Aplaudido por seis minutos no prestigiado Festival de Berlim, na Alemanha, e contemplado com um prêmio especial do júri para a dupla de atrizes principais em Sundance, nos Estados Unidos, um dos principais eventos do mundo da indústria cinematográfica independente, o filme Que Horas Ela Volta? havia atingido uma musculatura considerável antes de estrear no Brasil, na última quinta (27). Em cartaz em mais de 280 salas em 22 países, a história já levou ao cinema 150 000 pessoas na França (onde está com 125 cópias) e outras 70 000 na Itália (setenta cópias). A crítica de jornais como o francês Le Figaro e o espanhol El Pais publicou elogios enfáticos à obra, enquanto o site americano IndieWire e a revista inglesa Screen apostam no título como um dos indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Se isso acontecer, será o primeiro representante brasileiro no prêmio desde Cidade de Deus, em 2004 (as indicações brasileiras de 2015 serão feitas no dia 10 de setembro).
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A obra, em cartaz em 91 salas no Brasil (dezesseis na capital, mesmo número de Homem Irracional, a nova fita de Woody Allen), mostra o reencontro entre uma empregada doméstica que mora no trabalho, vivida por Regina Casé, e sua filha, Jéssica, papel da brasiliense Camila Márdila. Quem está por trás do projeto é a paulistana Anna Muylaert, de 51 anos, que assim se afirma como um dos grandes nomes da direção de cinema no país. Mais velha das três filhas de Celina e Roberto Muylaert, diretor da TV Cultura entre 1986 e 1995, Anna se consolidou na função de roteirista na emissora, não por indicação do pai — ela fazia parte da equipe do apresentador Serginho Groisman. Depois, acabou participando da criação de programas como Castelo Rá- Tim-Bum e O Mundo da Lua.
No cinema, o reconhecimento veio com Durval Discos, vencedor de sete prêmios (incluindo melhor filme e direção) no Festival de Gramado em 2002. Foi uma das roteiristas de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006) e dirigiu ainda É Proibido Fumar (2009) e Chamada a Cobrar (2012). Nenhum deles, no entanto, teve o tempo de maturação de Que Horas Ela Volta?, cujo roteiro vinha sendo elaborado desde 1995. “Reescrevi o texto inúmeras vezes e, só em 2013, cheguei à versão definitiva da história”, diz.
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No estilo de direção de Anna, convivem a pré-produção intensa e o espaço para o improviso. Antes das gravações, prepara um “demofilme” — espécie de ensaio geral rodado em um único dia. Elaborado esse piloto, descarta takes, escolhe enquadramentos e vai para o set com um plano de ação mais enxuto. Quando as cenas são para valer, pode fazer mudanças radicais. Estimula os atores a criar suas falas a partir do roteiro. Para construir a estranha ligação entre as personagens vividas por Camila Márdila e Regina Casé (as duas passaram dez anos sem se ver, segundo o roteiro da ficção), a diretora fez questão de que as atrizes não se conhecessem — o primeiro ensaio tinha um pano preto entre as duas.
Outra constante em sua obra são as citações e os cenários paulistanos — em Que Horas, quase todo ambientado em um casarão no Morumbi, aparecem também a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o Edifício Copan e o bairro do Campo Limpo. Nascida no Alto de Pinheiros, Anna é solteira e vive em uma ampla casa térrea na Lapa, com piscina, cachorro e os dois filhos: José, de 20 anos, do casamento de uma década como músico André Abujamra, e Joaquim, de 15 anos, fruto do relacionamento com um artista plástico (“um namorado de adolescência com quem me reencontrei”). A ex-babá dos dois garotos, Edna Silva, é inspiradora da história que chegou aos cinemas. Filha de uma empregada que veio tentar a vida em São Paulo, ela também passou uma década afastada da mãe. “Chorei o tempo inteiro”, disse Edna (que continua na profissão), após assistir ao filme pela segunda vez.
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Para os produtores, foi surpreendente ver um enredo tão brasileiro conquistar o público lá fora. Inicialmente, temia-se que nuances da personagem de Regina — com gestual e vocabulário tipicamente nordestinos — não fossem entendidas. “Mas embate de classes, terceirização de funções e até do cuidado com os filhos também existem lá fora”, diz o produtor Caio Gullane. Anna, que já tem outro longa filmado (Mãe Só Há Uma, sobre um adolescente transgênero, que lançará em 2016), diz não alimentar expectativas sobre o tapete vermelho de Hollywood. “Não sou nem louca”, brinca. “Mas, se acontecer a indicação, vamos trabalhar para tentar a vitória.”
Sucesso internacional
A repercussão do longa na Europa e nos Estados Unidos
› No Festival de Berlim, ganhou o prêmio de melhor filme segundo o público da mostra Panorama
› No Festival de Sundance, em Utah (EUA): prêmio especial do júri para as atrizes Regina Casé e Camila Márdila
› Em cartaz em 125 salas na França, setenta na Itália e 29 nos Estados Unidos