Bruno Gouveia: “O cenário musical virou um teatro de absurdos”
O vocalista do Biquini Cavadão critica uma época em que, segundo ele, vídeos engraçadinhos fazem mais sucesso que a poesia
“Hoje o que faz sucesso é o vídeo novo do YouTube com um cara desafinado falando palavrão”, resume Bruno Gouveia, 45 anos. O vocalista do Biquini Cavadão, uma das bandas mais populares dos anos 80, presume-se, não está satisfeito com o cenário musical brasileiro.
A crise, segundo ele, não afeta apenas o pop-rock. “O grande problema é que estamos hoje numa sociedade completamente maniqueísta, que só consegue ver as coisas através da dicotomia. Ou você é a favor do casamento gay, ou contra”, ataca. Não parece, mas o disco novo de sua banda traz canções ora dançantes, ora românticas, no clima despretensioso de hits como Timidez e Vento Ventania.
A fase nostálgica do grupo – desde 2001, ele lançou quatro discos com reprises de sucessos antigos e apenas um de inéditas – termina aqui. Em Roda-Gigante, o novo trabalho, há apenas uma regravação (Agora É Moda, do repertório de Rita Lee) e um desejo de mostrar um rock que “vá além do entretenimento”, como afirma o band-leader.
VEJA SÃO PAULO: O disco novo tem a participação do Lucas Silveira, vocalista do Fresno. O Biquini Cavadão influenciou as bandas dessa geração?
BRUNO GOUVEIA: Todo grupo que escreve boas letras bebe naturalmente dessa fonte da década de 80. Não quero menosprezar nenhuma outra década, mas foi uma conjunção astral ter Humberto Gessinger, Cazuza, Renato Russo, Plebe Rude numa mesma época… É uma conjunção muito forte. De uma forma ou de outra, contribuímos para esse processo todo.
Vocês se sentem presos aos anos 80? No nosso show, a gente toca três músicas do Biquíni dessa época. Aí depois tocamos várias da década de 90. E da década passada. Não sinto essa cobrança não. Se as pessoas cobrassem muitas coisas dos anos 80, isso significaria que não estaríamos fazendo boas músicas hoje. Não é o que acontece.
O Biquíni Cavadão conseguiu renovar o público? Tem muito quarentão que vai aos nossos shows, mas não é o público principal. Às vezes, quando saio pra jantar, encontro fãs que ouviam a banda nos anos 80. Eles dizem que adoram as músicas, falam o nome de todas, mas aí avisa que não vai poder ir ao show porque tem que cuidar do bebê, ou porque quer ficar em casa… Nos shows, não sei mais se são os pais que estão levando os filhos ou se são os filhos que estão levando os pais.
É mais difícil fazer sucesso hoje do que nos anos 80? A diferença toda é que hoje existe uma distorção do campo da realidade no que diz respeito a sucesso. As pessoas associam sucesso a alta visualização. Da mesma forma que sexo foi a palavra mais procurada na web nos anos 90 e mp3 nos anos 2000, hoje tudo que é engraçado ou tosco é extremamente propagado. Só que as pessoas passam adiante coisas que são ruins. Isso cria uma distorção tremenda. Os programas de TV acabam querendo chamar aquela pessoa que deu toda aquela visualização. As agências contratam aquelas pessoas. Mas será que é isso que queremos ver? Será que é esse tipo de música que as pessoas querem ouvir? Quando a gente começar a compartilhar poesia, bandas legais, acho que tudo vai melhorar.
Você é otimista em relação ao cenário musical brasileiro? O cenário está acomodado porque a música é só entretenimento. Já vimos isso acontecer. É comum quando o país que se entorpece e acha que está tudo bem. O grande problema é que estamos hoje numa sociedade completamente maniqueísta, que só consegue ver as coisas através da dicotomia. Ou você é a favor do casamento gay, ou contra. É possível que haja alguém a favor do casamento gay e que vote no Renan Calheiros, entende? Hoje, ou você é a favor do casamento gay, ou é homofóbico. Cadê os tons de cinza? A música tá um pouco nessa monocultura: ou você é sertanejo, ou você não faz sucesso.
E haveria uma solução para esse estado de coisas? Acho que na medida em que a gente começar a ouvir as músicas mais como poesia e menos como trilha sonora de entretenimento, vamos ter um crescimento bom. Há coisas boas sendo feitas, o Los Porongas, o disco do Caetano novo. É importante que a gente entenda: a produção (de música) não parou, o que parou foi a percepção das pessoas em relação à produção. É um teatro de absurdos.