Conheça o processo de criação dos brinquedos que alegram a meninada
Da ideia original, passando pela fábrica até chegar às lojas, a elaboração de alguns dos produtos que fascinam novas e velhas gerações
No clássico livro do italiano Carlo Collodi, o boneco Pinóquio foi criado pelo carpinteiro Gepeto a partir de um tronco encantado capaz de falar e se mover. Emília, companheira inseparável da menina Narizinho nas histórias de Monteiro Lobato, ganhou vida pelas mãos de Tia Nastácia, que a confeccionou com “olhos de retrós preto”, e passou a tagarelar depois de engolir uma pílula mágica. Na vida real, em boa parte das vezes, bonecas, carrinhos e jogos são produzidos com base em uma sacada, uma inspiração. Foi assim que nasceu, por exemplo, a Barbie, nos Estados Unidos. Nos anos 50, um grupo de meninas estava entretido trocando as roupas de bonecas de papel quando a mãe de uma delas, Ruth Handler, uma das fundadoras da Mattel, teve uma ideia: criar modelos adultas de borracha. Vestida com um maiô, a invenção chegou às lojas batizada com o apelido da filha de Ruth, que se chamava Barbara.
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Histórias como essa acontecem quase todos os dias nas grandes fábricas de brinquedos. A diferença é que, atualmente, em vez de uma mãe apenas, há uma equipe inteira de especialistas com olhos atentos aos hábitos da molecada. A própria Mattel, à qual também pertence a Fisher-Price, tem um laboratório para desenvolvimento, teste e aperfeiçoamento de produtos nos EUA. É lá, por exemplo, que seus empregados, escondidos atrás de espelhos falsos, observam grupos de crianças brincando, selecionados por faixa etária. Ali eles também reúnem mães eleitas de acordo com o sexo e a idade dos filhos para sessões de bate-papo. E mais: equipes vão até a casa do público-alvo para ver os clientes se divertindo em seu, digamos, habitat. A partir da observação, os designers discutem novos projetos e possibilidades de investimento. “De cada rodada de discussão, tiramos cerca de vinte ideias promissoras”, diz Gary Weber, diretor de design de produtos da Fisher-Price. “Dessas, cinco ou seis resultam em modelos de teste, mas só um ou dois chegam às lojas.”
Outras concorrentes trabalham de forma parecida, como a italiana Chicco, que mantém o Observatório Chicco em Como, uma pequena cidade da Itália, quase na fronteira com a Suíça. Com base nos testes lá realizados, anualmente a empresa renova 40% do seu portfólio. A Lego, inaugurada em 1932 na Dinamarca, realiza até quatro fases de pesquisas antes de lançar um produto. Em várias das etapas, chama crianças e pais para saber a opinião deles e testar as novidades. Foi assim que descobriu, por exemplo, a necessidade de desenvolver uma linha voltada às meninas. Depois de quatro anos de estudos, chegou ao mercado no início deste ano a Lego Friends. Além das peças de encaixar, a linha inclui bonecas.
A Estrela, a maior e mais tradicional fábrica de brinquedos do Brasil, embora não tenha um setor exclusivo para pesquisa, também costuma reunir crianças para testar seus produtos. “Nessas oportunidades, que muitas vezes contam com a presença de um psicólogo, observamos como elas manuseiam as peças, se compreendem as regras dos jogos ou os mecanismos dos brinquedos e, claro, temos insights para novos lançamentos”, explica Aires José Leal Fernandes, diretor de marketing da empresa. Outra fonte de ideias são os serviços de atendimento ao consumidor por telefone ou e-mail. Do total de contatos que a Estrela recebe por tais canais, cerca de 25% são sugestões de produtos. Os funcionários da companhia ficam ainda de antena ligada para o que é tendência no mercado. Um dos lançamentos mais recentes, a boneca Cupcake é fruto desse exercício. “Percebemos que o cupcake estava na moda e criamos algo com o tema”, conta o executivo. O resultado é um bolinho de plástico cheiroso que se transforma em boneca. Faz o maior sucesso.
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Em 2012, a Estrela chegou aos 75 anos com um pé no passado e outro no futuro. Na semana passada, seus diretores anunciaram a criação de um braço de negócios para elaborar games nas plataformas Android (smartphones e tablets), iOS (iPhone, iPod Touch, iPad e iPad Mini), Facebook e Google Chrome. Quatro títulos foram lançados na ocasião (Autorama, Banco Imobiliário, Pula Macaco e Cilada). Os dois primeiros podem ser baixados gratuitamente e os demais custam entre US$ 2,99 e US$ 4,99. Para pôr a ideia no mercado, a empresa, com sede na Vila Olímpia, realizou um investimento de R$ 2,5 milhões. “Queremos criar um novo Angry Birds”, afirma o presidente Carlos Tilkian, referindo-se a um dos jogos eletrônicos mais bem-sucedidos dos últimos tempos.
Ao mesmo tempo em que a companhia avança para ficar mais alinhada ao perfil da indústria do entretenimento do século XXI, em sua fábrica, localizada na cidade de Itapira, a 170 quilômetros da capital, o clima é dos tempos da tecnologia analógica. No local funciona uma das suas duas unidades de produção (a outra fica no interior de Minas Gerais). Ali, uma equipe de setenta operários se encarrega de ressuscitar o antigo Genius, aquele jogo dos anos 80 com uma caixa de plástico em formato de disco voador que contém quatro teclas que emitem sequências de sons diferentes para testar a capacidade de memória dos participantes da diversão. O artigo voltou às prateleiras em setembro.
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Nas peças mais simples, como os botões do produto, é usado o plástico tingido em uma máquina chamada blender a frio, que apenas mistura o pigmento em pó ao granulado. Feito isso, o material vai para grandes máquinas equipadas com os moldes das peças, onde é derretido e fundido no formato desejado. Os passos seguintes são separar cada uma das partes, montá-las, etiquetá-las e empacotá-las manualmente em grandes esteiras. Cerca de 1.000 unidades ficam prontas por dia, ou seja, duas a cada minuto. Impera por lá uma lógica industrial, bem distante do reino da fantasia.
Quando voltam às mãos das crianças para ser testadas, as ideias podem dar origem a um brinquedo diferente. Certa vez, os designers da Fisher-Price pensaram em fabricar um polvo sobre o qual os bebês deveriam se sentar e balançar. O movimento faria com que os tentáculos se movessem. Segundo a concepção dos designers, estaria aí a graça do brinquedo. Ao levar o produto para o laboratório, porém, descobriram que as crianças não davam a menor bola para as habilidades do molusco. “A diversão estava em se balançar”, afirma o diretor Gary Weber. O resultado foi uma zebra com gingado para que as crianças brincassem de cavalgá-la.
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A Grow, outra importante companhia do setor no Brasil, adota modelo de produção semelhante ao da Estrela. Fundada em 1972 por quatro engenheiros recém-formados na Escola Politécnica da USP, a marca despeja 8 milhões de brinquedos no mercado por ano. Na fábrica de 11.150 metros quadrados instalada em São Bernardo do Campo, os funcionários produzem cerca de 26.000 unidades por dia de 300 modelos. Os chamados “cartonados” representam 85% desse total. Nesse grupo, estão desde jogos (como o clássico War ou Imagem & Ação) até quebra-cabeças e baralhos (a exemplo do também lendário Super Trunfo). Os outros 15% são de bonecos — de integrantes da Turma da Mônica a personagens de filmes infantis, como Buzz Lightyear, de Toy Story. A fábrica é dividida em quatro setores. No Vinil, as partes dos brinquedos são moldadas em plástico mole e aquecidas em fornos. Na Pintura, recebem cores em um processo artesanal, jateados um a um.
Na montagem — existem nove linhas simultâneas —, ganham o formato final. A gráfica é o local de onde saem os quebra-cabeças, baralhos, tabuleiros e as embalagens e caixas. Trata-se da única área equipada com alguma tecnologia mais avançada: a máquina de corte dos quebra-cabeças, por exemplo, é programada digitalmente. As demais envolvem um trabalho inteiramente manual, que mantém as mesmas características desde a fundação da empresa, na década de 70.
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Um boneco leva cerca de dezessete horas para ficar pronto na linha de produção a cargo de uma equipe de 600 “Gepetos”. Praticamente todo o material usado nos artigos é criado ali mesmo: a exceção são os mecanismos eletrônicos (que vêm da China) e os tecidos (comprados de outras fábricas brasileiras). Um terço da produção da Grow é renovada todos os anos. O período de escolha da linha para a temporada seguinte (os cerca de 100 artigos que tiveram vendagem baixa e sairão de circulação e os outros que serão incluídos no catálogo) costuma começar em dezembro. “Leva uns seis meses desde o momento em que decidimos criar um novo brinquedo até ele ir para a montagem”, diz a gerente de produto, Paula Bergo. “No caso dos jogos, é mais rápido: metade desse tempo”, completa. E tudo isso, mais uma vez, terminará no trenó do Papai Noel.
“OS PAIS PRECISAM GARANTIR A DIVERSÃO”
Kathleen Alfano, diretora do Playlab, o laboratório de brinquedos da Fisher-Price, nos Estados Unidos, falou a VEJA SÃO PAULO sobre diferenças culturais e o jeito moderno de brincar
A senhora já visitou 36 países e observou crianças brincando em cada um deles. O que há em comum entre elas? Em qualquer parte do mundo, as crianças agem da mesma forma. Os bebês exploram o ambiente e os mais velhos brincam de trabalhar, de cozinhar, de trocar de roupa… É sempre igual. Uma coisa curiosa que observo em todos os lugares é que os pais dão seus celulares aos filhos como se fossem brinquedos porque as crianças gostam de apertar botões, ouvir as músicas e fazer ou observar fotografias. Eles funcionam como objetos de família.
Na sua opinião, o hábito de compartilhar celulares com crianças é bom? Para a indústria do brinquedo, certamente não é. Mas, quando observamos que há uma tendência de as crianças se divertirem com objetos reais, logo criamos uma versão em brinquedo, mais apropriada. Com elas, os pais podem ficar seguros. Se a criança morder o produto, não há problema, pois afinal ele não tem nada tóxico. Se deixar cair no chão ou sujar, também está tudo bem.
A senhora esteve no Brasil recentemente. O que observou de peculiar no jeito de brincar de nossas crianças? Além de bastante ligadas à música e à dança, elas são muito carinhosas umas com as outras. Mais do que em outros países que já visitei. Achei o comportamento muito bonito. Isso deve ser consequência da cultura de vocês, que permite, por exemplo, finalizar cartas de negócios com “beijos e abraços”. Aqui nos Estados Unidos, nós terminamos textos assim, no máximo, com “atenciosamente”. Os pais brasileiros devem ficar muito orgulhosos porque esse aspecto cultural está sendo passado a seus filhos.
Existe algum jogo que seja universal ou que, em sua opinião, resistirá a gerações? Sim, os blocos, as bolas, as bonecas e os veículos, como carros, caminhões e trens. Se você for a museus de brinquedos, em qualquer lugar do mundo, verá esses objetos. É assim há centenas de anos, e aposto que será no futuro.
Em sua opinião, falta algo às crianças hoje em dia? Há 33 anos tenho visto crianças brincarem só pela Fisher-Price. Eu diria que elas continuam se encantando com as mesmas coisas e da mesma forma. Elas riem se fazemos algo bobo como colocar um chapéu no pé e um sapato na cabeça e têm o mesmo senso de humor que venho notando há anos. O que é diferente atualmente são as restrições de tempo na vida delas. Os pais estão ocupados e os filhos também. Mas as crianças dão um jeito para tudo, especialmente quando são menores, e sempre encontram uma maneira de brincar.
Os pais precisam se preocupar em reservar tempo para se envolver nos instantes de entretenimento dos filhos? É bom que se preocupem em garantir esse tempo. Crianças que brincam estão mais preparadas para crescer, para avançar nos estágios do amadurecimento. Ao brincar, elas desenvolvem muitas habilidades, treinam como lidar com problemas que podem eventualmente ter em casa ou questões sobre as quais ouvem no noticiário, por exemplo. E, assim, se preparam para ser adultos melhores. É por isso que os pais precisam garantir a diversão. E o interessante é que nossas pesquisas mostram que os adultos têm controlado o tempo que os filhos gastam com televisão, internet, videogames e outros eletrônicos. As famílias parecem estar conscientes e querer que seus filhos brinquem e sejam fisicamente ativos. Isso é bom.
Qual o papel do brinquedo nas brincadeiras? Ele tem um papel central na história. Com uma fazendinha, por exemplo, a criança pode imitar o som de uma vaca, de uma cabra, fazer de conta que alimenta os bichos, pode movimentá-los e usar tanto a imaginação como referências da realidade. Ela talvez já tenha ido a um sítio ou visto um filme sobre isso. E, graças a tal experiência, pode trazer aspectos do mundo real para a brincadeira e enriquecê-la. Se o produto não estivesse ali, a criança também brincaria, mas não haveria uma interação tão rica entre a verdade e a fantasia. Ao trazer aspectos da vida cotidiana para o mundo da fantasia, o brinquedo dá ferramentas para que a criança se divirta de forma mais profunda e desenvolva a imaginação, permanecendo por mais tempo naquele momento lúdico e mais entretida pela atividade.