Coletivos de fotografia retratam cotidiano sem estereótipos
Grupos de artistas registram imagens de cidades brasileiras através do Instagram — sem filtros
“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” parece ser a inspiração dos paulistanos que curtem fotografia — arte feita à la Glauber Rocha. “Cada lugar que a gente olha dá uma foto. Tiro foto da rua, de lugares, objetos, coisas”, diz Stephanie Fonseca, estudante de Rádio e TV, logo após fotografar alguns quadros expostos na Casa #hellocidades, galeria de artes implantada temporariamente na Vila Madalena (Zona Oeste de São Paulo) em novembro, que fez parte de um projeto que estimula novas vivências nos centros urbanos Brasil afora.
A criação de coletivos de fotografia e a rede de conexões que eles promovem foi tema da oficina que aconteceu no espaço no dia 17 de novembro, com enfoque no projeto Everyday Brasil, tocado pela fotógrafa e curadora Ivana Debértolis desde 2014. Inspirado no original Everyday Africa, fundado pelos norte-americanos Peter DiCampo e Austin Merrill, o projeto tem como intenção expor o cotidiano dos países sem recorrer a estereótipos e clichês típicos como fome, miséria e destruição.
Pouco a pouco, projetos semelhantes foram surgindo em vários países, cidades e até bairros, usando como plataforma básica o Instagram. A equipe que trabalha com Ivana é composta de cerca de 40 colaboradores fixos, que também auxiliam no processo de curadoria, além de colaboradores circulantes que enviam fotos com a hashtag #everydaybrasil e podem ser repostados pela conta oficial.
“Uma das partes mais legais é a rede de conexões que surge do projeto. Como publicamos do país todo, acabamos conhecendo pessoas de vários estados, ficando amigos, gerando contatos”, conta Ivana. “Vários fotógrafos desconhecidos ganham visibilidade. A gente mora em São Paulo e acha que as coisas só acontecem aqui, mas o Brasil é enorme e tem fotógrafo em todo lugar, com histórias incríveis, emocionantes.”
Para ser um fotógrafo em potencial, não é mais necessário gastar uma fortuna em câmeras profissionais. A crescente qualidade dos celulares facilita essa parte. A chamada mobgrafia, ou fotografia mobile, já desponta entre os fãs da oitava arte pela possibilidade de tirar fotos, cortar e editar em questão de minutos, no mesmo aparelho. “Não é exigência que a foto que entre no projeto seja de câmera profissional. Não deve ser algo pensado, o que importa é a imagem”, explica Ivana.
“Adoro fotografia, o aplicativo que eu mais acesso é o Instagram. Eu não tenho câmera, então faço tudo com o celular. Talvez seja um segmento que eu possa trabalhar no futuro”, conta Stephanie Fonseca, cujo depoimento prova o potencial que a fotografia tem de conquistar novos praticantes.
Visibilidade
“Morar em São Paulo me faz gostar dessa dinâmica de cidades”, diz Filip Calixto, jornalista e estudante de fotografia que também passou pela Casa #hellocidades durante a apresentação do Everyday Brasil. No dia anterior, Filip havia participado de um outro bate papo no local, em que conheceu projetos de crítica social por meio de intervenções urbanas. “Acho que cabe à fotografia registrar esse tipo de coisa, e quem sabe alertar a população a respeito de algumas mazelas que a gente acaba não percebendo no cotidiano”, diz.
Projetos como o Everyday Brasil são parte de uma visão mais autêntica sobre o país, fora de uma retratação superficial que por vezes corre o risco de cair no estereótipo. “Nas fotos de favela, procuramos sempre mostrar o dia a dia dessas comunidades dentro de sua realidade além da violência e da pobreza. Temos crianças brincando, pessoas trabalhando ou se divertindo”, diz Ivana. Manifestações políticas, festas populares (como o Círio de Nazaré, maior festa religiosa do país, que reúne 2 milhões de pessoas em Belém, no Pará, no mês de outubro), ou a vida dentro de comunidades indígenas são outros temas sempre presentes nas postagens.
Retratar e dar visibilidade ao cotidiano (quase) invisível é mote de um sem fim de coletivos de fotografia espalhados pela cidade e pelo país. Projetos como o SP Invisível, que fotografa e conta a história de pessoas em situação de rua em São Paulo, o R.U.A., focado em fotojornalismo e fruto das manifestações de 2013, ou o SelvaSP, coletivo de fotografia urbana, retratam o cotidiano sob as lentes de seu propósito: dar visibilidade a questões sociais, retratar momentos políticos importantes, ou ressaltar o que a rotina não deixa enxergar.
“Quero que o Everyday Brasil, com o tempo, se torne um projeto referência de pesquisa sobre o Brasil e sobre a fotografia que é produzida no Brasil. Queremos expandir o conhecimento sobre o país, sem filtros, e dar visibilidade a esses fotógrafos e fotógrafas. Queremos falar sobre as pessoas, como elas vivem, os lugares, as fragilidades, o que deu certo, o que ainda não deu certo”, diz Ivana.
A ideia de que cada um, com o próprio celular, pode acrescentar sua experiência a essas narrativas é bem vista por Filip, mas com suas limitações: “Tenho que tomar cuidado em manifestações [políticas]. Se eu não estiver credenciado como jornalista, posso correr algum risco”, explica. “Eu faço mais aquilo que está na minha alçada, como fotografar o cotidiano de um bairro, de uma escola de samba, de um projeto social.”
Para ele, o papel da fotografia atual é justamente estender a busca por liberdade de expressão. “Isso é um desdobramento da voz que a internet deu para as pessoas”, pontua.
Descubra aqui tudo que rolou na 8ª Mostra SP de Fotografia e na programação da Casa #hellocidades na Vila Madalena. Participou de algum evento? Publique suas fotos nas redes sociais com a hashtag #hellocidades. Também vale registrar outras cenas urbanas de São Paulo que fogem dos estereótipos. Para saber mais sobre sua cidade, acesse hellomoto.com.br.