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Em Terapia

Por Arnaldo Cheixas Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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A curiosa relação entre o sanduíche de presunto de ‘Chaves’ e a entrega amorosa

Em vários episódios do seriado mexicano Chaves, Quico lhe pergunta se ele quer um pedaço de seu sanduíche de presunto. Chaves, pobre e sem casa, quase sempre está com fome e nunca rejeita uma oferta de comida. Em se tratando de sanduíche de presunto então, seu prato preferido, aí é que não rejeitaria mesmo. + […]

Por Carolina Giovanelli
Atualizado em 26 fev 2017, 16h37 - Publicado em 15 Maio 2015, 22h48
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Em vários episódios do seriado mexicano Chaves, Quico lhe pergunta se ele quer um pedaço de seu sanduíche de presunto. Chaves, pobre e sem casa, quase sempre está com fome e nunca rejeita uma oferta de comida. Em se tratando de sanduíche de presunto então, seu prato preferido, aí é que não rejeitaria mesmo.

+ Aula de Psicologia com Chaves: o caso dos ganhos secundários

Acontece que Quico oferece seu lanche ao Chaves quase sempre com a intenção de fazê-lo passar vontade porque, quando a resposta deste é “Sim, quero!”, Quico replica com uma negativa: “Vai comprar!” ou “Não te dou!”. Por conta de muitas experiências repetidas, Chaves foi mudando aos poucos sua conduta para evitar se frustrar.

Assim, diante da pergunta de Quico se ele quer um pedaço do sanduíche, Chaves tem um ímpeto de dizer sim quase automaticamente mas, antes que a voz saia, a aprendizagem com as frustrações anteriores faz com que ele contenha seu ímpeto. Só que conter o ímpeto não significa dizer não. Na verdade, ele bloqueia o sim mas continua a interação, tentando se certificar se Quico irá ou não lhe dar um pedaço do sanduíche. O diálogo é mais ou menos esse:

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Quico: Chaves, quer um pedaço do meu sanduíche de presunto?

Chaves: Mas você vai me dar?

Quico: Primeiro me diz se você quer.

Chaves: Primeiro me diz se você vai dar.

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Quico: Não… você tem de dizer primeiro se você quer.

Chaves: Mas se eu disser sim, você vai mesmo me dar? (…)

+ Colocar-se no lugar do outro: o duplo twist carpado das relações interpessoais

Esta é uma situação desgastante e que não traz bons resultados para ninguém, mesmo quando Quico termina por compartilhar o lanche com o amigo. Vejamos por que os resultados não são bons de forma alguma.

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Se no fim de tudo Chaves diz que quer e Quico não dá, ambos despenderam tempo e energia numa disputa que não levou a nada. Chaves ficou sem o lanche. E o Quico? Ele, que teoricamente teve sucesso em sua brincadeira (abuso) praticada contra Chaves, além de não ganhar nada, ainda ficará privado da proximidade do amigo.

Se depois de assediar Chaves, Quico resolve compartilhar seu lanche, ainda assim houve o dispêndio de tempo e energia em algo que poderia ter sido mais simples. E o ponto é que a economia da situação, a avaliação do custo-benefício não se encerra com o fato de o lanche ter sido compartilhado. A motivação de Chaves para submeter-se ao assédio de Quico é o fato de que ele não tem o que comer.

A manipulação que Quico faz é de natureza perversa. E isso deixa marcas. Significa que o vínculo entre os dois é afetado pela forma como Quico manipula a carência de Chaves por alimento.

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Normalmente Quico não dá o lanche a Chaves, que fica triste com a recusa, o que faz com que ele se afaste do amigo. Consequentemente, Quico se sente sozinho depois do afastamento de Chaves. Em síntese, a qualidade do vínculo se deteriora e ambos perdem.

Toda essa história sobre compartilhar sanduíche é só para dizer que com o amor o processo é o mesmo. Amor não é algo que se ofereça como Quico faz com seu sanduíche de presunto, manipulando de maneira perversa o desejo do outro. E amor tampouco é algo que se aceita como Chaves faz para conseguir um pedaço do lanche do amigo, tentando primeiro se certificar se o outro vai dar ou não.

De fato, num relacionamento amoroso é possível alternar as posturas tanto de Chaves quanto de Quico. Há quem não quer se entregar mas manipula o outro para experimentar uma sensação de poder (caso de terapia). E há também quem tenha medo de se entregar, embora seja o que mais deseja.

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Esse medo faz com que a pessoa assuma a postura de Chaves (“Primeiro me diz se você vai dar”) ou mesmo a de Quico (“Primeiro me diz se você quer”). Como no caso do sanduíche, toda a energia despendida não levará a nada. Todo o esforço terá sido em vão. Amor é entrega.

E, se o outro não está pronto para esta entrega, você logo perceberá. Se Chaves dissesse logo de uma vez que quer sim o sanduíche, ele logo veria que Quico não pretende de fato compartilhá-lo. O melhor, então, é buscar lanches em outra freguesia. Não tem o que fazer. Simples assim.

E você, aceita um pedaço do meu sanduíche?

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