família”, declara Laura, que mora no bairro de Perdizes, no mesmo prédio em que vivem as filhas Fátima e Fernanda.
Hoje, com pelo menos cinquenta novelas, trinta filmes e quinze peças no currículo, ainda se envaidece com olhares surpresos em sua direção. “Sei que meu público se espanta ao perceber que dou conta de tantas atividades”, declara a intérprete, que até três anos atrás ainda enfrentava sozinha a ponte aérea no Aeroporto de Congonhas para os compromissos no Rio. “É sinal de que continuo pioneira e posso ser exemplo para pessoas da minha idade, então eu quero mais é trabalhar”, completa a empolgada Laura, que deve voltar ao ar no segundo semestre em uma participação especial na novela A Dona do Pedaço, de Walcyr Carrasco, com estreia prevista para o próximo dia 20.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 8 de maio de 2019, edição nº 2633.