“Levantar dinheiro para realizar filmes no Brasil é um horror”, diz o diretor de Na Quebrada
Fernando Grostein Andrade tem 33 anos, trabalha com publicidade e fez dois documentários em longa-metragem, Coração Vagabundo (2008) e Quebrando o Tabu (2011). Na Quebrada é seu primeiro filme de ficção, embora tenha traços documentais – as histórias saíram de personagens reais, que passaram pelo Instituto Criar, ONG especializada em formar jovens carentes nas áreas […]
Fernando Grostein Andrade tem 33 anos, trabalha com publicidade e fez dois documentários em longa-metragem, Coração Vagabundo (2008) e Quebrando o Tabu (2011). Na Quebrada é seu primeiro filme de ficção, embora tenha traços documentais – as histórias saíram de personagens reais, que passaram pelo Instituto Criar, ONG especializada em formar jovens carentes nas áreas de cinema e TV. A fita estreou na quinta-feira passada e já atraiu mais de 140 000 espectadores, um número surpreendente até para seu realizador, que é irmão por parte de mãe do apresentador Luciano Huck, produtor de Na Quebrada.
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Como foi a transição do documentário para a ficção? Bastante natural. Trabalho há dezoito anos com comunicação. Dirigi curtas, centenas de publicidades, clipes e documentários. Trabalhar com atores, escrever e, acima de tudo, contar histórias sempre fez parte do meu cotidiano. O meu mantra é contrabandear alguma coisa de um nicho para o outro.
Foi difícil conseguir dinheiro para o filme? Levantar dinheiro para realizar filmes no Brasil é um horror. É uma tristeza depender de mecanismos como as leis de incentivo. Elas são fundamentais e, sem elas, o cinema acaba, mas considero injusto como funcionam. Na prática, apenas as grandes empresas podem participar. Além das pequenas empresas e pessoas físicas, as produtoras que lucram com outras atividades audiovisuais, como a publicidade, deveriam poder aplicar parte de seus impostos em cinema.
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Qual a maior dificuldade que encontrou para realizar Na Quebrada? Fazer as pessoas acreditarem no projeto. Desconfiança e preconceito sempre foram os antagonistas. Desde a idéia do filme até convencer os outros a trabalhar com detentos e dentro do presídio. Outra coisa: ter um elenco tão grande, de 130 pessoas, num filme de baixíssimo orçamento.
Você fez uma “imersão” na periferia para observar comportamento, hábitos, gírias…? Sim. Foram vários passos. Primeiro, convidei o Paulo Eduardo, que inspirou o meu curta-metragem Cine Rincão (que deu origem ao Na Quebrada) a ser codiretor. Eduardo Lyra, um jovem escritor da periferia, realizou as entrevistas para o roteiro e escreveu o argumento comigo. O elenco foi formado, em sua maioria, por jovens da periferia e também ajudei a refundar o grupo de teatro “Do Lado de Cá”, formado por detentos da penitenciária de segurança máxima Adriano Marrey. Com cada pessoa, houve troca e aprendizado.
Trabalhar com atores iniciantes (ou não-atores) foi pensada desde o início? Sim, achei que era importante para manter o frescor e causar uma certa estranheza.
O quanto seu irmão, Luciano Huck, ajudou para que o filme saísse do papel? Luciano é produtor do filme, criador do Instituto Criar e peça-chave na história toda. Foi também voz importante para levantar a necessidade de fazer um filme que não denunciasse só problemas, mas também apontasse soluções.
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O número de 140 mil espectadores era esperado para os primeiros dias? Foi uma surpresa positiva. O cinema brasileiro hoje é dominado por chanchadas e ainda existe, sim, uma grande dificuldade em conseguir atrair público para filmes com vários enredos.
Seu documentário, Quebrando o Tabu, trata de um tema parecido com o recente Ilegal. Acredita que este novo documentário possa apressar a aprovação da maconha para uso medicinal? Ilegal já mostrou a que veio. O longa-metragem deriva de um curta. Eles empurraram para que a maconha medicinal seja vista positivamente e regulamentada. Os realizadores são verdadeiros heróis.
Publicidade, cinema de ficção ou documentário? Onde se ganha dinheiro e onde se tem prazer? Sem dúvida, o dinheiro vem da publicidade, mas o prazer está em realizar filmes. A campanha de despedida da Kombi me encheu de orgulho e prazer. Os documentários são maravilhosos por poder jogar luz em problemas e levantar discussões. Para a ficção, não tenho nem palavras para dizer o quanto eu gosto.