Conheça o primeiro centro de pesquisa de línguas indígenas em São Paulo
Iniciativa dos Museus da Língua Portuguesa e de Arqueologia e Etnologia da USP vai estudar duas regiões que concentram quase oitenta línguas

Mais de 160 línguas e dialetos são falados pelos povos indígenas brasileiros. A região chamada de Guaporé-Mamoré, na fronteira entre Rondônia e a Bolívia, concentra 51 deles e é considerada uma das maiores áreas indígenas multilíngues do Brasil. Este é o foco inicial de pesquisa do recém-inaugurado Centro de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas, uma ação do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE) em parceria com o Museu da Língua Portuguesa (MLP).
Trata-se da primeira iniciativa do gênero em São Paulo e vai atuar em três tripés: pesquisa e documentação, liderada pelo MAE; construção de um repositório digital gratuito, com imagens e gravações sonoras dos povos estudados; e difusão cultural, comandada pelo MLP. “É uma coisa nova, porque juntamos a universidade com uma instituição que não é acadêmica, essencialmente, mas que faz exposições de alto nível e produz conhecimento de qualidade também. A gente tem que fazer um esforço de comunicação que vá além da academia e esse formato vai nos permitir estabelecer essas formas de diálogo”, resume Eduardo Neves, diretor do MAE e coordenador do projeto junto com Renata Motta, diretora-executiva do MLP. Ela detalha: “Vamos promover uma série de iniciativas para apresentar, para o público geral e para as próprias comunidades, o resultado dessas pesquisas e os conhecimentos científicos relacionados às línguas e às culturas indígenas, com a produção de exposições — tanto na nossa sede quanto itinerantes —, oficinas e workshops. Já temos um primeiro seminário previsto no mês de novembro, que vai girar em torno das línguas de fronteira”, adianta.

Os trabalhos começam em julho, quando será liberado o financiamento de 14,5 milhões de reais da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Além da região Guaporé-Mamoré, outra área de pesquisa do projeto nos próximos cinco anos será a região das Guianas, também fronteiriça, com 26 línguas em seu território. “O centro está sendo criado para dar conta de todas as línguas do Brasil. A gente vai começar com esses dois focos porque são urgentes no momento. São as regiões mais diversas e menos conhecidas. As outras duas que são multilíngues, o Alto Xingu e o Alto Rio Negro, já são mais estudadas por iniciativas anteriores”, explica a linguista Luciana Storto, que vai comandar as pesquisas ao lado da antropóloga Maria Luísa Lucas.
Para encurtar a distância entre São Paulo e a Região Norte, os pesquisadores que vão trabalhar nas terras indígenas são aqueles que já atuam nelas há muito tempo, incluindo profissionais estrangeiros. “A equipe que eu montei é de pessoas que já têm autorização para trabalhar em terra indígena e boas relações com os povos”, explica Luciana. “Vamos fazer essas parcerias com as comunidades indígenas através de nossos pesquisadores, e ouvir delas o que gostariam de fazer que ainda não foi feito.” Unindo linguística, arqueologia e antropologia, a expectativa dos coordenadores é levantar hipóteses sobre como foi a ocupação dessas regiões antes da chegada dos colonizadores. “É importante fazer o registro das línguas, mas ele tem que ser claramente acompanhado de pesquisas antropológicas que nos deem o entendimento não só do registro fonético, mas também do contexto no qual aquele vocabulário é utilizado. Isso é novo no âmbito do estado de São Paulo e da USP”, explica Eduardo.

O centro de documentação abrirá processo seletivo para catorze bolsistas de graduação e pós-graduação e cinco bolsistas técnicos. A intenção é dar prioridade para as candidaturas indígenas. Uma meta é trabalhar em cooperação com as comunidades indígenas de São Paulo. Na capital, há territórios em locais como Jaraguá e Parelheiros. O projeto também bebe da fonte de iniciativas semelhantes no país, com as quais estabeleceu parceria: o Museu Emílio Goeldi, em Belém, e o Museu Nacional dos Povos Indígenas, no Rio de Janeiro.
Em 2015, Eduardo e Luciana tentaram começar um estudo similar de documentação de línguas indígenas, que não avançou por falta de financiamento. Alguns anos depois, em 2022, a colaboração entre o MAE e o MLP teve início, com a exposição Nhe’e Porã: Memória e Transformação, realizada no Museu da Língua Portuguesa com objetos do Museu de Arqueologia e Etnologia. Com os olhos (e ouvidos) do Brasil e do mundo voltados para a Amazônia, o centro de pesquisa chega em boa hora.
Publicado em VEJA São Paulo de 20 de junho de 2025, edição nº 2949.