As paisagens brasileiras de Toco, artista paulistano radicado na Itália
O cantor e compositor, que vive entre Florença, Milão e a capital paulista, lança 'Riviera', novo disco repleto de brasilidades
Os milhares de quilômetros que separam a Itália, onde vive, e sua terra natal, São Paulo, desaparecem logo nos primeiros acordes de Riviera, novo disco do cantor e compositor Toco, lançado nesta sexta-feira (19).
No doce universo sonoro que constrói, a partir de referências da bossa nova, do samba e do jazz, os dois países são como vizinhanças próximas entre as quais o músico se divide — o título homenageia a Riviera Paulista, bairro paulistano onde cresceu, e a Riviera Italiana, litoral que se estende por toda a costa da Ligúria, região próxima à França, onde morou.
“Quis homenagear a minha família e também o lugar que me acolheu na Itália. A minha carreira como artista começou efetivamente aqui”, contou Tomaz di Cunto, 47, o Toco, de Milão.
A cidade foi seu primeiro destino ao sair do Brasil, em 2000, para o que seria um “mochilão” de um ano pela Europa. Na época, o então estudante de comunicação trabalhava como assistente do jornalista Fernando Faro (1927-2016) no programa musical Ensaio, da TV Cultura.
“Na noite anterior à viagem, fui comer uma pizza com o Faro, ele ligou para o Toquinho e disse que eu estava indo para a Itália. Ele então passou o telefone da Adi Souza, uma cantora brasileira que morava em Milão. Quando cheguei, liguei para ela, e dali se desenrolou uma série de conexões que, quando vi, não fiz a tal viagem pela Europa (risos)”, conta.
Na mala, levou uma pasta cheia de CDs nacionais e, na cabeça, a ideia de falar sobre música brasileira, paixão antiga que aflorou ao conhecer bambas como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Zeca Pagodinho nos bastidores da televisão.
“Eu era responsável por buscar os artistas com o motorista no hotel ou aeroporto. E fiquei muito amigo do Faro. Montamos um time de futebol do programa, jogamos com várias bandas e artistas, como Chico Buarque, durante uma temporada de shows dele em São Paulo, às 3 da manhã, na Pompeia. Essas coisas românticas, do passado da música brasileira, que gosto muito”, conta.
Sem falar italiano, foi parar em uma rádio do pequeno balneário de Levanto, com um programa de uma hora diária de música brasileira aos finais de tarde. “Tocava Tom Jobim, Caetano, Chico, eu falando meio português. Virei folclore nessa cidadezinha, mas assim me envolvi com rádio e, depois, com produção”, conta Toco, que lançou seu primeiro disco em 2004.
Desde então, ele vem traçando carreira como artista e produtor na gravadora Schema Records, em parceria duradoura com o italiano Stefano Tirone, que produziu Riviera e seus três álbuns anteriores. Seu último trabalho solo, Memoria (2014), completa uma década neste ano.
“Esse intervalo tem a ver com meu respeito e idolatria pelos grandes da música brasileira. Depois de trabalhar com o Faro, muitos desses artistas se tornaram meus amigos”, explica, revelando a responsabilidade que sente ao criar uma obra.
Seu disco Outro Lugar (2007), por exemplo, teve participação de Roberto Menescal — e a faixa Guarapiranga foi trilha do premiado filme O Lado Bom da Vida (2012), estrelado por Bradley Cooper e Jennifer Lawrence.
“Passei a minha infância em frente à represa, cresci no meio da natureza. O acesso não era tão complicado como é hoje, mas a casa dos meus pais continua lá”, diz.
As músicas do novo álbum reconstroem paisagens brasileiras em arranjos influenciados pelos anos 1970. A praia cearense de Guajiru e cidades como Paraty e Salvador são algumas inspirações.
A faixa Alma de Turista, por exemplo, traduz em palavras e sons a natureza nômade do compositor, que desde 2016 vive entre Florença, Milão e São Paulo. “Dizem que eu não sei de nada / Que eu não sou daqui / Sou de qualquer lugar”, diz a letra.
“A experiência de olhar o Brasil de fora é diferente. Talvez isso potencialize as imagens. As cores ficam mais ressaltadas. A gente acaba criando uma imagem particular desse Brasil distante”, conta.
No final de julho, o músico planeja voltar para uma temporada na capital paulista. “Depois dessa história toda que te contei, você imagina a responsabilidade que é fazer um show. Tenho o sonho de chamar meus amigos para montar uma superbanda. Espero realizar ainda neste ano.” Vamos aguardar.
Publicado em VEJA São Paulo de 19 de abril de 2024, edição nº 2889