Influenciadores usam TikTok para falar de religião de um modo leve
Eles utilizam a plataforma para divulgar suas crenças, quebrar intolerâncias ou se aproximar de quem tem interesse em conhecer a crença
FILHO DE OXÓSSI
Durante uma depressão profunda no ano passado, Leonardo Piotrovski (@leodeoxossi), 21, publicou um vídeo no TikTok representando Zé Pelintra, entidade da umbanda, e viralizou. A religião faz parte da vida do rapaz desde os 14 anos, quando teve sua primeira incorporação com um Caboclo. “Foi algo mágico. Tive certeza de que esse era meu caminho.”
Leonardo, ator e comediante, passou a explicar sobre a umbanda na plataforma, caracterizando-se de outras entidades e orixás, sem se valer de termos técnicos. A maioria de seus seguidores não pratica a religião. “Minha proposta não é converter, mas ensinar. Não é preciso seguir minha religião para conhecê-la e descobrir que é tão boa como as outras.” Na imagem, de acordo com Leonardo, os cordões são guias de proteção, um amuleto sagrado na umbanda, e as vestimentas brancas remetem à Oxalá, o orixá maior, que representa Jesus Cristo.
CHAMADO DIGITAL
Beatriz de Oliveira Fernandes (@bea. triz1), 21, nasceu na igreja evangélica. Sempre almejando produzir conteúdo para a internet, entrou para o TikTok no começo da pandemia. Durante quase um ano, fez vídeos sobre beleza e maquiagem. “Eu aceitei que deveria falar sobre Jesus depois de um sonho em que ele falou comigo e me mostrou que esse seria o meu chamado.” E deu certo: são mais de 3 milhões de curtidas no TikTok em vídeos que fala sobre livros da Bíblia e comenta assuntos polêmicos sob a perspectiva cristã, como masturbação, aborto, luxúria etc. Além de tiktoker, ela cursa faculdade de música na Unicamp e tem uma dupla gospel, a E C E D, com a irmã. Seu sonho é poder trabalhar com a internet falando das duas paixões.
SEM PRECONCEITO
Carima Orra (@carimaorra1), 27, é brasileira com ascendência libanesa e palestina, pedagoga, casada, mãe de três filhos e muçulmana. Criou seu perfil no Instagram há sete anos para falar sobre educação infantil, mas recebeu uma chuva de dúvidas sobre sua religião pelo uso que faz do hijab, roupas tradicionais do Islã, incluindo o véu. Ela decidiu, então, produzir conteúdo sobre as duas temáticas. Migrou para o TikTok no ano passado e já acumula quase 100 000 seguidores na rede. “Meu objetivo é ajudar as mães com a educação e desmistificar a minha religião. Falo muito sobre o tabu de que as mulheres muçulmanas são oprimidas, submissas aos seus maridos e que não podem fazer o que gostam”, diz.
LIVE PARA AS “OVELHINHAS”
Anderson Cardoso (@padreanderson), 40, deixou o trabalho, a faculdade de ciências contábeis e o namoro aos 19 para entrar na vida religiosa. Padre há sete anos, apresentou programas católicos de televisão e rádio. Quando as portas da igreja se fecharam durante a pandemia, criou uma conta no TikTok para continuar próximo dos fiéis — que se autointitulam “ovelhinhas do padre Anderson” — e enviar mensagens de conforto e esperança após inúmeras vidas perdidas para a Covid-19. “Fui motivado pela palavra do Papa Francisco, que diz: ‘Que sejamos contagiados e contagiadores pelo vírus da esperança’, e criei a Live da Esperança.” O evento acontece esporadicamente, às 9h. Mesmo tendo experiência como comunicador, o padre teve dificuldades no início para falar com a câmera, sozinho. Anderson também organiza transmissões com padres espalhados pelo país e que conheceu na plataforma. “Temos o mesmo propósito, que é levar a palavra de Deus pelos meios de comunicação.”
CANDOMBLÉ E MAQUIAGEM
Crescido em família católica e convertido à umbanda em 2015, onde desenvolveu a mediunidade, Jean Fernandes (@jjeannofficial), 29, passou a frequentar o candomblé um ano depois porque sentiu que tinha uma missão na religião. “A espiritualidade te chama pelo amor ou pela dor”, afirma Jean. No caso do candomblecista, foi pela dor. Jean conta que passou a ter anemia e perda de peso repentino e um pai de santo explicou que poderiam ser sintomas espirituais. Em um mês, o jovem, que também é maquiador, se viu apaixonado pelo candomblé e seus problemas de saúde cessaram. Na pandemia, passou a divulgar a religião no TikTok por meio de Lip Sync, montagens de Drag Queen e humor, mas teve o desafio de lidar com haters. “Cristãos disseminam de forma errada que o candomblé é do demônio. O preconceito é falta de conhecimento e quem não conhece tem medo.”
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BRUXARIA SEM TABU
Giulia Tognoni, 21, atende pelo nome Selena (@sousellena) no meio bruxo, sua religião há cerca de dois anos. A paulistana cresceu com influências da umbanda devido à avó, mas nunca se aprofundou no assunto. Há um ano deparou por acaso com um guia sobre a Wicca, O Livro Completo de Bruxaria, de Raymon Buckland — um dos criadores da doutrina —, e entendeu o fato como um sinal. A religião, de origem pagã, em geral, adora a natureza e seus elementos. Selena segue a vertente de bruxaria eclética, que cultua também deuses egípcios, eslavos e gregos. “Quando comecei a estudar a religião, queria compartilhar meus conhecimentos com alguém, como se estivéssemos em uma sala de aula. Assim nasceu meu TikTok”, conta. Ela acumula 250 000 seguidores em seu perfil com vídeos sobre rituais, elementos sagrados, feitiços, datas comemorativas e outras vivências na bruxaria.
DO SPOTIFY PARA O TIKTOK
Nascido no interior do Amazonas, Cleiton Saraiva (@cleitonsaraiva), seguindo os passos da mãe, começou a cantar aos 9 anos na igreja. A convite de gravadoras, mudou-se para São Paulo em 2010. Sem shows durante a quarentena, o cantor gospel criou um perfil no TikTok para abordar o cotidiano cristão com uma linguagem mais jovem, influenciado pelo humor do amigo e padre Fábio de Melo. “Poucos religiosos não aceitam brincadeiras envolvendo elementos da religião, como as confissões, mas isso torna tudo mais leve”, conta Cleiton. Para ele, a chegada do Papa Francisco trouxe um novo jeito de abordar o cristianismo. “Ele usa um vocabulário acessível que constrói pontes, não muros.” Assim, o cantor acabou conquistando de evangélicos a ateus na plataforma.
ENCONTRO NA FÉ
Ciça Cintra (@cicacintra), 33, é de família católica. Aos 24 anos, começou a ter sintomas de ansiedade, tremor e pesadelos, que não se explicavam em razões físicas. Ela decidiu frequentar um centro espírita na procura de respostas — ouviu que era médium, mas não aceitou por causa do catolicismo. Após anos de estudos sobre o espiritismo, encontrou-se na religião. Com o fechamento dos espaços religiosos devido à pandemia, criou o TikTok para falar do tema. “Eu senti a necessidade de trabalhar a minha mediunidade de alguma forma”, relata. Em seus vídeos, explica a doutrina espírita, cita livros da religião e responde dúvidas. Um deles, em que critica o preconceito ao espiritismo, já passa de 1,5 milhão de visualizações.
JUDAÍSMO NA CARREIRA
Asher Mishaly (@.asher), 32, é estudante de medicina e mistura a profissão com o judaísmo no TikTok. Judeu ortodoxo, desde pequeno frequentava aulas de rezas judaicas e entrou para o coral da sinagoga. Passou a cantar em casamentos judeus aos fins de semana até o começo da pandemia. Atualmente atua como chazan (cantor e orador) em cultos. Asher conta na plataforma que, para ele, o símbolo da medicina (bastão envolto por uma cobra) foi retirado do livro de Moisés, líder religioso, que cria uma serpente de bronze enrolada em uma haste com o poder de cura. “Em todos os vídeos eu uso o quipá (peça usada na cabeça) junto ao jaleco branco. Carrego a religião em todos os âmbitos da vida.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 28 de julho de 2021, edição nº 2748