Com arte em prédios e livros, Aline Bispo valoriza a potência do coletivo
Conheça a história da artista visual, ilustradora e curadora paulistana, que assina a capa da edição especial de VEJA SÃO PAULO sobre lideranças negras
Não me vejo como ativista, mas tenho uma responsabilidade quase social. Meu trabalho não me contempla se eu não conseguir abrir caminhos”, define Aline Bispo, 34.
A artista visual, ilustradora e curadora paulistana, que assina a capa desta edição de VEJA SÃO PAULO, tem a formação cultural e étnica brasileira como grandes temas envolvendo suas criações — de empenas grandiosas em prédios no entorno do Minhocão até capas de livros como o premiado Torto Arado (Todavia, 2019), de Itamar Vieira Junior.
Múltiplo, seu trabalho nasce de uma trajetória diversa, guiada, desde o começo, pela criatividade. Sementes como uma visita ao acervo da Coleção Brasiliana do Itaú Cultural, na Avenida Paulista, e uma aula na escola sobre Salvador Dalí (1904-1989) vieram germinar o seu interesse pela arte na préadolescência, quando começou a ocupar a cidade.
“Eu morava no Campo Limpo e, depois das aulas, comecei a frequentar o Centro com um grupo de amigos. Foram várias descobertas, como o grafite”, relembra. Uma vez formada na escola, passou a conciliar o dia a dia na arte urbana com o curso de design de interiores.
“Queria trabalhar com algo que estimulasse a criatividade. Depois, percebi que era um lugar muito técnico para mim. Eu queria usar aquelas ferramentas de outra forma, então fui estudar comunicação visual”, conta. A relação com a pintura só viria depois, em 2015, ao ganhar uma bolsa para cursar artes visuais no Centro Universitário Belas Artes.
Escolhida como Artista Oficial da última edição do Grammy Latino e atualmente representada pela Galeria Luis Maluf, Aline enxerga o seu sucesso sob um prisma coletivo.
“Esse lugar de alcançar visibilidade é maravilhoso, porque eu gosto de trabalhar, ganhar meu dinheiro e abrir mais portas. Mas quero que outros pares venham junto”, explica.
A coletividade também é o tema da ilustração inédita criada especialmente para a capa desta edição. “Pensei nas potências femininas negras, nesses corpos que estão ocupando diversos espaços”, contextualiza a artista.
A presença da espada-de-santa-bárbara é um detalhe importante da obra. “Ela tem uma característica de força na botânica. É muito resistente e altiva, cresce em direção ao alto. E, dentro dos sincretismos afro-brasileiros, Santa Bárbara é a figura de Iansã, que carrega a potência feminina da luta”, conta.
Para Aline, há questões sociais e raciais que ainda levarão décadas para ser superadas. “Acho que alguns problemas não vão ser resolvidos nos próximos cinquenta anos, e não vou viver muito mais que isso, no campo físico. Então penso naquele ditado africano: ‘Se quer ir rápido, vá sozinho. Se quer ir longe, vá acompanhado’”, diz a artista, que reflete sobre o perigo de estar solitário.
“Tenho medo de um lugar com uma única pessoa no topo. Com qualquer deslize, você pode se deslumbrar ou se ferir. Nós, humanos, temos o direito de nos contradizer, e não quero estar só quando eu errar. Quero ter os meus pares ao lado, para passarmos juntos por esses caminhos”, afirma. ■
Publicado em VEJA São Paulo de 5 de abril de 2024, edição nº 2887