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“A quebrada sobrevive, não está discutindo política”, diz Rincon Sapiência

O rapper fala sobre o single recém-lançado, a paixão por futebol, o clima eleitoral na periferia e os jovens de Itaquera que vai empresariar em 2022

Por Pedro Carvalho
Atualizado em 7 jan 2022, 18h07 - Publicado em 7 jan 2022, 06h00

Rincon Sapiência, 36, criou uma tradição natalina do rap: desde 2016, sempre na véspera do réveillon, o trovador de Itaquera lança um single com canções inéditas. Desta vez, ele soltou O Peso das Barra, que contém duas músicas (De Onde Cê Vem e Serenata). Trechos dos clipes foram gravados na Europa, onde o rapper fez os primeiros shows após o jejum da pandemia.

Você gravou o novo clipe em Cova da Moura, na periferia de Lisboa (com o rapper Timor, de origem caboverdiana). Achou lá diferente das periferias de São Paulo?

Ali é um bairro de imigrantes. No meu imaginário, achei que seria muito diferente daqui. Fui surpreendido. É muito parecido, muito mesmo. O que muda são algumas “configurações”. Aqui, você sai na rua e escuta forró, risca-faca… Lá vai tocar quizomba, música angolana. Mas a energia, o jeito de falar, aquela coisa de todo mundo se conhecer, tudo isso é igual. Passava carro tocando som alto, mas, em vez de funk, era um negão com o vidro aberto ouvindo drill (tipo de rap que ganhou destaque na África). As diferenças são mínimas.

Mesmo na estrutura das casas?

Mesmo nisso. São vielas. As casas têm aqueles portões de ferro com umas curvinhas no desenho, algumas têm tijolo vermelho à mostra, tudo igual ao Brasil.

Você nasceu e ainda mora em Itaquera. Do que gosta no bairro?

Isso é polêmico. Sou da Cohab 1. No meu entendimento, existe um bairro maior, que abriga a Cohab 1, chamado Itaquera. Mas tem gente que diz que Itaquera é só mais para o fundo (da Zona Leste) e que eu moraria no “bairro Cohab 1”. Se eu falar que sou de Itaquera, vão falar que não sou. Aqui cada esquina tem um nome diferente: é vila, jardim… Para mim, a referência é Itaquera.

É duro ser um palmeirense em Itaquera? (Além de torcedor, Rincon fez campanhas publicitárias que envolviam o Palmeiras.)

(Risos) Minha primeira paixão de rua foi o futebol. Para você fazer rap, precisa conhecer a rua, saber quem é quem. O bairro é plural, tem a rapaziada do skate, a malandragem, os roqueiros, o pessoal do samba — e o que aproxima todos os grupos é o futebol. Eu morava em frente à Praça do Morcegão, onde tem os “rachas” (jogos) da quebrada. O que me deu a coletividade do bairro foi o futebol. O futebol me fez conhecer a rua, e conhecer a rua me deu conteúdo para fazer rap. E, com esse amor pelo futebol, foi inevitável gostar do Palmeiras do início dos anos 90, daqueles times do Luxemburgo… O rival (Corinthians) é a grande potência do bairro, mas a gente tira onda com isso e fica tudo na boa.

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Você ainda joga?

Tem um time do qual sou aliado aqui no bairro, o Santa Rita. Tem dois (times de futebol) society que eu frequento, um aqui no bairro e outro no centro, onde joga uma rapaziada da música. Na minha idade, vale pela diversão, pelas risadas… Se quiser triunfar bonito, já não rola muito.

Você cantou no aniversário de 130 anos da Avenida Paulista, em dezembro. Qual a sensação de levar o rap para aquele símbolo da cidade?

Ali (no evento) eu estava muito no alto, em uma sacada altíssima… O público estava meio longe. Eu, cantando, sou um cara muito visual, entro na energia das pessoas. Ali, foi difícil. Ao mesmo tempo, achei interessante, porque circula muita gente na Paulista. De repente, podem ter escutado meu som. É um perfil diverso, pessoas que não estão próximas da minha realidade.

O clipe novo teve 120 000 visualizações no lançamento (dados de 28 de dezembro, hoje passa de 525 000). Outros singles que lançou em finais de ano chegaram a 35 milhões. A estratégia ainda dá certo?

Esses versos livres (rap sem refrão) de final de ano cumprem algumas funções. Servem para sintetizar coisas que aconteceram no ano, por exemplo. Sobre os números, estão ótimos, são mais de 120 000 visualizações em três dias. A tendência é aumentar com o tempo. A estratégia de lançar os singles de final de ano vai continuar, sim.

Neste ano, pela primeira vez, você vai lançar artistas pelo selo musical que fundou em 2018, a MGoma (até agora dedicado só à carreira de Rincon)?

Sim, acabamos de assinar contratos com dois talentos, o Breno e o França. São da Zona Leste. Um deles é da quebrada (Breno, da Cohab 1), o outro é aqui da região. Pode-se dizer que a música que fazem é rap. Mas são jovens (têm 17 e 18 anos), com a cabeça fresca, então fazem de tudo: rap, trap, drill… A gente vai lançar sons juntos, também, tem material comigo. A ideia é que o selo comece a prestar serviços para outros artistas. No início da carreira, eu tinha que sair muito da quebrada para acessar estúdios. Esses jovens vão poder gravar aqui em Itaquera, na minha casa, com um microfone “da hora” e um artista que já tem um tempo de caminhada. Na idade deles, eu tinha que ir para o Tucuruvi, o Ipiranga… Frequentei muito estúdio até ter o meu computador.

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Como tem se saído no papel de empresário? O selo tem lucro?

Ele se sustenta. Além dos meus álbuns, o selo atende nossos trabalhos publicitários, trilhas sonoras, composições, turnês em Cabo Verde, na Europa, uma infinidade de coisas. Tenho meus lucros e agora a ideia é que outros talentos tenham lucro também. Breno e França serão os dois primeiros.

Suas músicas têm referências de literatura, cinema… No momento, o que tem feito a sua cabeça?

Tenho curtido um gênero musical sul-africano chamado amapiano, um tipo de house music que está aquecido na Europa e nos Estados Unidos. Também gosto de artes visuais, cinema. Tudo é inspiração. No momento, gostei muito de Tjovitjo (Netflix), uma série sul-africana em que o personagem tem uma certa solitude e assume uma liderança na comunidade, me identifico muito.

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Acha que o clima eleitoral mudou em relação a 2018 nas periferias?

Em política, cada um tem a sua perspectiva. A classe artística foi afetada nos últimos anos e isso me faz ter algumas opções. Outros estão mais preocupados com a questão da violência… Aqui na quebrada é muito diverso, não dá para saber. O que vejo são pessoas abrindo comércios, “metendo marcha”, tentando realizar sonhos… Não estão muito olhando para esse lado (da política), estão tentando sobreviver, ter saúde, comer todo dia. Agora, o que vai vir de cima está muito incerto. Não vejo mudança clara.

O que deseja para o Brasil em 2022?

Saúde.

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Publicado em VEJA São Paulo de 12 de janeiro de 2022, edição nº 2771

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