Café Piu Piu: 40 anos de resistência e música no Bixiga
Conheça a história e os funcionários da casa de shows que continua no mesmo endereço, sob a mesma direção e preservando o mesmo espírito
No Café Piu Piu, as paredes são decoradas com lembranças de viagens de família e presentes de amigos. Os funcionários colecionam décadas de casa. Os administradores são uma mãe e seu filho. E o imóvel, uma construção que resiste há quarenta anos no mesmo número 134 da Rua Treze de Maio, no Bixiga, região central de São Paulo.
“Quando tem show na cidade, o pessoal tem a referência do Café Piu Piu no Brasil inteiro. Teve show do Coldplay, veio gente do Amazonas, do Nordeste, dizendo que ouviu falar daqui”, conta Paulo Lustig, 50, que hoje é quem administra a casa de shows de perto.
Apaixonado por rock, o carro-chefe do lugar nos últimos anos, o gestor tem sua história misturada com a trajetória daquele espaço — tanto que fez seu casamento no próprio Piu Piu. Ele é filho de Luís Lustig, 84, e Silvia Galant, 76, a dupla responsável pela fundação do estabelecimento.
“A gente nunca foi muito da noite”, diz Silvia, pedagoga de formação, que, em meados da década de 80, deixou a docência na Escola de Comunicações e Artes da USP para gerir o Piu Piu, após se divorciar de Luís.
Foi o engenheiro que, em 1983, transformou o terreno onde funcionava o Teatro 13 de Maio — espaço em que se apresentaram bambas como Jorge Mautner e os Secos & Molhados — na casa noturna que vemos hoje, com a ideia inicial de vender o negócio após pouco tempo de funcionamento.
As janelas de pinho de riga, as pilastras de tijolos, o piso de pedra, a maior parte do interior do Piu Piu foi concebida por ele na construção, usando materiais de demolição recolhidos pela capital paulista.
“Eu arrisquei tudo. Fiz tudo o que queria fazer. E inseri coisas antigas. Não tem nada de original, mas o conjunto é agradável”, comentou, em um raro retorno ao local durante a visita da Vejinha .
Entre os clientes e atrações ilustres que passaram pelo espaçoso salão, vieram mestres da bossa nova — como Johnny Alf (1929-2010) e Roberto Menescal —, ídolos do rock — como Andreas Kisser e Edgard Scandurra —, figuras da televisão — como Alessandra Negrini e Jô Soares (1938-2022) —, e até um ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso.
Quem viu e ouviu tudo de perto foram os funcionários veteranos, como o técnico de som Roberto de Moraes, 53, e a auxiliar administrativa Elioena Chaves, 45.
“Quando os artistas chegam aqui, eles se sentem mais à vontade. Não sei se é a acústica, ou o aconchego de ser um lugar com história”, diz ela, que está há 27 anos na casa e mora a poucas quadras do endereço.
Há 32 anos no estabelecimento, Moraes contou histórias memoráveis com artistas.
“Uma noite, estava tendo um show de blues e chegou um cabeludo com um grupo, vestindo mantos pretos. Era o Alceu Valença e sua banda. Todos subiram para dar uma canja, e tocaram por uma hora. Foi a primeira vez que eu fiz o som de alguém famoso”, lembra Roberto, que começou como garçom e teve a formação bancada por Silvia — histórias como essa são comuns na casa.
“A gente gosta de formar os profissionais”, diz Paulo.
Nem uma pandemia tirou o Café Piu Piu do Bixiga. Sem demissões, a família passou pelos anos difíceis de portas fechadas, arcando com os prejuízos.
“Devagarzinho agora estamos voltando, graças a Deus. A gente passou por tanta coisa, ditadura, hiperinflação, mas a casa sempre sobreviveu. Isso mostra que estamos no caminho certo”, comenta Paulo.
Mesmo há tanto tempo na ativa, as novidades não cessam. Planejam comprar um gerador, depois de a energia cair em uma noite de sábado, e preparam uma programação especial de shows para maio.
Bandas como Almanak, Mr. Legacy e Hot Rocks estão confirmadas. “Sempre fomos avessos aos modismos. E acho que o rock ficou porque é uma coisa atemporal”, diz o administrador.
Para o futuro, está de olho no projeto da Linha 6-Laranja do metrô, que terá uma estação a poucas quadras do Piu Piu. “Isso trouxe ânimo para gente”, diz. “A gente quer que o poder público, assim como nós, cuide do Centro. Nós estamos resistindo aqui há quarenta anos”, resumiu Silvia.
Publicado em VEJA São Paulo de 29 de março de 2023, edição nº 2834
+Assine a Vejinha a partir de 9,90.