“Eu me apaixonei pelo homem que me assaltou”
Nosso Louco Amor: Lana Saldanha conheceu seu marido, Emerson, em um assalto em 2018. Eles estão casados e ela espera sua saída da prisão
“Não me chame de doente, porque não sou. Eu me apaixonei pelo Emerson Barbosa, 33, quando ele me abordou dentro do meu carro de carga numa tarde de agosto de 2018. Tenho minha própria empresa, em Barueri: uma pequena frota de cinco Fiorinos que faz entregas de produtos farmacêuticos. Quando eu estava indo à penúltima farmácia, entrando no veículo, ele abriu a porta do passageiro, sentou-se ao meu lado, pediu que eu ficasse quieta, não mexesse no celular e continuasse dirigindo. Em nenhum momento mostrou estar armado e me garantia que nada iria acontecer comigo. Eu obedeci e seguia o caminho que ele indicava. Nervoso, Emerson olhava constantemente para trás e para os retrovisores. Quando se tranquilizou, fitou-me com calma. Nesse breve momento senti que o olhar dele foi diferente. Ele viu a foto das minhas três filhas no quebra-sol e me perguntou se eu era casada ou tinha namorado. Disse estar solteira. Segui dando voltas por uma hora, até ele me pedir que parasse, pegasse meus pertences e saísse. Deu-me 20 reais para pegar um táxi de volta para casa. Interessado apenas na carga, pediu meu número para me devolver o carro depois. Passados apenas trinta minutos, ele me chamou no WhatsApp e avisou onde tinha deixado o veículo.
Recuperado o Fiorino, mandei uma mensagem agradecendo. No dia seguinte ele me mandou um ‘bom-dia’, perguntou se eu estava calma e se podia continuar com meu contato. E eu disse que sim. No próximo dia, ele continuou mandando perguntas e conversávamos como se o assalto nunca tivesse acontecido. Quinze dias de conversa depois, ele me ligou quando eu estava no salão arrumando o cabelo. Perguntou-me se eu ia sair e, por trabalhar demais, expliquei que não saía para me divertir, e sim me arrumava pra ficar em casa. Ele duvidou e eu o provoquei a ver pessoalmente, mandando meu endereço. Logo depois, Emerson apareceu na portaria do meu condomínio, onde passamos a noite conversando. Avisei que a única maneira de ‘sairmos’ seria ele trabalhando comigo, começando às 4 da manhã, e com uma única condição: não colocar as mãos em nenhum objeto. Eu, achando que ele não queria nada com a vida, o encontrei esperando na portaria antes do expediente. Ele amou, dizia que era um mundo que não conhecia e, por um mês, aparecia todas as manhãs para repetir o ‘encontro’.
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Quando decidiu me pedir em namoro, aceitei e deixei a chave de uma Fiorino na mão dele. ‘Você quer mudar de vida? Esta é a sua chance’, disse a ele. Minha família sempre o aceitou e, apesar de ter perdido amigos no trabalho quando souberam o jeito que nos conhecemos, ganhei os amigos dele. As pessoas acham que o que senti foi um distúrbio, que confundi ter medo com amar, mas não tenho dúvida de que gosto dele. Nós nos damos tão bem que nunca sequer brigamos! Assistimos a Bonnie e Clyde — Uma Rajada de Balas e achamos a história parecida com a nossa. Fizemos juntos uma tatuagem com referência ao filme no braço esquerdo e escrevemos o nome um do outro acima do peito. Ele nem me chama mais de Lana, só de ‘Bonnie’.
Meses depois, Emerson reuniu a família e toda a comunidade de Jaguaribe, em Osasco, e se ajoelhou com uma aliança comprada com o próprio dinheiro. Casamos no civil em 2019, mas não deu tempo de casar na igreja. Ele foi preso preventivamente em decorrência de outro assalto no passado, no qual foi reconhecido. Emerson está no pavilhão disciplinar, estudando e trabalhando na cozinha, sem faltas e com bom comportamento. Se condenado, poderá pegar até seis anos de prisão. Contratei um advogado, mas, se ele errou, tem que pagar, não é? Por causa da pandemia, desde março não o vejo pessoalmente. A penitenciária só permite chamada de vídeo de cinco minutos. Eu e minhas filhas, Victoria Beatriz, 15, Maria Luiza, 10, e Lucy Helena, 4, lhe mandamos cartas pelo correio. Ele solicitou o reconhecimento de paternidade socioafetiva delas. Emerson é brincalhão, simpático e adora as crianças. Por não ter tido educação formal, ainda fala muita coisa errada, mas gosta de aprender e ser corrigido. Ele espera, um dia, transformar nossa história em um livro.
Quando fizemos um curso para noivos, lembro do padre dizendo que ‘o casamento é como frescobol’ porque cada um tem que buscar a bolinha e os dois, juntos, não podem deixá-la cair. Para confortá-lo na prisão, escrevo nas cartas que ‘o jogo sempre será frescobol’. Tudo que ele queria era conhecer alguém que mudasse a vida dele e, graças a Deus, Emerson sairá de lá uma outra pessoa.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700.