“O que aconteceu com o coelho?”, ponderei enquanto pesquisava debaixo dos telhados de ovos de chocolate em um supermercado 24 horas do bairro de Pinheiros. São bonitos os ovos. Gosto de ficar ali examinando-os. Sou adepto de frequentar o supermercado em horários alternativos. Ninguém me incomoda ali. Caso você não saiba, há ovos com brinquedos e sem. De sabores amazônicos. De todas as cores. Alguns são caros e outros são ainda mais caros. Tem ovo com Batman, Homem-Aranha, Barbie e o Ben 10. Como escolher?
Os festejos da Páscoa ficaram por minha conta neste ano. É a primeira vez que isso acontece. Não tenho opiniões estruturadas a respeito da festa. Quer dizer, sou a favor, claro. Mas, diferentemente do que acontece com o Natal, o Carnaval e o aniversário dos filhos, minhas noções de como celebrar a data são confusas e desinformadas. Tenho apreço grande, por exemplo, pelo Batman. Deu vontade de adquirir seu ovo. Mas qual seria o papel do super-herói ricaço e deprimido nos festejos da ressurreição de Cristo? Não me é claro.
Resolvi estudar antes de adquirir os apetrechos da festa. Afinal, eu não entendia sequer direito o simbolismo do coelho, nem dos ovos. O bacalhau, tudo bem. Conheço seu papel. Mas coelho, como se sabe, não bota ovo.
Na Wikipedia aprendi que a Páscoa coincide com festas mais antigas, pré-cristãs, dedicadas à chegada da primavera no Hemisfério Norte. Comemoram a explosão de vida trazida por essa estação exuberante do ano. Tanto o ovo como o coelho são símbolos de fertilidade. Do ovo sai milagrosamente um ser. As coelhas conseguem emprenhar mesmo grávidas. Reproduzir que nem coelho é uma expressão tão antiga quanto andar para a frente, de acordo com a internet.
A história da ressurreição de Jesus, escrita depois, se encaixou bem nessas tradições. Tal como acontece com toda a natureza nesta época do ano, Cristo volta à vida. A presença dos ovos se reafirma também por um motivo prático. Em alguns lugares e épocas, comê-los era proibido durante a Quaresma, o período de abstinência que antecede a Páscoa. Eles se acumulavam, portanto. Sobravam ovos. Colori-los e escondê-los das crianças era uma forma divertida de dar baixa no estoque durante os festejos do fim de semana santo.
No século XVI, ao descobrir o império dos astecas na América e, com ele, o cacau, os europeus tiveram a ideia de substituir os ovos de galinha por outros, mais gostosos, feitos de chocolate. Esse costume sobrevive ainda hoje. Firme e forte, aliás.
Mas o coelho está ameaçado, me parece, ao menos aqui em São Paulo. Pode ser falta de empenho meu. Não vou dizer que fiz uma pesquisa sistemática. Mas não o encontrei nas lojas durante as minhas andanças. O coelho da Páscoa anda sumido. Seu papel é cada vez menor.
Como falar dele sem mostrá-lo em chocolate? Falta iconografia. Isso me preocupa. Na minha cabeça, quem esconde os ovos é o coelho. A melhor parte da festa da Páscoa é ver as crianças procurando os ovos escondidos. A mescla de encanto e surpresa na cara delas ao encontrá-los é de uma poesia rara, sem igual.
Na falta do coelho de chocolate, vou eu mesmo esconder os ovos neste ano. Meu caçula, Sammy, já tem 9 anos. Não consigo mais convencê-lo da existência de coelhos com atributos mágicos. Pensei até em comprar tão somente ovos do Homem-Aranha e dizer que foi ele quem nos visitou na madrugada e os escondeu. Mas a descrença, temo, seria ainda mais forte. Bem, na falta de um coelho de chocolate, talvez seja o caso. Batman, concluí, nada tem a ver com a Páscoa.
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