Aos 84 anos, ela é uma das principais ativistas da música erudita no país
Cecilia Ribeiro formou gerações de pianistas na Fundação Magda Tagliaferro, agora sob a batuta da Cultura Artística
Em uma orquestra, os naipes de cordas e sopros podem ser numerosos. No caso do piano, porém, só há espaço para um músico, o solista. A dificuldade para chegar ao posto é proporcional ao fascínio gerado pelo som das teclas do instrumento. “O piano é perfeito, não precisa de acompanhamento”, diz a paulistana Maria Cecilia Itiberê Ribeiro da Silva, de 84 anos. Seu nome chegou a aparecer com destaque em programas de récitas no Teatro Municipal e no Cultura Artística. Mas foi nos bastidores da Escola e Fundação Magda Tagliaferro que ela se firmou como uma das principais ativistas da música erudita no país.
Filha de dona Aida (batizada em homenagem à ópera de Giuseppe Verdi), Cecilia teve uma infância regrada e estritamente musical que em pouco lembra a rotina variada de aulas de inglês, natação e judô de muitas crianças de hoje. Acordava às 5 da manhã para praticar Schumann, seu compositor favorito, antes de pegar o ônibus para a escola.
Com 18 anos, a dedicação ao dedilhado a levou a Paris, onde tocou para Marguerite Long, sumidade na área. Na volta, sua professora recomendou-lhe que procurasse a pianista franco-brasileira Magda Tagliaferro (1893-1986), cuja academia, fundada em 1940, já tinha formado alunos ilustres, como Neusa França e Heitor Alimonda.
Também havia instituído aqui o conceito de “aulas públicas”, as master classes. “Com Magda, não existia isso de ‘esconder um truque’. Se soubesse a melhor forma de executar uma obra, ela a ensinaria”, recorda Cecilia, que fez sua estreia ao lado da mestra, em 1953, com Konzertstück, de Carl Weber.
Os constantes elogios da mentora não a fizeram decidir-se por seguir a profissão. “Eu queria construir uma família e então me casei”, diz. Ela manteve a agenda de apresentações em três das quatro gestações, mas optou por se dedicar ao lar, dividido com o marido, o engenheiro Fábio Ribeiro da Silva, há 61 anos, e a trabalhos sociais.
Dois anos antes da morte de Magda, a ex-aluna foi convidada a integrar a direção da escola ao lado da presidente Leda de Figueiredo Ferraz. Juntas, montaram programas para alavancar a educação musical e manter viva a memória da fundadora. “Cecilia sempre foi muito prática, não tinha medo de pegar o telefone e ligar para quem precisasse para pôr um projeto de pé”, lembra Fábio Caramuru, que comandou recitais periódicos no Masp e no MuBE. “A única exigência dela era que todos os projetos levassem o nome da Magda.”
O quadro de tutores incluiu Zilda Cândida de Santos, Armando Fava Filho e Flávio Varani. “Não fiz nada sozinha”, afirma Cecilia. Sem lutar por protagonismo nem assumir a cadeira de professora titular, ela se tornou uma espécie de “olheira” de talentos.
Lucas Thomazinho, hoje com 23 anos, ingressou no curso com 7 anos. “A Cecilia andava pelos corredores da escola, e, quando ouvia de longe um estudante com dificuldade, corria para auxiliá-lo nos movimentos”, conta Thomazinho. Para a mestra, a capacidade de reconhecer talentos tem mais a ver com a emoção do que com a razão. “Quando a criança leva jeito, a gente só sente”, diz.
Seu sexto sentido a levou a incentivar destaques como Ronaldo Rolim e Fabio Martino. De 2010 a 2012, a fundação chegou a ter 44 estudantes por ano. “Nosso coração era bem aberto, conseguíamos vagas para muitos bolsistas”, lembra. As doações sustentaram o trabalho por muito tempo. Ela se lembra com carinho, por exemplo, de um senhor que em seu aniversário de 70 anos pediu aos amigos que trocassem os presentes por colaborações — e obteve 70 000 reais para investir no ensino de música.
Em 2013 as atividades da escola foram encerradas, e, no ano seguinte, a Sociedade de Cultura Artística entrou como parceira para manter as bolsas de estudos, que hoje contemplam 42 alunos. Neste segundo semestre, a fundação vai se transformar em Instituto Magda Tagliaferro. “A Sociedade de Cultura Artística dará continuidade ao legado de Magda, já não consigo fazer isso sozinha”, explica Cecilia.
Enquanto não sai do papel o sonho de ver compiladas todas as técnicas de Tagliaferro, Cecilia conserva o espírito romântico e mantém as hábeis mãos ocupadas. Todos os dias, pega o carro e dirige sozinha para a escola onde tem aulas de caligrafia. “Quero fazer convites de casamento.”