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Leopold Nosek critica pensamentos rasos: “A psicanálise é a antítese da autoajuda”

Um dos mais conceituados psicanalistas do país publica novo livro e compara o futuro a uma partida de futebol, na qual tudo pode acontecer

Por alice.granato
3 out 2025, 08h00
leopold-nosek
Nosek: “A análise melhora a qualidade das perguntas, organiza a cabeça” (Bob Wolfenson/Divulgação)
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Ele é um dos mais respeitados psicanalistas do Brasil e da América do Sul. Especialista em Freud, foi curador da importante exposição sobre o criador da psicanálise Freud: Conflito e Cultura, no Masp, no ano 2000. Nascido na Polônia, filho de sobreviventes da Segunda Guerra Mundial, Leopold Nosek, hoje com 78 anos, chegou ao Brasil com apenas 4. Foi preso na ditadura militar (em 1971) e ficou por 45 dias incomunicável no Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops/SP) e oito meses no Presídio Tiradentes.

Formou-se em medicina na USP e, em 1974, trocou a psiquiatria pela psicanálise. É vencedor do Prêmio Sigourney Award (2014), o mais importante prêmio internacional da psicanálise, por sua atuação clínica de destaque e aplicação na política e na arte. Foi presidente da Federação Psicanalítica da América Latina, da Federação Brasileira de Psicanálise e da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Está casado há 53 anos com a também psicanalista Raquel Strada Nosek, com quem tem cinco filhos e dez netos. Nosek atende em seu consultório na capital por cerca de doze horas diárias, com pausa no horário do almoço para praticar esportes.

Neste sábado (4), ele lança seu mais novo livro, O Método Marlow: Estudos Indisciplinares em Psicanálise (Editora Perspectiva), na Livraria da Vila em Higienópolis. Na entrevista, o psicanalista surpreende com respostas complexas, que induzem à reflexão.

Para onde caminha a humanidade?

Não tenho a menor ideia, não sei para onde vou caminhar, para onde vão meus filhos, meus netos. O mundo é sempre um mistério que a gente corre atrás e chega atrasado. Os nômades têm um costume. Antes de voltar para a aldeia, eles fazem uma roda e ficam parados, porque acham que o corpo chega antes e a alma depois. O mundo muda e a compreensão chega mais tarde. Se eu não sei o que vai acontecer em uma partida do Corinthians e Flamengo, como vou saber o que vai acontecer no futuro? Quando consigo não me atrasar muito em relação ao que está acontecendo, já está ótimo.

Neste ano perdemos grandes líderes, como o papa Francisco e o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, que, independentemente de crenças, eram figuras humanistas. Que vácuo eles deixam?

Os líderes que você citou têm a capacidade de ver conflitos e pensar. O que se tem hoje é uma epidemia de convicções. De crenças rasas e dotadas de grandes certezas. Acho que são corolário de transformações sociais enormes e que não dá tempo de a alma chegar nelas, de pensar, e vai se criando uma multidão de precarizados. Se eu estou precarizado, perco o horizonte. E tudo se precarizou: emprego, futuro dos filhos, dos netos. Ou sou capaz de pensar a partir disso ou vou me agarrar a uma tábua como um afogado.

As relações estão mais complexas?

Perguntaram a Freud por que o amor com os cachorros é especial. E Freud falou que é um amor que não tem ambivalência, não tem ódio. E qualquer relação humana tem amor e ódio. A epidemia de amor aos pets hoje é porque são amores fáceis, não implicam contradição, conflito. Então, prefiro ter um pet a ter uma pessoa, um filho, um neto, um parceiro conjugal.

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As pessoas estão fugindo dos conflitos?

O problema são as convicções. E no mundo neoliberal se assiste a uma fascistização. Temos que pensar esse novo fascismo. E tem o tribunal das redes, né? As mídias sociais se caracterizam por mensagens curtas e certezas. Elas têm uma mensagem curta que satisfaz rapidamente. Por exemplo, nas minhas redes nunca entra bolsonarista espontaneamente. Se eu for idiota, acredito no que a rede me fala, que não tem fascismo no mundo. Agora, as redes também fazem parte da mudança tecnológica e econômica do mundo. Tanto que o Elon Musk pode ter uma fortuna três vezes maior que o PIB do Brasil. São mudanças astronômicas, econômicas e tecnológicas.

“O que se tem hoje é uma epidemia de convicções. De crenças rasas e dotadas de grandes certezas. Uma multidão de precarizados, sem horizonte”

Do que é feito o ódio?

De certezas absolutas. Não é importante falar que o Bolsonaro é péssimo, e, sim, como é que ele chega a ter quase a metade da população o apoiando. Essa é uma compreensão muito mais difícil do que xingar.

Até os grandes pensadores acabam sendo representados por frases.

Você perde a complexidade e a riqueza. Então, mesmo o jornalismo televisivo passa a tragédia de Gaza, a fome na África, não sei quem separou de não sei quem, os gols da rodada, tudo com o mesmo destaque. Uma foto ou um romance são mais eloquentes do que a estatística. Então, a gente precisa da poesia para figurar a realidade.

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As pessoas não estão interessadas no contexto das coisas?

É a precarização que vive a classe média, com o fim da legislação trabalhista, da segurança social. As próximas gerações vão viver 110 anos. Como? E é claro que essas mudanças também trazem conforto. Tenho 78 anos e estou trabalhando. Quando eu era criança, 60 anos era um velhinho. E estou voltando do tênis… Não é só desgraça. É preciso pensar dialeticamente nos avanços e nas destruições que caminham juntos.

Qual é a arte de saber viver?

É saber que não se sabe. Não tem trajetória. A psicanálise é a antítese da autoajuda. É encrenca mesmo! Não vou dizer que eu sei viver. A psicanálise não trabalha como uma terapia com a solução da equação. A gente parte do princípio de que a equação não está bem montada. E identificamos variáveis e constantes da equação. Uma equação bem montada é muito melhor porque ela serve para múltiplas situações.

O que é a psicanálise, afinal?

É a montagem da equação. Uma análise melhora a qualidade das perguntas, organiza a cabeça. Os problemas de hoje são diferentes dos de amanhã. Esse é o dilema da educação. Você educa com os valores de hoje para um mundo que você não tem ideia como vai estar daqui a vinte anos. Ou seja, é uma tarefa impossível. Mas a gente não deixa de tentar (risos).

O que o sonho representa?

O sonho é o primórdio do pensamento. Por isso são premonitórios. Já pensei, mas não sei que pensei, porque o sonho vem com a deformação de uma certa proibição que paira sobre o que eu quero. É impossível você sonhar mentira, ele pode ser incompreensível, mas não tem mentira. É uma verdade que ainda não está por escrito.

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Publicado em VEJA São Paulo de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964

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