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Adriana Varejão: “Não me trato de um fenômeno”

Com três exposições simultâneas no exterior, a artista classifica sua trajetória como consistente e diz que os museus precisam ter mais obras de brasileiros

Por Ana Mércia Brandão
2 Maio 2025, 06h00
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Varejão: carioca é sucesso no Brasil e no exterior (Vicente de Mello/Divulgação)
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O ano está repleto de movimento e brilho para Adriana Varejão, 60. No próximo dia 15, abre Histórias Moldadas na galeria Gagosian, em Atenas, com obras inéditas em cerâmica. Exibe também uma série de pratos de temática amazônica na Hispanic Society Museum & Library, em Nova York, em Don’t Forget, We Come from the Tropics, e, até 22 de setembro, está em cartaz em Entre os Vossos Dentes, no Centro de Arte Moderna Gulbenkian, em Lisboa, em que também é curadora.

Obras de diversos momentos de sua carreira entram em diálogo com as da portuguesa Paula Rego (1935-2022), abordando temas como o corpo feminino e a violência colonial. Na capital paulista, seus trabalhos puderam ser vistos na SP-Arte em abril. Em paralelo, participou da terceira edição do leilão beneficente Arte para Arte, no Hotel Emiliano, organizado por seu marido, o produtor de cinema Pedro Buarque de Hollanda, sócio da galeria Flexa. O evento arrecada fundos para projetos de fomento à arte.

À Vejinha, a artista fala sobre o momento profissional, a valorização milionária de suas obras e como, em uma conversa bem-humorada, ajudou a sogra, Heloísa Teixeira (1939-2025), imortal da Academia Brasileira de Letras, a mudar de nome.

“A taxa de importação de obras de arte no Brasil é uma loucura. É um bem cultural que deveria ser isento de imposto”

 

 

Como está se sentindo profissionalmente?

Fazer muitas exposições ao mesmo tempo é muita correria, nem dá para curtir. Mas me sinto muito ativa. Nunca fiz tanta coisa em um espaço tão pequeno de tempo.

Sobre a exposição em Lisboa, como é falar de colonialismo para os colonizadores?

Os colonizadores já morreram. Ou continuam em todos os lugares, inclusive aqui no Brasil. Não vejo os portugueses mais como os vilões da história. As estruturas moldadas pela colonização marcaram de maneira indelével a nossa sociedade, mas a de Portugal também.

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Hoje, fala-se muito sobre decolonialismo, mas esse é um tema que já muito presente nas suas obras na década de 90. Como foi a recepção na época?

Sentia que ou as pessoas amavam muito, porque era uma coisa muito diferente, ou elas odiavam num grau forte. Internacionalmente, nunca tive críticas muito boas. Eles nem sabiam do que se tratava o pensamento decolonial. Não existia isso. E você tem que ter um pouco de noção da história do Brasil para entender esse trabalho. Existia uma certa alienação nesse sentido.

Isso remete à última pergunta que fiz, sobre colonialismo em Portugal, porque eles podem não ter a mesma visão da história que temos.

A gente tem agora, mas muitos brancos privilegiados brasileiros bolsonaristas não têm. As bolhas estão em todos os lugares. Apesar de que, realmente, ainda existe pouca reflexão decolonial. As pautas não estão como aqui, mas é uma questão de tempo. O Brasil é um país de vanguarda. Estamos adiante em muitas discussões. Mas uma instituição pegar a grande dama da história portuguesa, que é Paula Rego, e fazer uma exposição comigo, uma brasileira, acho uma visão muito ousada, muito legal.

O que mudaria no mercado de arte?

Os museus poderiam ter acervos mais fortes dos artistas brasileiros. Por exemplo, se eu sou um estrangeiro que quer ver a obra do Cildo (Meireles), onde eu vejo a obra dele? Essa coisa do dinheiro privado, das doações para construção de acervo público — a cultura da doação existe pouco no Brasil. Eu gostaria de ver as coleções mais institucionalizadas.

Suas obras são avaliadas na casa dos milhões. A que atribui esse sucesso e a valorização do seu trabalho?

Fica na casa dos milhões no mercado secundário. As pessoas que revendem as obras, muitas vezes, ganham muito mais do que o artista, porque o artista vendeu sua obra barato, a obra valorizou e existe um ágio em cima dessa valorização, em que o artista, pela lei brasileira, não tem participação. Em alguns países o artista recebe parte da valorização da sua obra — adoraria ter, inclusive, acho superimportante. Outra coisa que acho uma loucura é a taxa de importação de obras de arte. No Brasil, é uma das maiores do mundo. Não tem o menor sentido isso. É um bem cultural que deveria ser isento de imposto. Em relação à valorização do trabalho, acho que é porque sou uma artista que tem 60 anos e existe uma consistência grande no que faço. Não estou dizendo que sou uma excelente artista, posso até ser, mas estou falando que sou uma artista consistente, que entrega, que tem uma média de exposições boas, que trabalha há muitos anos com instituições, galerias, está em coleções. Não se trata de um fenômeno. Eu não me trato de um fenômeno. Cheguei aqui ao longo de anos de trabalho e de construção.

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O que mudou no seu pensamento em relação à arte durante sua carreira?

Quando mais jovem, tinha um pensamento mais individual. Hoje em dia, é mais coletivo. Fazia uma atividade monástica dentro do meu ateliê, eu e a arte. Agora, penso nela em termos mais amplos. Me abri mais para outros campos de atuação na arte. Comecei a colecionar artistas jovens, ou orientá-los. Às vezes, fico uma hora e meia no telefone com um artista que não tem a menor ideia de como funciona o mercado de arte.

Qual o principal ensinamento que Heloísa Teixeira te trouxe?

Primeiro, sobre as questões de feminismo, mas isso ela não me ensinou como sogra e sim como intelectual. Como sogra, ela me ensinou esse pensamento mais coletivo. A gente trocava muita ideia. Uma vez estávamos almoçando e ela falava de um trabalho que o Luiz Buarque de Hollanda (seu primeiro marido) tinha comprado, um brasão da família Buarque. E ela: “Essa coisa de nome de família, brasão, acho isso um horror”. Falei: “Por que você se chama Heloísa Buarque de Hollanda até hoje, então?”. “Ia dar um trabalho trocar, todo mundo já me conhece como Heloísa Buarque”, ela respondeu. E eu: “Então vamos trocar agora. Vamos escolher uma coisa matrilinear”, a gente brincou. Teixeira é o nome da mãe dela. Quando assumiu a Academia Brasileira de Letras, ela entrou como Heloísa Teixeira e foi lindo, era o momento de aquilo acontecer. Essa coragem de estar sempre recomeçando é uma coisa maravilhosa. Adoro falar dela, morro de saudade.

Publicado em VEJA São Paulo de 2 de maio de 2025, edição nº 2942.

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