Quatro marcas da moda que apostam na elegância discreta para o inverno
Anselmi, Aluf, Neriage e J. Boggo valorizam a discrição e a qualidade extremada

É comum achar que o inverno é, por si só, sinônimo de um vestuário elegante. Com menos partes do corpo à mostra, ele é, certamente, mais comportado. Mas a elegância vai depender de quem veste — muito mais que do design ou da matéria-prima. Até porque esse conceito é, quase sempre, confundido com padrão de beleza ou gosto. Esses, sim, são mutáveis e marcadores de época. De acordo com o professor de história da moda da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) João Braga, o que torna alguém mais ou menos elegante vai além da aparência e tem a ver com ter uma postura virtuosa, apuro, gentileza e sensibilidade, entre outros quesitos. “Elegância significa revestir-se do divino. Ela é, antes de tudo, um comportamento”, resume o professor.

Ainda assim, é difícil desvincular elegância de um estilo discreto e “silencioso” — o que, novamente, parece combinar com o inverno. Ou, como diz Paul Valéry (1871- 1945), filósofo e escritor francês citado por João Braga. “Ele escreveu que a elegância é a arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado sutil de se deixar distinguir”, relata o professor. Tudo a ver com o movimento quiet luxury (ou luxo silencioso, em tradução livre), que está em voga atualmente e é praticado pelos criadores das marcas Neriage, Anselmi, Aluf e J.Boggo — ouvidos por Vejinha para esta reportagem. Com forte atuação em São Paulo, essas marcas fazem de suas criações um poderoso veículo de autoexpressão — onde só há espaço para ser quem se é.

Por quiet luxury, entenda-se a vertente fashion que valoriza a discrição e a qualidade extremada, no lugar da ostentação. São peças que não exibem logos extravagantes e respeitam a diversidade de corpos. Essa, sim, uma escolha elegante.
Anselmi

Fundada há quarenta anos, em Farroupilha (RS), a marca de tricôs Anselmi está hoje nas mãos da segunda geração da família. Os irmãos Sandra (diretora criativa), Eduardo (diretor industrial) e Patrícia (diretora de marketing) herdaram da mãe, Maria de Lourdes, o gosto por ver os fios darem origem a uma peça sofisticada. Aliás, é assim mesmo: os três parques fabris da empresa concentram toda a cadeia produtiva do tricô, da fiação à tinturaria. “A nossa roupa nasce na construção do tecido”, explica Patrícia Anselmi, 33.
Como matéria-prima, a malharia usa principalmente o algodão nacional, além das lãs merino e cashmere de fornecedores locais. Mas a pesquisa por novos materiais nunca para. Recentemente, a empresa começou a usar um fio elástico feito de milho. “Estamos sempre buscando um menor impacto ambiental. Queremos que a marca seja eterna, e não um fenômeno momentâneo”, afirma Patrícia.

Apesar das quatro décadas de história, somente há cinco anos a Anselmi foi para o varejo. Hoje, entrar em uma loja da grife — são 23 no Brasil, sendo sete em São Paulo — é ver todas as possibilidades de peças feitas de tricô, de vestidos a casacos, passando por calças e saias, tudo com design surpreendente. “Quisemos desvincular a marca da caretice. Temos peças para o dia a dia, mas também de festa”, diz Patrícia. E conseguiram não apenas isso, mas tornar a marca sinônimo de bom gosto. “Acredito que a elegância está na atitude, na maneira da pessoa se colocar no mundo, com leveza, inteligência e, sobretudo, gentileza”, afirma. “Não é sobre chamar a atenção, mas sobre inspirar pelo cuidado, pelos gestos e pelo respeito ao outro. A roupa acompanha esse espírito, ela apenas expressa o que já está presente”, completa a empresária.
Aluf
Lançada em 2018, a Aluf já nasceu questionadora, graças à cabeça inquieta da estilista Ana Luisa Fernandes, 30. Recém-formada, Ana Luisa despontou no mercado fashion derrubando as barreiras entre moda, arte e psicologia. As suas primeiras criações foram inspiradas no trabalho da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999) e seu processo de arteterapia. Desde então, vem mostrando um olhar singular e original para a moda.
Ao lado do sócio, o engenheiro Bruno Cardozo, a designer fez a Aluf passar de um ateliê para uma marca conceituada e com duas lojas — uma na Rua da Consolação, nos Jardins, e outra no shopping JK Iguatemi. “Vestimos uma mulher forte e à frente do seu tempo”, diz Ana Luisa, que cria roupas com matérias-primas naturais, com texturas e volumes diferenciados — sempre atreladas à sustentabilidade e à produção responsável.

Sua coleção de inverno 2025, inspirada no universo circense, traz uma modelagem com cintura marcada e bem feminina, além de uma cartela de cores com tons saturados e estampas que remetem ao circo, como as listras. Mais recentemente, a marca ganhou uma linha casual, a Aluf Todo Dia, com peças como jeans, regatas, camisas e shorts — tudo com sua modelagem inconfundível, porém, mais básicas. Também firmou uma parceria com a plataforma de vendas de peças de segunda mão PrettyNew. Dessa forma, as clientes podem levar suas roupas usadas da Aluf e trocar por créditos em uma peça nova. “Acredito que a elegância também esteja atrelada à excelência de acabamento”, afirma a estilista. “Mas, para mim, ser elegante é, principalmente, se vestir de si mesma.”
Neriage
Nascida em Sorocaba, Rafaella Caniello, 30, sonhava em ser editora de moda. “Queria escrever sobre o processo criativo”, diz a moça, que acabou, ela mesmo, enveredando para a criação de modelitos depois de passar pela Faculdade Santa Marcelina, em Perdizes.
Desde o trabalho de conclusão de curso, Rafaella mostrou que tinha um olhar especial para as roupas. A partir do estudo dos filósofos Gaston Bachelard (1884-1962) e Arthur Schopenhauer (1788-1860), e da observação de técnicas da cultura japonesa, ela apresentou sua monografia, batizada de “Neriage” (pronuncia-se “neriagui”), sem saber que já dava o primeiro passo para a criação de sua marca — que hoje possui duas lojas e tem Laura Cerqueira Leite como sócia.

“Neriage é uma técnica japonesa de cerâmica em que a mistura de diferentes argilas produz um efeito marmorizado. Analogicamente, esse termo pode ser utilizado na construção de roupas: diferentes tecidos combinados, formando algo harmônico e singular”, explica a estilista, que antes de lançar a própria grife trabalhou na UMA e na Neon, além da revista Harper’s Bazaar.
“Eu tenho respeito pelos materiais, como se eles tivessem vida própria”, afirma Rafaella, que, diferente de seus pares, inicia as criações justamente por aí: “Meu processo é um diálogo com o tecido, do qual fazem parte diversas mãos e conhecimentos, que trazem para a roupa uma história própria”, explica a criadora, cujas peças precisam ser vestidas para mostrar toda a sua beleza. “Faço roupa para o movimento do corpo”, completa ela, que veste mulheres como as atrizes Mariana Ximenes, Débora Falabella, Renata Sorrah e Zezé Motta, além da primeira-dama Janja Lula da Silva. “Elegância tem a ver com o que é natural. O simples também pode ser elegante”, afirma.
J. Boggo
Jay Boggo, 45, é dessas pessoas criativas que são difíceis de classificar: ele é estilista, designer de móveis e objetos, além de artista plástico. E faz tudo isso com o mesmo olhar cuidadoso de um artesão que busca aliar beleza e função, personalidade e conforto. Ex-dono de confecção — que funcionou por quinze anos em Blumenau e chegou a produzir 8 000 peças por dia —, Jay virou a própria mesa em 2017, quando encerrou as atividades da fábrica e se mudou para São Paulo para repensar a carreia e o propósito de vida. Hoje, é um criador com um trabalho híbrido.

“Transito entre moda, arte e escultura, sempre partindo do orgânico, do afetivo, do que carrego de memória”, explica ele, que é inspirado pela arquitetura, pelo desenho puro e pela força do gesto. “Faço uma alfaiataria afetiva, que abraça assimetrias e imperfeições. Isso tem a ver com mostrar a verdade. Eu visto corpos, mas também conto histórias”, diz o designer, que já vestiu os atores Reynaldo Gianecchini, Bruno Gagliasso e Taís Araujo, além de Alcione e Gilberto Gil. No último Festival de Cannes, Jay também assinou peças para artistas e celebridades, como a atriz Isa Salmen, a cineasta Ilda Santiago e a produtora de cinema Emilie Lesclaux, mulher do diretor Kleber Mendonça Filho.

Para ele, a elegância é silenciosa e não tem estação, ela mora na atitude, na presença. “É quando a roupa chega, mas não grita”, define. “Mas é fato que o inverno abre um campo criativo mais generoso”, pondera Jay, que adora brincar com sobreposições, pesos, tecidos encorpados e tudo mais que traduza potência visual e, claro, sofisticação. “Gosto da expressão da liberdade.”
Publicado em VEJA São Paulo de 4 de julho de 2025, edição nº2951.