Curadora comenta sucesso de mostra sobre Tarsila do Amaral em Paris
Cecilia Braschi celebra o êxito da primeira temporada do projeto, que abre, agora, no Museu Guggenheim, em Bilbao, na Espanha

De Bilbao, na Espanha, onde conduz a montagem da exposição Tarsila do Amaral — Pintando o Brasil Moderno, que abriu nesta sexta (21) no Museu Guggenheim, a curadora Cecilia Braschi celebra o êxito da primeira temporada do projeto, no Museu de Luxemburgo, em Paris. Foram 123 000 visitantes entre outubro do ano passado e o início de fevereiro, uma média de 1 000 por dia, a imensa maioria de franceses. “Espero que a mostra tenha ajudado a construir uma visão menos superficial e estereotipada sobre um país de dimensões e complexidade imensas. E que desperte o desejo de conhecer outros artistas, protagonistas de uma modernidade que ainda é pouco explorada na França”, declara.

Primeira grande retrospectiva dedicada à pintora na Europa, a exposição tem o mérito de revelar sua produção menos conhecida. Além das obras disruptivas ligadas aos movimentos Pau-Brasil e Antropofágico, dos anos 1920, os franceses descobriram a dimensão política e militante dos anos 1930, o gigantismo onírico da década de 1940 e a geometria quase abstrata de suas composições tardias. Não sem alguma polêmica.
Em meio ao intenso debate contemporâneo sobre as questões identitárias, o legado de Tarsila, filha de aristocratas paulistas e educada à francesa, foi posto em xeque por artistas brasileiros que vivem em Paris, como Fabiana Ex-Souza, cuja obra tem no racismo um tema recorrente. Na programação paralela à exposição, dois dias inteiros de debate foram dedicados exclusiva mente ao quadro A Negra, de 1923.

Segundo Cecilia Braschi, essa reflexão se impôs naturalmente. “Cada exposição é uma oportunidade de redescobrir um artista à luz do nosso tempo e das questões que nos atravessam.” Para a curadora, o debate sobre identidade é tão urgente no Brasil e na França que seria impensável deixar passar essa chance de diálogo. “Tarsila é frequentemente associada à ideia de brasilidade, e ainda há muito espaço para debater esse conceito, que é por natureza aberto e em constante ressignificação”, acrescenta.
O conceito modernista de antropofagia cultural, que exalta a capa cidade do brasileiro de criar algo novo a partir da absorção de influências estrangeiras, também foi amplamente debatido durante a mostra, em palestras e artigos na imprensa parisiense. A editora L’extrême Contemporain acaba de publicar uma nova tradução do professor Eduardo Jorge de Oliveira para o Manifesto Antropofágico e para mais dois textos em que Oswald de Andrade aprofunda suas ideias sobre o hibridismo cultural. “O paradigma da antropofagia foi fundamental para o pensamento decolonial, e não só na América Latina, oferecendo um ponto de partida poderoso para repensarmos a própria definição de cultura”, analisa Cecilia.
Fluente em português, Cecilia Braschi tem doutorado em história da arte na Universidade Sorbonne e, antes de se dedicar à obra de Tarsila, realizou trabalhos sobre arte latino-americana para instituições do porte do Centre Pompidou, também na capital francesa. Ela considera Tarsila uma artista profundamente paulistana: “São Paulo foi a primeira cidade que conheci no Brasil e me fez descobrir um país muito diferente da imagem convencional que costuma circular na Europa. Diversas de suas facetas aparecem na obra de Tarsila”, observa.
Para ela, o sucesso da mostra, do filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, da minissérie Senna e do funk de Anitta não representa apenas uma nova onda de interesse pelo Brasil: “Já faz tempo que o cinema e a música brasileiros conquistaram seu espaço na França”.
Olhar eurocêntrico
Sem argumentos, crítica inglesa tacha de “fraca” a arte brasileira
Grande estrela da mostra que segue agora de Paris para Bilbao, Tarsila também integra a exposição Brasil! Brasil! A Origem do Modernismo, em cartaz na Royal Academy of Arts, em Londres. A crítica Laura Cumming, do jornal The Observer, desdenhou do “verde brilhoso” das palmeiras e do rosa das favelas em suas obras, além de questionar a seleção para a mostra de artistas como Candido Portinari e Alfredo Volpi.
O artigo foi classificado nas redes como arrogante e desinformado, recebendo réplica de João Portinari, filho do pintor, publicada no UOL. Curiosamente, os tons vibrantes que incomodaram Cumming são justamente o que distingue Tarsila da produção artística europeia dos anos 1920: ao adotar os matizes do Carnaval carioca e da religiosidade popular de Ouro Preto, ela afrontou as lições de seus mestres franceses e inaugurou o debate decolonial nas artes visuais do Brasil.
Publicado em VEJA São Paulo de 21 de fevereiro de 2025, edição nº 2932.