DJ K, que ganhou destaque internacional, prepara novo álbum de funk
Dos bailes paulistanos para a Europa, trajetória do artista é retratada em documentário que será lançado neste mês
“Há poucos meses que comecei a viver do dinheiro da música”, explica Kaique Alves Vieira, o DJ K. O artista de 22 anos que mora em São Bernardo do Campo vive uma fase de notoriedade desde que lançou em julho o álbum Pânico no Submundo.
O disco ganhou destaque após receber uma avaliação positiva no conceituado site americano Pitchfork e levou o jovem a cinco países da Europa. K, expoente do estilo de funk chamado de bruxaria, mais comum na favela de Heliópolis, na Zona Sul, prepara um novo álbum para o próximo mês e, ao mesmo tempo, um documentário que o acompanhou nos últimos dois anos ganha forma e será lançado no fim de janeiro.
O jornalista e pesquisador GG Albuquerque, 28, conheceu K em 2022, quando pesquisava para o doutorado que ele desenvolve na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). O estilo de som do rapaz chamou a atenção de Albuquerque, que também buscava um tema para desenvolver um projeto cinematográfico ao lado do documentarista Felipe Larozza, 37.
“Quando encontramos o K, percebemos uma figura única enquanto artista e também como personagem”, explica Albuquerque sobre a produção, batizada de Terror Mandelão. O funk bruxaria está dentro do guarda-chuva do mandelão, o estilo dos bailes de favela. “Cada baile tem o seu tipo de mandelão. O bruxaria é o do Heliópolis. Ele dialoga com gêneros da música europeia e americana que remetem a um cenário de terror”, explica Thiago de Souza, 34, o Thiagson, pesquisador de funk e doutorando em música na USP.
O que caracteriza o bruxaria são os agudos e graves intensos e distorcidos, em faixas como Beat Distorce Mente. As letras retratam o desejo sexual e são explícitas.
O pesquisador GG Albuquerque foi quem apresentou o som do artista para o selo Nyege Nyege, de Uganda, na África, que resolveu lançar o álbum que deu notoriedade ao DJ de São Paulo. O filme acompanha o artista nos shows fora do país.
O mergulho no processo criativo de K, que acumula 300 000 ouvintes no Spotify, é um dos elementos principais do longa-metragem. A produção estreia no dia 21 de janeiro na Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais, e pode percorrer outros festivais posteriormente.
Enquanto produzia o Pânico no Submundo, Kaique Vieira passava por momentos difíceis. “Estava com aluguéis atrasados e só comia miojo”, lembra K. O contato com o mundo artístico começou cedo. “Meu tio tinha uma banda e eu o acompanhava em todo canto”, explica ele, que aprendeu a tocar diversos instrumentos.
O funk veio durante um curso técnico de mecânica. “Meus colegas me levavam para os bailes e percebi que queria fazer músicas para os paredões”, conta K, que chegou a trabalhar como mecânico, vendedor de roupas e ajudante de eletricista.
A carreira musical começou há quatro anos, quando aprendeu a produzir e a mixar. Chegava a criar uma música por dia. “E aí eu comecei a tocar no Heliópolis”, lembra. “É um som voltado para momentos de euforia”, conta o DJ, que entre raves na Europa se apresentou também em festas de música eletrônica paulistanas, como a Mamba Negra.
Na equipe do DJ K, Cleyton Wreyjam, 32, o MC Zero K, também é retratado no documentário. O rapaz de Diadema divide o tempo entre o trabalho em uma fábrica de tintas e a equipe dos shows do amigo.
Nos últimos quinze anos, Zero K escreveu dezenas de canções até emplacar um sucesso lançado pela produtora Bruxaria Sound, recém-fundada por K, o funk dos Raul Bigode. “Depois de tanto tempo, levava isso como um hobby, não esperava”, conta. Uma faixa como essa, com quase 4 milhões de reproduções no Spotify, rende cerca de 7 000 reais por mês aos autores.
“O Zero K representa a quantidade infinita de MCs das quebradas que estão tentando fazer a música virar”, conta Larozza. O filme também ensina passinhos de dança para curtir o som. “O K entrou junto com a gente no processo criativo”, explica GG.
Um novo álbum do DJ será lançado em fevereiro. “O nome será O Fim. Passa por temas como a guerra entre Israel e Palestina, a onda de calor, o que está acontecendo no mundo. Comecei a produzir quando estava na Polônia e quis trazer a essência do funk mandelão, porque é para tocar na favela e também atingir outros públicos”, almeja.
Publicado em VEJA São Paulo de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875