Mudanças da maternidade são culturais e não apenas biológicas
É de conhecimento do senso comum com corroboração científica a noção de que a mulher passa por grandes transformações durante a gravidez e os primeiros anos de maternidade, tanto fisicamente quanto emocionalmente. O fato de que alterações hormonais explícitas estão por trás dessas mudanças sempre nos deu a convicção de que a maternidade transforma a […]
É de conhecimento do senso comum com corroboração científica a noção de que a mulher passa por grandes transformações durante a gravidez e os primeiros anos de maternidade, tanto fisicamente quanto emocionalmente.
O fato de que alterações hormonais explícitas estão por trás dessas mudanças sempre nos deu a convicção de que a maternidade transforma a mulher para sempre e que a paternidade, por não envolver alterações hormonais disparadas pela concepção, não produziria mudanças biológicas no homem.
Só que um estudo recente coordenado pela psicóloga Pilyoung Kim (Universidade de Denver) mostra que, na verdade, a paternidade também produz mudanças no cérebro do pai. O grupo observou algumas alterações correlacionadas com o gênero do progenitor. Além delas, assim como ocorre com a mãe, há aumento de volume em algumas estruturas do cérebro do pai: tálamo, hipotálamo, amígdala, córtex pré-frontal e estriado. Estas áreas estão envolvidas em diferentes funções, como tomada de decisão, processamento sensorial, motivação e regulação hormonal.
Mas como são produzidas essas transformações no sistema nervoso do pai se ele não passa por alterações hormonais desencadeadas diretamente pela concepção, como é o caso da mãe (afinal, é dentro de seu corpo que o bebê é gerado)?
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Alguns outros estudos mostram que as mudanças ocorrem mais rapidamente no cérebro da mãe e mais lentamente no cérebro do pai. Isso significa que, na verdade, as transformações não são reguladas apenas pelos ajustes hormonais provocados pela concepção mas também pela própria experiência em si de geração e de cuidado de uma nova vida. Essa experiência pode ser vivenciada sem distinção tanto pela mãe quanto pelo pai.
Outro dado que reforça essa ideia é o fato de que as funções cognitivas da mulher não sofrem alteração significativa durante a gravidez, colocando por terra a noção geral de que mulheres grávidas têm dificuldades temporárias de memória e raciocínio. Embora 80% das mulheres grávidas relatam alterações cognitivas durante a gestação, experimentos controlados não confirmam que esse prejuízo exista.
Isso provavelmente ocorre por conta de um fenômeno conhecido como interferência de confirmação: por terem a expectativa de dificuldades cognitivas, as mulheres acabam atribuindo à gravidez uma dificuldade que já estava presente antes mas era ignorada. Por exemplo, uma mulher que esquece de trancar a porta de casa de vez em quando pode, quando, grávida, achar que isso aconteceu dessa vez por conta da gravidez.
O resumo da ópera é que os cérebros de pais e mães se transformam de modo relativamente equivalente durante a gestação e início da vida do bebê, ou seja, sem que haja diferenças marcantes entre eles além do ritmo em que essas mudanças ocorrem. As mudanças mais rápidas no caso da mãe parecem ser devidas ao fato de que é dentro do corpo dela que o bebê é gerado, de modo que o pai leva mais tempo para se sentir envolvido com a criança na mesma intensidade da mãe.
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Adicionalmente, é interessante pensar sobre o quanto as normas culturais influenciam no modo como a geração de um bebê impacta no cérebro de pais e mães, dado que as expectativas sociais de cuidado recaem principalmente sobre as mães, o que também está longe de ser uma norma determinada biologicamente de modo inflexível. Então, papais… vamos participar ativamente da criação dos filhos.
Finalmente, também podemos afirmar à luz dos conhecimentos recentes, que pouco importa se um bebê é criado por um pai e uma mãe, duas mães, dois pais etc.