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“O povo não merece entretenimento vazio”, diz Débora Nascimento

Atriz inicia 2023 como protagonista de minissérie da Netflix, celebra set de gravação predominantemente feminino e relembra origem na Zona Leste

Por Barbara Demerov
Atualizado em 28 Maio 2024, 09h13 - Publicado em 6 jan 2023, 06h00

Nascida em Suzano e criada na Vila Matilde, na Zona Leste, a atriz Débora Nascimento, 37, virou o ano fazendo sua estreia no streaming. Ela interpreta Miranda, uma hacker praticante do voyeurismo, na intrigante minissérie Olhar Indiscreto.

A produção da Netflix também traz Emanuelle Araújo no elenco e uma extensa equipe feminina por trás das câmeras — incluindo uma profissional que auxilia em cenas de sexo a fim de deixar os atores mais seguros e confortáveis. Débora reflete sobre o impacto desse apoio e destaca sua vontade de desconstruir a imagem de “mulher bela”.

Em Olhar Indiscreto, você é uma voyeur e Emanuelle é uma acompanhante de luxo. Acha que o streaming dá mais liberdade que a TV aberta para mulheres complexas?

Fui recebida pelo streaming com um diálogo aberto. É tudo muito direto, da construção do personagem ao entendimento do roteiro. Eu me vi com mais liberdade na troca, sem tanta imposição de hierarquia. Acredito que isso exista na TV aberta; eu só não vivi isso no período no qual trabalhei lá. Mas existe a possibilidade de a TV criar conteúdos tão interessantes quanto o streaming vem trazendo. É uma questão de foco e disponibilidade. Não é mostrar o que o público quer ver — o público vê o que a gente mostra. Temos de oferecer cultura de qualidade. A gente não pode subestimar e dizer que “ninguém vai entender” tramas e personagens complexos. O povo não merece entretenimento vazio.

A série foi criada pela argentina Marcela Citterio e tem direção geral de Luciana Oliveira. Como foi estar em um set feminino?

Um sonho. Eu sou intensa, sensível, me debulho em lágrimas mesmo. Eu transbordo. E ver um set com uma mulherada potente, que faz seu trabalho tão bem, foi emocionante. A energia pulsava. Nos dedicamos por muitos meses e não foi fácil, mas foi uma experiência única. Este é o meu primeiro projeto para o streaming e ter essa sensibilidade trouxe potência à série.

Sente que o público está mais predisposto para entender que o sexo pode ser parte do enredo?

O público vai receber a história com um olhar mais maduro, sim. O projeto não tem pretensão de educar ou selecionar quem vai assistir. A série não é sobre o sexo. Não é sobre corpos nus, objetificação ou pornografia: é sobre o desejo que passa pela mulher e pelo homem também. Mas os homens foram criados para achar que o desejo é apenas focado no órgão sexual. As sutilezas do sexo e da sedução também fazem parte do masculino.

Houve preparação para as cenas mais picantes da série?

Cada ator estudou as cenas de forma particular, com coreografia. Cada um de nós teve um cuidado prévio com uma coordenadora de intimidade — foi a primeira vez em que a Netflix trouxe esse profissional que fica no set acompanhando as cenas de sexo. Barbara Harrington se formou na área e veio com uma bagagem imensa, mostrando que tudo é uma questão de diálogo e de saber quais são os limites. Basta um olhar para ela saber quando não estamos confortáveis. Não é só gravar uma cena de sexo; existe um estudo de roteiro para que cada cena de intimidade seja única, ao lado da direção e da equipe de som e fotografia.

Comparando com seus trabalhos prévios, ter o apoio desse tipo de profissional faz muita diferença?

Faz. Mas sabe o que mais fez diferença? Minha maturidade. Eu ter consciência, hoje, de quem sou. Isso me deixou mais segura para me posicionar com relação àquilo em que acredito. Pensei várias vezes que, se eu tivesse um coordenador de intimidade antes, teria sido muito mais suave. Eu teria evitado conflitos internos. Sendo nova na carreira, você acaba ficando vendida no jogo. Queria que tivesse isso no passado. Fico feliz que a gente evoluiu. Eu sempre prestava atenção ao que estava acontecendo comigo e com parceiras e parceiros. Muitas vezes eu virei e falei: “Tá tudo bem?”, porque é um espaço diferente. Não de inversão (porque os homens nunca sentirão na pele o que a mulher sente), mas de observar o que está ao redor.

Você nasceu em Suzano e morou na Vila Matilde. Como foi iniciar sua carreira fora do Centro de São Paulo?

Minha primeira infância foi em Itaim Paulista, bem ZL. Depois, fui para a Vila Matilde, que não deixa de ser Zona Leste. Minha mãe costuma dizer que é “um pouquinho mais para cá”, perto do Centro. Tenho o maior orgulho de ser de São Paulo. Sobre a carreira, eu sempre fui introspectiva. Fui adaptando para deixar a timidez em um lugar separado. Com 15 anos, meu avô me inscreveu em um concurso de modelo. Passei e comecei a trabalhar, mas, na verdade, sempre quis estar na TV — eu ficava grudada na tela vendo Silvio Santos e Faustão. Como não tinha muito acesso à informação de como entrar ali, meu retorno financeiro como modelo pagou meus cursos de atuação.

Foi assim que começou a atuar?

Sim. Parei de viajar como modelo para me aprofundar em cursos extensos, me dedicando em tempo integral às artes cênicas. Entendi que estava tudo dentro de mim. Eu ouvia que era apenas bonita e achava que não era boa o suficiente. Mas, aí, assisti ao filme Monster — Desejo Assassino, com Charlize Theron, que mudou minha percepção. Quero fazer personagens que desconstruam o estereótipo de mulher bela. Em 2019, fiz o filme Pacificado. Corri atrás e disse ao diretor que aquela personagem de periferia era eu. Com Miranda, ganhei outro presente. Quero passar para Bella, minha filha, que a mulher pode ser quem quiser.

Mantém contato com a região onde nasceu?

Super! Hoje eu moro no Rio de Janeiro, mas passei o Natal com a minha mãe, levo Bella para a ZL. Adoro passear com ela no Parque do Carmo. Ter sido criada na Vila Matilde, pegado metrozão… Meu primeiro carro eu até rebaixei. Ninguém imagina, mas eu não sou uma patricinha do Leblon.

2023 acaba de começar com um novo presidente. O que acha de Margareth Menezes no Ministério da Cultura?

É uma mulher negra, uma artista inteligente… Eu estou muito feliz! É uma diferença gritante que acalenta. Traz mais uma esperança. Acho importante nos mantermos sempre vigilantes, mas agora com afeto no coração.

Publicado em VEJA São Paulo de 11 de janeiro de 2023, edição nº 2823

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