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“Fui para os EUA, e o Chico Buarque pagou a passagem pra ele ir me ver”

Flora Purim, 79, conta a sua história de amor com Airto Moreira, 80; o casal histórico do jazz nacional se despede dos palcos neste mês

Por Flora Purim, em depoimento a Tomás Novaes
21 jan 2022, 06h00

“Ele era totalmente desconhecido e eu estava começando a minha carreira. Tinha um clube chamado João Sebastião Bar, na Major Sertório. Eu fui contratada por esse clube, que tinha quatro grupos instrumentais, e cada um devia ter uma cantora. E o grupo dele caiu pra mim, que era o Sambalanço Trio. Foi assim que nós nos conhecemos.

Era o dia do meu aniversário, eu ia fazer 23 anos. Eu desci ali na Praça Roosevelt, onde estavam dois amigos dele músicos. O Ananias, baterista, apareceu com dois buquês de rosas vermelhas lindas. E o Airto se tocou — ele ficou com ciúme. Ficou uma disputa, três músicos, cada um tentando me levar pra algum lugar.

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Aí o Cláiber (Humberto Cláiber), baixista, me levou pra comer uma pizza. Mas, quando chegamos ao lugar, o Airto já estava lá. Ele me deu um ultimato: ‘Se você não sair comigo esta noite, eu não quero mais falar contigo’. Eu fiquei injuriada com aquilo — mas aceitei.

Fomos para um motel, e nós começamos a conversar pela primeira vez. E ele começou a contar a história da vida dele. Fomos conversando e ficamos a noite inteira. Quando ele abriu a janela, já eram 8 horas da manhã, era dia claro e a gente nem transou.

Imagem mostra um homem e uma mulher abraçados sob uma placa de rua escrita
O casal na Alemanha, em 1993. (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Um ano depois, fomos assistir a um show do Chico Buarque na PUC, quando ele estava proibido de cantar O que será. Quando fecharam as portas do teatro, entraram mais de cinquenta soldados com cassetetes e ficaram em volta do público. Eu lembro que falei pro Airto: ‘Eu tenho 23 anos, começando a minha carreira em um país em que até música de amor é censurada. Eu não posso ficar neste país, eu vou embora’. Como eu e ele não tínhamos um compromisso firme, e eu não tinha nada a perder, fui para os Estados Unidos.

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De lá eu escrevia cartas dizendo ‘Eu conheci fulano, beltrano’, falava cada nome que era de arrepiar. Ele começou a ver que ele não ia poder ficar mais no Brasil — além do mais, ficou com saudade de mim. Ele vendeu a bateria, mas não era o bastante para a passagem.

Então, ele foi atrás do Chico, que estava ensaiando o Roda Viva. Airto contou que eu tinha ido para os Estados Unidos, que ele não aguentava mais de saudade e que não tinha jeito de ir pra lá. O Chico pegou o Airto, botou num Volkswagen, foi até a casa dele na Rua Alagoas e desceu com um bolo de notas de dólar enroladas. 1 000 dólares — naquela época era muito dinheiro.

O Airto começou a chorar, ele nunca tinha visto dólar na vida dele. O (coreógrafo) Lennie Dale contribuiu com outra parte da passagem, e ele chegou a Los Angeles sem avisar. Apareceu lá de surpresa, e eu não estava em casa.

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Ele saiu pelo prédio, perguntando se alguém me conhecia. E a primeira porta a que ele bateu foi a do maestro Moacir Santos. ‘Pois não, você conhece uma moça chamada Flora Purim?’. ‘Claro! Ela tá aqui, vem tomar um cafezinho.’ Aí ele entrou e eu estava lá. Eu fiquei chocada.

A gente sempre foi assim, de fazer amor na música, tocando. Por causa da pandemia, porque estamos trancados aqui há tanto tempo, aconteceu uma coisa incrível: nós nos apaixonamos de novo, com 80 anos de idade. Ele é o meu grande amor.”

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Publicado em VEJA São Paulo de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773

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