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Casca de mamão e concreto: joalheiros criam peças de luxo com materiais inusitados

Paulistanos que apostaram no ramo das joias descrevem os bastidores da profissão e o desafio de encontrar mão de obra especializada no Brasil

Por Humberto Abdo
19 nov 2021, 06h00

“Nem tudo que reluz é ouro” tem sentido literal nas mãos de certos joalheiros. No catálogo de Liza Tuli, até as cascas do mamão e da banana servem de matéria-prima para algumas das suas criações. “É algo bem artesanal, separo os materiais conforme eu mesma vou comendo as frutas em casa”, conta. Com os insumos inusitados, transformados em joias após um processo de impermeabilização, Liza traduz sua paixão pela arte surrealista e pelo movimento punk e chama atenção dos clientes mais jovens e abertos às suas ousadias — enquanto fisga o público mais velho com modelos mais tradicionais.

Ela é um dos nomes em destaque na terceira edição da Brazil Jewelry Week, que exibe 44 artistas joalheiros de vários países até o dia 25 de novembro, em formato on-line. “A joalheria contemporânea pode trabalhar com qualquer material. Eu gosto de metal, latão ou cobre, mas já usei látex, concreto e barro”, exemplifica Chrissie Barban, criadora do evento e fundadora do Núcleo Escola, que organiza cursos e pesquisas dessa área.

Assim como Liza, Chrissie mergulhou no universo das joias por meio da moda. “Sempre me interessei mais pelo ateliê de joias do que pela máquina de costura… É um lugar ritualístico, a identidade de cada joalheiro. O meu tem até forno de cerâmica e o da minha mãe virou uma serralheria quando ela decidiu usar ferro.”

Com quase quarenta anos de experiência no ramo, Rogério Andreeta é um dos especialistas em fundir, moldar e polir as peças que passam pela CR Brüner, empresa onde trabalha como chefe de produção. Em equipes como a dele, novatos são quase sempre a exceção. “A maioria tem pelo menos dez anos de experiência, não dá para qualificar alguém em apenas um ano. Acaba se tornando uma mão de obra cara”, observa.

Embora algumas tecnologias agilizem o ritmo de fabricação, muitas etapas ainda precisam passar pelas mãos dos ourives, o que também justifica valores mais altos, e até hoje são poucos os cursos profissionalizantes. “Mas não vejo como uma profissão com risco de extinção, pois só o ourives sabe montar e dar acabamento. É gratificante ver a gema ou a barra de ouro bruta se transformar nas belezas que vemos nas vitrines.”

Uma das novidades que passaram pelo crivo de Rogério é a linha Brumani by Livia, colaboração da marca nacional com a influenciadora Lívia Marques Nunes. “Reuni diferentes inspirações, de tendências usadas fora do país a referências que garimpo da minha mãe e avó”, resume Lívia. Para ela, o ouro amarelo é um desses elementos em alta no exterior, mas com desenhos mais clássicos. “Ao criar as peças, todas as etapas são essenciais. É um trabalho mais minucioso do que eu imaginava.”

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“Jamais pensei que essa seria minha ocupação, pois fazia joias como hobby e de forma autodidata”, relembra Carla Amorim, brasiliense com loja em São Paulo. Depois de passar dois anos vendendo as peças na casa dos pais, uma das compradoras a incentivou a abrir o próprio negócio. Mas suas inspirações continuam as mesmas, baseadas em três conceitos: natureza, religião e a arquitetura de Oscar Niemeyer. “Agora alguns processos são feitos com o uso de tecnologia, mas os desafios não mudam, o brasileiro está acostumado com crises econômicas. E com a pandemia ficou evidente a importância de presentear as pessoas em momentos de comemoração.”

“O que me atraiu foi não precisar de um grande espaço para soldar e criar… Fiquei deslumbrada com a possibilidade de fazer mini-esculturas sem precisar de um galpão… Uma mesa ou bancada já resolve”, admira-se Paola Vilas, que aplicou o interesse em artes plásticas nas peças e conquistou clientes em várias partes do planeta.

Hoje ela tem cinquenta pontos de venda em outros continentes, incluindo a francesa Galeries Lafayette, em Paris. “Eu e uma estagiária fomos descobrindo na marra como exportar, e meu olhar era novo, mas sempre criei pensando nessas joias como uma escultura, não um adorno.” Para ela, encontrar especialistas ainda é uma dificuldade. “Falta capacitação técnica no Brasil e é necessário ter um olhar artístico. Muitos largam a profissão e quem está contratando também não ajuda o profissional.”

A imagem mostra Paola e duas peças feitas por ela.
Artístico e manual: peças de Paola Vilas são pensadas como esculturas. (Barbara Brasil/Divulgação)

Na nova geração de joalheiros, muitos herdam o ofício da família, enquanto outros se descobrem no prazer do trabalho manual. “É por essa parte lúdica que sou apaixonado, embora tenha feito faculdade de arquitetura”, diz Diego Inácio Candelero, cuja marca nasceu há apenas um ano. As técnicas de design aprendidas na faculdade se tornaram complemento para o curso de ourivesaria feito mais tarde na capital. “São funções trabalhosas, não atraem a geração que prefere coisas rápidas, práticas e descartáveis”, opina. O processo criativo extremamente pessoal de cada joalheiro explica por que a maioria prefere usar apenas as próprias peças. “Uma das minhas favoritas é o primeiro anel que desenvolvi usando uma esmeralda. Toda vez que olho para ele, vejo como eu era no começo, tudo o que consegui aperfeiçoar e o que ainda posso melhorar.”

A foto mostra Diego mexendo em uma joia com um equipamento de precisão.
Olhar apurado: joalheria de Diego Candelero nasceu na pandemia. (Flavio Teperman/Divulgação)

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Publicado em VEJA São Paulo de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765

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