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Tudo sobre o C6 Fest 2025, que mantém vivo o legado do Free Jazz em São Paulo

Confira entrevistas com curadores e atrações da terceira e mais concorrida edição do festival, que acontece no Parque Ibirapuera

Por Tomás Novaes
16 Maio 2025, 06h00
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Amaro Freitas em sua casa, em Recife: uma das atrações mais aguardadas do festival (Hannah Carvalho/Veja SP)
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Um line-up em ordem alfabética, com todos os nomes do mesmo tamanho. Duas noites dedicadas ao jazz. Atrações lendárias, como o guitarrista Nile Rodgers com a banda Chic, dividem a programação com o que há de mais contemporâneo, como A.G. Cook, produtor do disco mais comentado dos últimos tempos, Brat (2024), de Charli XCX. Por essas e outras, é certo dizer: o C6 Fest, que acontece nos dias 22, 23, 24 e 25 no Parque Ibirapuera, é um festival sem igual no Brasil.

É a terceira edição do evento com esse nome — mas a sua história é bem mais antiga, começou há exatos quarenta anos, com o Free Jazz Festival, criado pela Dueto Produções, empresa fundada pelas irmãs Sylvia (1960- 1998) e Monique Gardenberg. Na época, a dupla geria a carreira de Djavan e, voltando de um festival de jazz no exterior, tiveram a ideia de criar um evento do tipo no Brasil.

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Show do projeto Dinner Party, em 2024: música de qualidade no Ibirapuera (C6 Fest/Divulgação)

A cineasta e diretora baiana seguiu à frente das versões posteriores do evento, como o Tim Festival e, desde 2023, o atual formato. “A Alexandra Pain, VP de marketing do C6 Bank, era fã do Free Jazz, assistiu a shows históricos. Foi ela que nos procurou para voltarmos”, conta Monique.

Naquele ano de 1985, o festival trouxe nomes como Bobby McFerrin e Chet Baker (1929-1988). “O sumiço de Chet Baker na hora de entrar no palco foi nosso maior susto. Colocamos toda a equipe atrás dele e o encontramos, razoavelmente chapado, sentado na areia da Praia do Pepino, em São Conrado”, relembra a idealizadora.

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Nile Rodgers e a banda Chic: show no domingo (25), às 20h30 (Jill Furmanovsky/Divulgação)

Quatro décadas depois, a mesma curadoria caprichada e proposta intimista dos shows mantém vivo o espírito original. “O festival parece uma fênix, renasce sempre. O eterno retorno… e a sua existência, com a participação de mais de mil artistas ao longo dos anos, marcou a vida de muitas pessoas”, comenta a diretora.

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A expectativa é que mais de 27 000 pessoas compareçam ao evento neste ano — superando o público de 2024, de 25 300 pessoas. Os primeiros dois dias (22 e 23), dedicados ao jazz, na plateia interna do Auditório Ibirapuera, estão esgotados. A separação das atrações em quatro dias é uma novidade, para “garantir uma passagem de som mais tranquila para todas as bandas”, diz Monique.

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Seu Jorge no C6 Fest 2025: domingo (25), às 19h (Divulgação/Divulgação)

Os demais palcos se dividem entre a área externa do Auditório Ibirapuera, onde fica a Arena Heineken, e os entornos do edifício Pacubra, onde fica a Tenda Metlife e o palco eletrônico — assim como no ano passado, será necessário andar um pouco entre as duas regiões, porque a marquise do parque ainda está em reforma.

No time da curadoria, um novo integrante: o músico e produtor Lourenço Rebetez, que se junta a Pedro Albuquerque para pensar a programação do jazz. Em abril do ano passado, o saxofonista Zé Nogueira, curador de longa data do festival, faleceu. “Vim substituir alguém insubstituível. Tem sido um prazer, é mais do que um trabalho, é uma troca permanente”, diz o estreante.

Chrissie Hynde, vocalista da banda The Pretenders: apresentação no sábado (24), às 19h
Chrissie Hynde, vocalista da banda The Pretenders: apresentação no sábado (24), às 19h (Ki Price/Divulgação)
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As demais atrações foram pensadas por Hermano Vianna e Ronaldo Lemos. “A gente namora o Chic há muitos anos, e agora casou que o Nile Rodgers estava em turnê. O que interessou foi o clima do festival, com uma experiência musical mesmo — como a gente brinca, reduzindo ao máximo os perrengues”, diz Lemos.

Em um oceano de ofertas de experiências musicais, com festivais se multiplicando pelo país, o C6 Fest acerta ao oferecer um olhar fresco, em diálogo com os movimentos globais. Claro, sempre com ajustes a ser feitos — como o deslocamento entre os palcos externos e o conflito de horários, que segue neste ano.

A diretora Monique Gardenberg: à frente do C6 Fest
A diretora Monique Gardenberg: à frente do C6 Fest (Chris Von Ameln/Divulgação)
Sylvia (1960-1998) e Monique: fundadoras da Dueto Produções
Sylvia (1960-1998) e Monique: fundadoras da Dueto Produções (Arquivo pessoal/Acervo Dedoc)

“A alma do festival é a nossa inquietação artística e a preocupação em apresentar trabalhos sempre relevantes”, diz Monique. Sobre o futuro do evento, a idealizadora diz que “tudo indica” que o festival vai acontecer em 2026 — “já trabalhamos com essa possibilidade”, conta.

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“É bom que existam festivais gigantes, com centenas de atrações — e até rodas-gigantes —, mas há espaço também para festivais como o C6 Fest, onde tudo gira em torno de criar um ambiente confortável para ver cada show com atenção, só a música no comando”, opina Hermano Vianna.

Confira, a seguir, entrevistas com artistas que mostram os caminhos pelos quais a música levará o público nesta edição do festival.

MUITO ALÉM DAS TECLAS

Amaro Freitas atendeu à chamada no seu hotel em Liège, na Bélgica. Naquela noite, ele se apresentaria em um festival. No dia seguinte tocaria em Nantes, na França. Alguns dias antes, esgotaram os ingressos para a sua apresentação em Turim, na Itália. Até 22 de junho, serão mais dezessete datas pela Europa e pelo Brasil com a turnê do seu disco mais recente, Y’Y (2024) — é uma amostra do alcance do pianista pernambucano, hoje um dos músicos brasileiros mais aclamados mundo afora.

No C6 Fest, sobe ao palco do Auditório Ibirapuera na quinta-feira (22), às 21h40, com um show inédito em formato de septeto, acompanhado por Rodrigo Digão Braz, Sidiel Vieira, Henrique Albino, Alexandre Rodrigues, Beto da Xambá e Sidmar Vieira.

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Fronteiras do som: Amaro Freitas no C6 Fest (Hannah Carvalho/Veja SP)

No repertório, temas de toda a sua discografia, desde o álbum de estreia, Sangue Negro (2016), até o projeto mais recente, influenciado pela cultura amazônica. “Quando cheguei em Manaus, descobri um outro Brasil. Vi uma oportunidade de aprender mais, e, na minha vida, o meu cotidiano influencia de forma direta a minha composição”, conta.

Amaro desenvolveu uma técnica única baseada no piano preparado — o uso de peças entre as cordas para produzir outros sons —, de John Cage (1912-1992), mas com instrumentos e objetos da Amazônia, como sementes e jogo de dominó. “Só que, para mim, uma das coisas mais importantes na música é conseguir comunicar. Não queria que toda essa experiência se tornasse algo experimental, mas que tivesse melodia, harmonia, ritmo”, afirma.

O resultado é uma mistura de influências, de Naná Vasconcelos (1944-2016) ao som das florestas. O disco soa como um mergulho. E o outro lado do álbum é a conexão com a diáspora africana no mundo, com as participações de Shabaka, Brandee Younger, Jeff Parker, Hamid Drake e Aniel Someillan.

De família evangélica, Amaro foi criado na periferia de Recife e conheceu o teclado na igreja. Logo depois encontrou o jazz, a partir de Chick Corea (1941-2021), e, desde então, tudo mudou. “Aqueles moleques da periferia assistiam aos DVDs e achavam aquilo inacessível, e eu, na minha cabeça, dizia: ‘Não, eu quero viver isso aqui, vou correr atrás’”, lembra.

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O trabalho duro rendeu frutos, e Amaro construiu uma sólida carreira internacional. Porém, mais importante que esse sucesso é a maneira como Amaro enxerga a sua arte: com propósito. “Tive a oportunidade de mudar a minha vida através da música, mas percebo que o meio artístico e a fama podem te mudar até demais. O mais importante é continuar seguro daquilo que realmente faz sentido. Qual é a missão, ou é só a grana, a fama, a foto, a capa da revista?”, pensa.

“Adoro tocar rápido, adoro estudar, mas tem que ter algo mais. O artista é muito egoísta, e não era bem assim lá na minha casa, nada era só para minha mãe, meu pai, eu ou minha irmã — tem um pão, tem que dividir em quatro”, completa. Todo esse universo musical e essa identidade artística estarão no palco do Auditório Ibirapuera, no que promete ser um dos shows inesquecíveis do festival.

DISCO PREMIADO

Na sexta-feira (23), às 22h40, no Auditório Ibirapuera, Meshell Ndegeocello apresenta o show do seu disco mais recente: No More Water: The Gospel of James Baldwin (2024), que venceu o Grammy 2024 na categoria de melhor álbum de jazz alternativo.

A baixista Meshell Ndegeocello: show na sexta-feira (23), 22h40
A baixista Meshell Ndegeocello: show na sexta-feira (23), 22h40 (Charlie Gross/Divulgação)

Nascida em Berlim e criada em Washington, a baixista, cantora e compositora homenageia o escritor e ativista americano no seu novo trabalho, envolvendo as palavras do autor sobre temas como direitos civis e sexualidade em arranjos ora dançantes ora contemplativos e jazzísticos.

“O Harlem Stage (instituição de arte em Nova York) me ofereceu uma encomenda para criar um trabalho sobre James Baldwin. Mergulhei fundo no ensaio The Fire Next Time, que mudou a minha vida e me informou com clareza sobre o efeito da supremacia branca e do racismo institucionalizado que existe hoje”, diz a artista, que estará acompanhada no palco por Chris Bruce, Justin Hicks, Jake Sherman e Abe Rounds.

O repertório também terá faixas do disco anterior, The Omnichord Real Book (2023). “Somos uma banda e todos tocamos juntos para o nosso bem-estar. Venham com expectativa e mente e coração abertos”, pede a artista, que começou sua trajetória musical no final dos anos 80 e já colaborou com artistas como os Rolling Stones, Alanis Morissette, Madonna, Chaka Khan e Herbie Hancock.

Na sua carreira solo, mescla hip-hop, funk, soul e jazz, tendo sido um nome importante para o surgimento do movimento neosoul, uma nova geração de artistas do R&B que alcançou sucesso na virada do milênio. Sobre referências na música brasileira, Meshell fala de Hermeto Pascoal: “Estou maravilhada com ele, conheci recentemente”, diz, citando também Fátima Guedes, Caetano Veloso e Milton Nascimento.

“Ela faz um som de vanguarda e transita muito bem entre o hip-hop e o tradicional clássico. É uma tremenda contrabaixista, cantora e compositora de mão-cheia”, resume o curador Pedro Albuquerque.

AQUELE SOTAQUE

Uma das joias da nova geração da música brasileira, Agnes Nunes canta na Tenda Metlife no sábado (24), às 14h30. “Este show está bem especial, vou trazer alguns dos meus trabalhos autorais, como o meu disco mais recente, O Amor e Suas Variáveis, mas também muitas interpretações que carregam mensagens que fazem parte de quem eu sou”, conta.

Agnes Nunes no C6 Fest: show no sábado (14), às 14h30
Agnes Nunes no C6 Fest: show no sábado (14), às 14h30 (Divulgação/Divulgação)

A jovem cantora e compositora baiana, de voz linda e sotaque inconfundível, tem hits como Vê Se Não Demora, Pode Se Achegar e Última Dança. O seu álbum mais recente segue a linha sonora que transita entre a nova MPB e o R&B.

“Cresci sendo extremamente influenciada pela MPB, porque a minha mãe ouvia bastante, e minha vó escutava muito forró pé de serra. O R&B apareceu em uma fase em que eu estava descobrindo o meu próprio gosto, então tenho muito carinho (por ele), pelo rap e pelo jazz também”, conta.

Além do trabalho autoral, Agnes desponta como uma das principais intérpretes da sua geração. “Esses dois lados, cantora e intérprete, conversam muito — compor é uma forma muito bonita de se conectar com as pessoas e mostrar o seu lado mais nu. A interpretação também tem um pouco disso, dependendo da intensidade que você coloca”, comenta ela, que estará acompanhada no palco por sua banda.

Ela ainda conta que planeja lançar um novo EP até o fim do ano. “É algo que eu sempre quis fazer e tem a ver com as minhas interpretações. Vai ter muitas parcerias com gente muito legal”, adianta.

ALTA EXPECTATIVA

Wilco é uma das atrações mais aguardadas do C6 Fest 2025. A banda americana, que toca na Tenda Metlife no domingo (25), às 19h20, mistura rock alternativo, country, pop e é conhecida por músicas como Jesus, Etc., do disco Yankee Hotel Foxtrot (2002), e California Stars, do álbum Mermaid Avenue (1998).

Wilco no festival: apresentação no domingo (25), às 19h20
Wilco no festival: apresentação no domingo (25), às 19h20 (Akash Wadhwani/Divulgação)

A última vez do grupo aqui foi em 2016. “É muito especial voltar, estamos animados. É um desafio logístico e econômico ir para a América do Sul, isso não acontece com muita frequência, o que torna esta viagem ainda mais especial. E também reencontrar os fãs inigualáveis, claro”, diz o vocalista Jeff Tweedy, membro fundador da banda, ao lado do baixista John Stirratt. Nels Cline, Pat Sansone, Mikael Jorgensen e Glenn Kotche completam a formação atual.

“Estamos preparados para tocar músicas de quase todos os discos que fizemos. Às vezes é difícil, porque temos tantos álbuns, mas vamos tentar. Tocaremos algumas coisas novas também”, compartilha Jeff.

O cantor é fã do movimento tropicalista. “Caetano Veloso e Gilberto Gil… tantas grandes músicas, empolgantes, livres”, comenta. Este ano marca exatas três décadas do lançamento do primeiro álbum da banda, A.M. (1995). “Ainda temos entusiasmo em fazer música. Sentimos que trabalhamos bem juntos e, no geral, nos damos bem, acho que melhor do que a maioria das bandas. Não há muito incentivo para parar, e há muito incentivo para gravar novos discos e tocar”, afirma o vocalista.

Nos últimos trabalhos do grupo, algumas letras refletem sobre a sociedade americana, como a música Cruel Country. “Acredito que a criatividade é um ato radical de esperança. Quero dar às pessoas permissão para se sentirem úteis, e não destruírem coisas. Não sei o que posso fazer em relação à atual situação política além de dizer como eu me sinto — estou aqui para lembrar as pessoas de que somos humanos”, define.

A NOVIDADE

Vale a pena chegar cedo ao Ibirapuera no domingo (25). Isto porque, às 15h, na Tenda Metlife, rola o show do disco Maria Esmeralda (2024), de Thalin, Cravinhos, iloveyoulangelo, Pirlo e VCR Slim. É o lançamento mais comentado da cena independente paulistana no ano passado, um álbum de rap com beats únicos e uma narrativa cinematográfica.

Maria Esmeralda no Parque Ibirapuera: show no domingo (25), às 15h
Maria Esmeralda no Parque Ibirapuera: show no domingo (25), às 15h (Lucas Cavallini/Divulgação)

Os cinco produtores e artistas que assinam o projeto estarão no palco, com os convidados Servo, Quiriku, Doncesao, Matheus Coringa e Rubi. Diferente dos outros shows, este trará duas novidades: um trio de cordas e a presença do rapper Zudizilla.

“Estamos conseguindo levar a imersão do disco para o palco, é um show mais introspectivo e contemplativo”, explica Thalin. Olhando o line-up do festival, essa é a chance de conferir o que há de mais contemporâneo na música brasileira.

“A única oportunidade que temos de fazer algo que importa é dialogar com o que está acontecendo hoje. Os gêneros musicais existem também como formas de criação. O jazz seria olhar a música como um idioma, e o rap como uma colagem, por exemplo. A gente usa várias linguagens diferentes, e acho que isso é refrescante”, explica Cravinhos.

É nesse jogo livre de referências antigas e sonoridades atuais que se situa o disco. “Eu diria que Maria Esmeralda é rap abstrato. E carregar essa tocha em um festival como o C6 é muito louco”, comenta VCR Slim. ■

Parque Ibirapuera. Avenida Pedro Álvares Cabral, s/nº. 16 anos. Qui. (22) e sex. (23), 20h. Sáb. (24), 14h30. Dom. (25), 15h. R$ 544,00 a R$ 1 440,00. c6fest.com.br.

Publicado em VEJA São Paulo de 16 de maio de 2025, edição nº 2944

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