Irmãos Gullane expandem produtora audiovisual e preparam grandes estreias
A empresa celebra ‘grande ano’ com lançamento de ‘Motel Destino’, série de Ayrton Senna e documentário de Milton Nascimento
![Família de sucesso: Fabiano e Caio Gullane, na sede da produtora](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/VEJA-SP_GULLANE_14.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
É um caso raro na história do cinema nacional. Dois irmãos, filhos de educadores, lançaram-se por conta própria no mercado cinematográfico e consolidaram-se como fundadores de uma das maiores produtoras brasileiras de audiovisual. Fabiano e Caio Gullane, 53 e 51 anos, acumulam no currículo créditos em mais de sessenta filmes, quarenta séries e vinte documentários.
Entre os destaques estão Carandiru (2003), de Hector Babenco, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), de Cao Hamburger, Que Horas Ela Volta? (2015), de Anna Muylaert, e Bingo: o Rei das Manhãs (2017), de Daniel Rezende.
A produtora que leva o nome da família celebra as conquistas deste ano. Em 2024, inauguraram um novo ciclo da empresa com a formalização de um conselho administrativo e um departamento intitulado Gullane+, destinado à distribuição de obras brasileiras país afora.
![Premiere of “Motel Destino” at the 77th International Cannes Film Festival Equipe de Motel Destino em Cannes, em maio deste ano](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/Motel_Destino-Gullane-Divulgacao.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
E, nos próximos meses, lançam Motel Destino (2024), de Karim Aïnouz, que estreou no Festival de Cannes como concorrente à Palma de Ouro, um documentário sobre Milton Nascimento, uma série sobre Ayrton Senna, na Netflix, e a animação Arca de Noé, inspirada no álbum homônimo de Vinicius de Moraes (leia mais ao fim do texto).
“Estamos considerando este como o grande ano da produtora”, afirma Fabiano. “É especial, pois celebra nossa trajetória e parcerias”, acrescenta Caio.
Este é o ano também do início das gravações do novo longa de Cao Hamburger no segundo semestre. O projeto será baseado na história real de uma escola em Heliópolis. Escrito por Thayna Mantesso, Cao e Tom Hamburger, Escola sem Muros vai falar sobre a importância da educação para transformar a vida dos alunos e da comunidade em volta. No momento, está em fase de formação de elenco e equipe.
![Making of de Goleiro filme de Cao Hamburger Rodando 'O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias', de Cao Hamburger](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/Copia-de-BL-cd-11-MO-20.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
![QUE HORAS ELA VOLTA.jpg Bastidores de Que Horas Ela Volta?, com Regina Casé](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/QUE-HORAS-ELA-VOLTA.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
O sucesso não aconteceu da noite para o dia. Antes mesmo da produtora existir, a dupla ganhou experiência e construiu seu nome.
Criados no bairro da Vila Mariana por professores, eles viviam imersos nas artes e no entretenimento desde pequenos. “Íamos ao cinema todo sábado”, conta Fabiano. Com a morte prematura do pai, ainda na infância, tiveram de adquirir maturidade cedo. Saíram de casa perto de completarem 18 anos de idade e foram cursar cinema na Faap.
Apesar do sucesso atual, Caio brinca: “Escolher o cinema naquela época foi uma irresponsabilidade. Era uma terra arrasada”. A cena era: meados dos anos 1990, Fernando Collor havia acabado de extinguir as políticas de fomento ao setor.
![90s – Caio e Fabiano (2) Arquivo pessoal.jpg Caio e Fabiano nos anos 90, no início da carreira](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/90s-Caio-e-Fabiano-2-Arquivo-pessoal.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
![90s – Caio e Fabiano Arquivo pessoal.jpg Irmãos Gullane no início da carreira](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/90s-Caio-e-Fabiano-Arquivo-pessoal.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
Na faculdade, criaram laços que perduram até hoje, como a amizade com a cineasta Laís Bodanzky. “Fomos construindo junto com o setor. Se um era chamado para uma produção, convidava o outro para participar também, e vice-versa”, conta Fabiano. “O Caio sempre mais performático, eu com uma câmera na mão.”
Os dois viabilizaram cerca de vinte curtas e alguns documentários. Após o lançamento de Cartão Vermelho (1994), Laís convocou “os meninos” para produzir Bicho de Sete Cabeças (2001), mas dessa vez com a assinatura própria de uma produtora. O CNPJ foi oficializado em 1996.
“Desde então, não desgrudamos”, comenta Laís. “Eles sempre me deram toda a liberdade para criar, além de estarem sempre disponíveis. Para uma diretora, faz toda a diferença. Lembro de ligar em certas ocasiões e chorar para eles ao telefone por causa dos problemas de alguma produção. Além de excelentes produtores, virara grandes amigos.” A cineasta observa uma sintonia entre os dois e descreve-os como competentes e generosos.
![ENCRNAÇÃO DO DEMÔNIO(1).jpg Paulo Sacramento, Zé do Caixão e Caio em set de 'Encarnação do Demônio' (2008)](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/ENCRNACAO-DO-DEMONIO1.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
O intuito da Gullane sempre foi “dedicar à comercialização das obras a mesma energia da produção”, descreve Fabiano. “Estamos prontos para qualquer projeto. Você inventa, a Gullane vai atrás”, comenta Caio.
A escolha do sobrenome da família não veio de cara. Em um primeiro momento, os dois consideraram nomear a empresa em homenagem à cidade do pai, Bargi, na Itália, mas tiveram a ajuda especial de um padrinho, o cineasta Carlos Reichenbach (1945-2012), para chancelar. “Ele falou: ‘Vocês são irmãos. Todo mundo chama de irmãos Gullane. Põe Gullane’”, conta Caio, imitando a voz grave do diretor.
A empresa teve sua primeira sede na sala de uma casa na Vila Mariana. Havia apenas quatro mesas, uma para cada irmão e as outras para visitas. Depois, aumentou para a casa inteira. Com o tempo, ocupou quase todas as seis construções da vila. Hoje, toma conta de um edifício de quatro pavimentos na Vila Leopoldina, com um puxadinho de dois andares nos fundos.
![FestivalVeneza2008_3filmesconcorrendo Arquivo pessoal.jpg Os dois irmãos no Festival de Veneza, em 2008](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/FestivalVeneza2008_3filmesconcorrendo-Arquivo-pessoal.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
Enquanto Fabiano cuidava da busca por recursos, Caio pesquisava locações, participava de testes com o elenco e batia ponto no set para resolver problemas de última hora. Esse contato direto com as gravações rendeu grandes histórias.
Uma delas foi a filmagem de Carandiru, que pôde ser realizada no Pavilhão 2 do extinto presídio, com a autorização do então governador Geraldo Alckmin, enquanto as outras alas estavam em funcionamento. “É raro passar em uma rua da cidade e não ter filmado lá”, afirma Caio.
O envolvimento e companheirismo dos dois nas produções permanece, mas agora em uma posição executiva. Eles se tornaram pais e buscam equilibrar a liderança da Gullane com a paternidade. A essência familiar persiste. “Eles continuam aqueles mesmos dois garotos da faculdade de cinema”, analisa Danilo, o irmão mais novo, de
48 anos. “Sempre fomos muito próximos, são grandes exemplos para mim.”
![Cópia de Captura de Tela 2024-07-03 às 18.17.23.png Caio com o comediante Jerry Lewis (1926-2017), que fez parte do elenco de 'Até que a Sorte nos Separe 2' (2013)](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/Copia-de-Captura-de-Tela-2024-07-03-as-18.17.23.png.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
![O TRAIDOR(2).JPG Fabiano (à dir.) com o cineasta italiano Marco Bellocchio, diretor de O Traidor (2019), que também concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/O-TRAIDOR2.JPG.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
Formado em Letras, ele deixou a carreira acadêmica de lado e foi “seduzido” pelo fazer cinematográfico com a sua proximidade da Gullane. Atualmente, coordena o departamento de documentários, prospecção de projetos e desenvolvimento com talentos.
Há ainda outros dois sócios da Gullane: Debora Ivanov e André Novis. “Fabiano e Caio têm uma paixão pelo cinema e uma alegria contagiante”, diz Debora, à frente da Gullane+ e do conselho de administração. “São duas pessoas muito criativas, que você quer ter como amigos.”
Junto do trabalho dos Gullane, o setor também amadureceu. “O momento hoje não poderia ser melhor”, acrescenta Debora. “Somos filhos da política pública. A Gullane começou pequenininha, lá nos anos 90.” Desde então, houve a criação da Ancine, do fundo setorial e de leis de incentivo.
![BINGO(1).png Vladimir Brichta e Daniel Rezende na filmagem de 'Bingo'](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/BINGO1.png.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
Fabiano aposta: “Em breve, vamos viver o melhor momento da indústria audiovisual brasileira”. Os motivos são o conjunto de políticas públicas favoráveis, o trabalho em parceria com grandes players e a discussão no Congresso para a regulação da operação das plataformas.
Apostar em novos talentos em uma hora oportuna segue sendo uma veia da Gullane. “Nós nos conhecemos quando eu era montador, e eles foram os primeiros produtores que realmente quiseram investir em mim como diretor”, conta Daniel Rezende, diretor de Bingo. “Sempre senti deles um respeito muito grande comigo e outros diretores. Dá para ver no olho como eles amam audiovisual.” Além de colegas de trabalho, tornaram-se amigos.
Os dois irmãos põem em perspectiva essa trajetória como o processo de realização de um filme, um trabalho coletivo, que demanda profissionais diversos. Caio resume: “É uma empresa familiar, que construiu uma família”.
Projetos do ano
Motel Destino
![Cena de ‘Motel Destino’ Cena de 'Motel Destino', de Karim Aïnouz](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/05/unnamed-2.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
Thriller erótico do diretor cearense Karim Aïnouz, que concorreu na competição oficial do Festival de Cannes e foi filmado inteiramente no Ceará. Estrelado por Iago Xavier, Nataly Rocha e Fabio Assunção, o longa acompanha um estabelecimento de beira de estrada que vira palco de jogos de desejo e poder quando se cruzam os caminhos de um jovem rapaz, recém-saído de uma instituição socioeducativa, e uma mulher aprisionada em um relacionamento abusivo.
A Gullane já vendeu o filme para quase vinte países. Estreia em 22 de agosto no Brasil.
Milton Bituca Nascimento
![BITUCA 1A Gullane Divulgação.jpg Cena de 'Milton Bituca Nascimento'](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/BITUCA-1A-Gullane-Divulgacao.jpg.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
Depois da turnê de despedida do artista carioca em 2022, a diretora Flávia Moraes juntou-se ao filho de Milton, Augusto, e ao produtor musical Victor Pozas para pensar em um documentário musical e homenagear o ícone da música brasileira em vida.
A ideia é mostrar para o Brasil e o mundo o tamanho de Milton fora do país. Tem previsão de estreia para o segundo semestre. A Gullane produziu em 2020 uma série sobre o Bituca, disponível no Globoplay
Senna
![SENNA 2 Alan Roskyn Netflix Gabriel Leone, como Ayrton Senna, na série da Netflix](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/SENNA-2-Alan-Roskyn-Netflix.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
A série protagonizada por Gabriel Leone, sobre a vida do ídolo da Fórmula 1, vai estrear na Netflix até o fim do ano. É um dos grandes destaques da Gullane, pela proporção do lançamento e pela força mundial do personagem. Fabiano afirma que se trata da maior série da plataforma feita no Brasil, do ponto de vista de investimento e alcance.
Foi dirigida por Vicente Amorim, codirigida por Júlia Rezende e filmada em quatro países. Para os irmãos, a empreitada chega para selar os esforços de internacionalizar as produções brasileiras. O desejo de contar a história de Senna é antigo e já foi concretizado na animação Senninha.
Arca de Noé
![ARCA DE NOÉ 1 Gullane Divulgação Cena de 'Arca de Noé'](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/ARCA-DE-NOE-1-Gullane-Divulgacao.jpeg?quality=70&strip=info&w=650)
“É a animação brasileira mais ambiciosa da história”, define Fabiano. A inspiração veio do álbum de canções infantis lançado pelo poeta e compositor Vinicius de Moraes em 1980. A animação 3D, com coprodução da Índia e em parceria com VideoFilmes e Globo Filmes no Brasil, conta a história de ratinhos que se aventuram para salvar o mundo.
Reúne gravações inéditas de Adriana Calcanhotto, Chico César e mais. O elenco de dubladores é protagonizado por Rodrigo Santoro, Alice Braga e Marcelo Adnet e traz também Ingrid Guimarães, Lázaro Ramos, Heloisa Périssé e Bruno Gagliasso. Já foi vendida para setenta países e será lançada em novembro.
![WhatsApp Image 2024-07-11 at 18.40.55 Capa da edição 2901](https://vejasp.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/07/WhatsApp-Image-2024-07-11-at-18.40.55.jpeg?quality=70&strip=info&w=650)
Publicado em VEJA São Paulo de 12 de julho de 2024, edição nº 2901